sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

DONA DILMA E SEU MADRUGA


Descobri um livro que gostaria de ter ganhado de Papai Noel. Como isso não aconteceu (na verdade, eu nem sabia da existência do tal livro até ontem), já estou tratando de me presentear com esta obra indispensável. O livro em questão é Seu Madruga, vila e obra, de Pablo Kaschner, com ilustrações de Maurício Melo (sim é VILA, com “L”).

Nunca assisti regularmente ao seriado Chaves, mas, como já tive criança em casa, de vez em quando via trechos de algum episódio. Atualmente, vez por outra, zapeando aqui e ali, dou de cara com o garoto do barril e seus companheiros. Aí, me detenho, ainda que por alguns minutos, para saborear aqueles deliciosos comentários, as respostas de uma lógica ímpar com que aquelas “crianças” nos surpreendem. É um programa tosco, criado nos anos 1970, impensável num século XXI que faz da tecnologia seu “bezerro de ouro” para adoração. Por isso fico extremamente feliz quando vejo que a garotada, jovens, adolescentes e mesmo cinqüentões (como eu) curtem o programa.

Folheando rapidamente o livro, na livraria, um nome me chamou a atenção: Dilma Roussef, ainda identificada como Ministra da Casa Civil. Pois Dona Dilma dá seu depoimento ao autor, dizendo que gostaria de ter tido mais filhos e que sua menina, Paula (que amanhã desfilará ao lado da mãe na cerimônia de posse da nova Presidente), só comia assistindo ao Chaves. Pois taí: fiquei mais confiante ainda no novo governo. Tenho uma convicção particular de que quem gosta do seriado Chaves (e do Chapolim Clorado) só pode ser gente boa.

Seu Madruga, com sua ingênua esperteza, é o brasileiro, o sul-americano, o latino, o cidadão do Terceiro Mundo, que faz seus malabarismos para sobreviver, aplica seus golpes, mas tem uma doçura que o faz mais humano do que muito “bom moço”. Silvio Santos foi corajoso e teve sensibilidade em apostar no seriado, contrariando seus conselheiros.

Tomara que, com os problemas do SBT, Chaves e sua turma não fiquem sem espaço na TV aberta (atualmente é exibido também no canal a cabo Cartoon Network). E tomara que a Presidente tenha um tempinho para relaxar no sofá ou no tapete, pés descalços, esquecer os compromissos de Chefe de Estado, ser somente a Dilma, mãe da Paula e avó do Gabriel, e (quem sabe, ao lado deles) curtir o seriado mexicano. Certamente terá boas inspirações para seu governo.



Seu Madruga, vila e obra - Pablo Kaschner (ilustrações de Maurício Melo)
Editora Mirabolante
http://www.mirabolanteeditora.com.br/produtos_descricao.asp?lang=pt_BR&codigo_produto=12

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

NARRADORES, LOBOS E SABEDORIA



Há anos ouvia falar do livro Mulheres que correm com os lobos, da analista junguiana Clarissa Pinkola Estés. Por falta de dinheiro, dúvida sobre se valeria mesmo a pena, preguiça de ler... enfim, fui adiando a compra do livro. Mas há algumas semanas a loba me convenceu e encomendei pela internet. Agora, com toda a matilha na cabeceira, descubro que chegou na hora certa.

Ansiosa e cercada de montanhas de livros e textos xerocados para ler (sou da atribulada tribo dos mestrandos), comecei a leitura, mas logo fui avançando para uma e outra história, pulando páginas. Tudo bem, volto quando necessário e certamente em algum momento o terei lido todo, ainda que leve tempo, afinal são mais de 600 páginas.

Na página 36 ela já me seduz ao dizer que “as histórias conferem movimento à nossa vida interior, e isso tem importância especial nos casos em que a vida interior está assustada, presa ou encurralada. As histórias lubrificam as engrenagens, fazem correr a adrenalina, mostram-nos a saída...”. Penso em Nietzsche, que aposta no movimento. E movimento (e narrativa) é também cinema, onde muitas vezes encontro em filmes especiais indicações dessas saídas. Mas o que me interessa compartilhar hoje é este pequena história que ela conta na página 49 e que me levou a conexões com outras leituras e mesmo com o filme Ondine, comentado no post anterior.

Os quatro rabinos
Uma noite quatro rabinos receberam a visita de um anjo que os acordou e os levou para a Sétima Abóbada do Sétimo Céu. Ali eles contemplaram a sagrada Roda de Ezequiel.

Em algum ponto da descida do Pardes, Paraíso, para a Terra, um rabino, depois de ver tanto esplendor, enlouqueceu e passou a perambular espumando de raiva até o final dos seus dias. O segundo rabino teve uma atitude extremamente cínica. “Ah, eu só sonhei com a Roda de Ezequiel, só isso. Nada aconteceu de verdade.” O terceiro rabino falava incessantemente no que havia visto, demonstrando sua total obsessão. Ele pregava e não parava de falar no projeto da Roda e no que tudo aquilo significava... e dessa forma ele se perdeu e traiu sua fé. O quarto rabino, que era poeta, pegou um papel e uma flauta, sentou-se junto à janela e começou a compor uma canção atrás da outra elogiando a pomba do anoitecer, sua filha no berço e todas as estrelas do céu. E daí em diante ele passou a viver melhor.

[...]
A história recomenda que a melhor atitude para vivenciar o inconsciente profundo é a do fascínio sem exagero ou retraído, sem excessos de admiração ou de cinismo; com coragem, sim, mas sem imprudência.”


Em Imagens do Pensamento, um dos capítulos (se é que podemos assim chamar esse agrupamento de histórias, fragmentos, compilados no livro) de Obras Escolhidas, vol.II (Rua de Mão Única), de Walter Benjamin, o alemão fala do Caminho do Sucesso em Treze Teses. Diz ele no item 1:

“Não existe nenhum grande sucesso ao qual não correspondam esforços reais. Seria um erro, no entanto, admitir que esses esforços sejam sua base. Os esforços são a consequência. Consequência da elevada auto-estima e da elevada disposição para o trabalho daquele que se vê reconhecido. Por conseguinte, uma grande exigência, uma hábil réplica e uma feliz transação são os verdadeiros esforços subjacentes aos verdadeiros sucessos.”

Penso então...assim como os rabinos, não basta ter acesso ao conhecimento, é preciso saber decifrá-lo, apreendê-lo, senti-lo, num processo não necessariamente ou puramente racional. Aí recordo um dos diálogos do filme Ondine, onde o sábio padre alerta um assustado Syracuse: ser infeliz é fácil, já a felicidade requer esforços.

Bom para pensar.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Sala Escura: ONDINE


Ondine poderia ser uma versão pós-moderna da Pequena Sereia, que migra das águas da Dinamarca para as irlandesas, e acaba caindo na rede de um pescador meio desajeitado. O próprio anti-herói, ex-alcóolatra e motivo de riso da comunidade onde vive, ao capturar com sua rede a jovem Ondine (Alicja Bachleda), Syracuse (Collin Farrell) pesca bem mais do que uma bela mulher. Mergulha numa teia de mistério e fantasia onde terá de lidar com alguns inimigos, inclusive ele mesmo.

A fotografia escura - algumas cenas são apenas ouvidas, pouco se consegue ver – pode causar algum desconforto, uma sensação de claustrofobia e uma ansiedade quanto ao desenrolar da trama. Claro que essa opção do fotógrafo Christopher Doyle não foi por acaso. A ideia certamente é passar essas sensações, uma impossibilidade de comunicação, talvez, uma angústia que está presente nas lendas e contos de fadas. E frequentemente na vida real. Some-se a isso que as próprias locações já são cinzentas. Entretanto, relaxe, pois o filme não decepciona. E fique atento aos deliciosos diálogos de Syracuse com o padre local (Stephen Rea, parceiro de Jordan em outros filmes memoráveis). São pérolas que o espectador provavelmente levará consigo na memória.


Contos de fadas e histórias fabulosas permeiam o filme. O título vem de Undine, um romance alemão do século XIX, sobre uma mulher espírito das águas, que por sua vez se baseia num conto do folclore francês e traz semelhanças com a Pequena Sereia de Andersen. Já foi peça de teatro, ópera e balé. No filme de Jordan, ela pode também ser uma selkie, mulher-foca das lendas escocesas. E há ainda referências à Alice (a do coelho branco) e Branca de Neve.

Competente, Neil Jordan acerta nas doses de fantasia, mistério, realidade e apresenta um desfecho bastante surpreendente. Com um certo jeito de filme para crianças, inclusive com forte presença da menina Annie (Alison Barry), Jordan poderia ter resvalado num filme confuso, chatinho ou pretensioso, mas na verdade nos oferece uma obra que resgata aquela necessidade de ouvir histórias, de sonho e de esperança que muitas vezes fica esquecida no fundo dos mares de nossa alma.

ONDINE (Ondine)
Irlanda/EUA, 2009
Direção e roteiro: Neil Jordan
111 min – 12 anos
Estreia 05/11/10
Trailer: http://www.imagemfilmes.com.br/imagemfilmes/principal/filme.aspx?filme=148097&sid=12b8b55a4c9bc8bb1ab59313db173fb2


domingo, 26 de setembro de 2010

Sala Escura: AS MÚMIAS DO FARAÓ


Múmias com dinossauros: parece samba do crioulo pré-histórico doido. Mas Luc Besson não é bobo e fez um filme divertido, levando para as telas a personagem de quadrinhos Adèle Blanc-Sec (criada por Jacques Tardi), com doses certas de suspense, fantasia, aventura e humor, temperadas com alguma ironia.

Impossível não lembrar de Parque dos Dinossauros ou de Uma noite no museu. Mas, em relação ao primeiro, Besson leva grande vantagem, pois não oscila entre o filme bobo demais para adultos ou violento demais para crianças. Quanto ao segundo, o francês ganha no charme, no humor sutil, além de contar com caprichada reconstituição de época (não a dos dinossauros ou dos faraós, mas da Paris do começo do século XX).



Com bela fotografia, acompanhamos as aventuras de Adèle, uma espécie de Amélie Poulain apimentada. Vivida pela bela Louise Burgoin, a moça é uma destemida (ou abusada?) repórter que enfrenta homens malvados e muita areia no Egito a fim de sequestrar a múmia de um médico egípcio, que supostamente poderá, depois de ressuscitado pelos poderes de um velho cientista, salvar a irmã da heroína, gravemente doente.

Enquanto isso, um pterodáctilo recém-nascido sobrevoa Paris e leva pânico à população e põe o governo em cheque. Daí, começa um jogo de empurra, numa sequência de “passadas de bola”: o Presidente passa para o Ministro, que chuta para o Governador, que cruza para o Chefe de Polícia... Diversão inteligente, com uma turminha de múmias super simpáticas.

AS MÚMIAS DO FARAÓ (Les aventures extraordinaires d’ Adèle Blanc-Sec)
Direção : Luc Besson (França, 2010)
Classificação : 10 anos
Estreia prevista: 15 de outubro


ESPORTE FINO: Neto, Neymar e a educação


HÁ VIDA INTELIGENTE NOS PROGRAMAS ESPORTIVOS

Domingo passado, TV aberta. Programação abaixo do nível da pobreza. Parei na Bandeirantes, programa de esportes, Milton Neves à frente. Até aí, nada de novo no front, a arrogância de sempre dos comentaristas que “se acham”: se acham mais do que inteligentes ou bons conhecedores do mundo esportivo, especialmente o futebol. Uma fogueira de vaidades onde muitos (há exceções, claro) acreditam ser o ungido dos deuses do gramado para dizer o que é certo e errado.

O que me chamou a atenção, entre os comentários sobre o “bola da vez” Neymar (o garoto do Santos, de cabelo e ego arrepiados) foi o ex-jogador Neto, corintiano roxo, dizer que o que esses jovens ídolos precisam é de educação, de estudo, de uma ocupação que os faça crescer intelectualmente. Precisam de uma orientação que os faça ver que existe muito mais na vida além das quatro linhas do gramado (ele não disse exatamente isso, mas acho que era esse o sentido).

Neto comentou que nas horas de lazer, esses garotos se limitam aos videogames, ao papo na internet. E provavelmente também ao twitter, o novo brinquedinho tecnológico. Neto citou o Cruzeiro, clube que está atento ao que seus jogadores fazem quando não estão correndo atrás da bola. E lamentou que ele mesmo não tivesse tido, quando ainda jogador, acesso a mais estudo. Bacana o comentário do Neto, um cara que fala o que pensa, certamente tem muitos desafetos, mas, ao que parece, não sucumbe à vaidade desmesurada comum no meio esportivo.

domingo, 12 de setembro de 2010

Sala Escura: ANTES QUE O MUNDO ACABE

Um filme com a cara da Casa de Cinema de Porto Alegre. Não, isso não é demérito, ao contrário, o pessoal de POA, Jorge Furtado à frente, tem nos dado ótimos trabalhos. O filme de Ana Luiza Azevedo não chega a ser surpreendente, mas de modo algum desagrada. Deve-se sentar para vê-lo como sentamos (refiro-me aos adultos e já maduros como eu) para conversar com um adolescente. É preciso paciência, tolerância, generosidade. Uma pitada de senso crítico, sim, mas também devemos estar preparados para algumas surpresas, algumas respostas inesperadas.

Em geral, o filão “filme adolescente” – na verdade não apenas os filmes, mas a sociedade, publicidade à frente – imbeciliza o jovem. Com o quê ele é identificado? Consumir, beijar na boca, comer junk food, matar aula, passar horas no computador, ao celular, etc... etc... Daí este filme é uma boa surpresa, pois vai mais fundo, oferece e pede mais a essa turma entre os 12 e... bem, não se sabe mais quando a adolescência acaba.

O jovem Daniel, personagem de Pedro Tergolina (excelente, fiquem de olho nele), mora numa pequena cidade gaúcha e periga viver uma vida sem grandes emoções. Entretanto, as palavras do pai desconhecido, que lá dos confins do mundo passa a mandar-lhe cartas e fotos instigantes, o conduzirão na sua travessia pelas peripécias comuns na vida de um estudante: confusões na escola, uma namorada que o deixa pelo amigo, o primeiro porre... e também a relação com a família. A sensibilidade do garoto faz a diferença. Ele consegue vencer a desconfiança provocada por aquele estranho que tem nome igual ao seu. E o que está latente nele – a capacidade de ver mais longe, de enxergar o mundo – desabrocha.

Em sua trajetória de amadurecimento, Daniel e seus amigos defrontam-se com questões como ética, amizade, compreensão, honestidade, responsabilidade. Sem caretice, apenas com autenticidade. Atuações sinceras, bom roteiro, fotografia competente e um bonito retrato não apenas de jovens rumo à idade adulta, mas de um Brasil com cores, linguagens e sotaques que não vemos com frequência nas telas de cinema e menos ainda nas de TV. Não tem data de estreia ainda, mas quando estrear, vá ver antes que acabe. Sabemos que filmes brasileiros – especialmente se não forem da Globo Filmes – não duram nas telas nacionais.


ANTES QUE O MUNDO ACABE
Direção: Ana Luiza Azevedo


terça-feira, 7 de setembro de 2010

CINEMA – TEORIZANDO A MAGIA (I)


“Teorizar o cinema é buscar como ele é imagem, como representa o mundo, veridicamente ou não; é preocupar-se com sua ação social e com a maneira como modela os espíritos...” (Jacques Aumont)

Desde sua invenção, há mais de um século, o cinema tem suscitado as mais diversas interpretações, especulações, desconfianças e defesas apaixonadas. Cineastas, filósofos, pesquisadores desenvolveram conceitos e teorias a seu respeito. Mesmo a primeira exibição pública do cinema – e por extensão, sua invenção - atribuída aos irmãos Lumière e datada em 1895, é motivo de controvérsias e tem um valor simbólico. Inúmeras experiências antecederam a projeção realizada pelos Lumière, em Paris.

Conceitos e teorias sobre o cinema, sejam elaborados por cineastas ou não, são feitos de uma matéria fluida, nem sempre se pode apreendê-los, aplicá-los. Mas apontam caminhos que trazem o cinema para mais perto, para um lugar mais íntimo dentro daquele que estuda ou simplesmente assiste aos filmes, e ajudam a entender sua ação sobre corações e mentes. Não os tomamos como definitivos, verdades absolutas, mas sem dúvida nos levam a reflexões e a desenvolver novos olhares sobre as obras cinematográficas. Podemos assim melhor inseri-las em seu contexto histórico e social e também melhor vivenciá-las, seja pelo prazer ou pelo estranhamento.

Leo Charney, no texto Num instante: o cinema e a filosofia da modernidade, fala da experiência sensorial vivida no cinema e aborda concepções de pensadores do século XIX, como Walter Pater e suas reflexões sobre o “instante”, Martin Heidegger e o “momento da visão”, e, já entrando no século XX, cita Walter Benjamin e seu conceito de “choque”: a intensidade imediata seguida da diminuição imediata.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

HAITI, AINDA


A organização ONE desenvolve campanhas mundo afora pela defesa de pessoas que vivem em situação de extrema pobreza. É mundialmente reconhecida como uma instituição séria e que tem o apoio de famosos que se destacam não apenas por suas atividades artísticas, como Brad Pitt, mas também por seu engajamento em questões humanitárias.

Pois a ONE me escreve dando duas noticias: uma boa e outra ruim. Bem, vamos à boa: graças à pressão de um abaixo-assinado que correu virtualmente o mundo, angariou mais de 200 mil assinaturas e foi entregue aos líderes mundiais na reunião do G8, a dívida do Haiti com os bancos internacionais foi perdoada. É o mínimo que deviam fazer, sabemos nós. Como sabemos também que perdão de dívidas não é coisa habitual no mundo das mirabolantes transações financeiras internacionais.

O que o pessoal da ONE nos pede agora é que ajudemos a transformar a outra notícia, a ruim, em boa também. Da ajuda prometida por vários países – Brasil inclusive - para reconstrução do país devastado pelo terremoto, só 10% lá chegaram. Bill Clinton, enviado especial das Nações Unidas, está à frente dessa campanha. E a gente pode ajudar, assinando outra petition.

O Brasil, como nação, já fez sua parte e cumpriu o prometido – além de milhares de brasileiros que se mobilizaram e enviaram donativos. Abro aqui parêntesis para falar de um exemplo dessa solidariedade, dado por alunos do SOLAR MENINOS DE LUZ, que vivem numa favela carioca. Estive lá durante o encerramento da primeira fase da campanha de doações e você confere a matéria em:
http://www.meninosdeluz.org.br/detalhe_noticia.php?cod_novidades=77

Já para assinar o novo abaixo-assinado da ONE você clica aqui:
http://www.one.org/international/actnow/haitiaid/

Vamos dar mais essa forcinha ao Haiti?

quinta-feira, 22 de julho de 2010

DE PESSOA A DEBORD



"O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente..."

Ah, Fernando Pessoa e seus versos imortais...

Fingido ele próprio, poeta que era (e é, para sempre). Mas um fingir que merece todo perdão. E será que é fingimento mesmo o que as palavras do poeta carregam? Ou será a revelação de mundos interiores que ele mesmo desconhece?

Salto da poesia de Pessoa para Guy Debord e a Sociedade do Espetáculo ("Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se esvai na fumaça da representação".

A sociedade onde o que importa é o "parecer". Já foi importante ser, depois o capitalismo dito selvagem, ditou a regra: o importante é ter. Agora... basta parecer, criar seu avatar, seu mundo virtual, ter milhares de seguidores no tweeter, estar sempre muito ocupado, falar muito ao celular... ser visto, ver, mas escutar pouco, ou nada.

A tecnologia a serviço não de uma vida mais humana, mais compartilhada, mais solidária, divertida, mas servindo para a grande representação de que fala Debord.

Divagações... saudades de Pessoa, talvez.


Notas:


2 - "A Sociedade do Espetáculo" você encontra em: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/socespetaculo.html


quarta-feira, 14 de julho de 2010

ECA – 20 ANOS


O Estatuto da Criança e do Adolescente completa 20 anos. Houve avanços nesta delicada e essencial questão da sociedade brasileira? Sim. Mas ainda há muito a conquistar, num percurso onde a personagem principal é a Educação.

Há 2 anos, comemorávamos a conclusão de nosso curso de Jornalismo de Políticas Públicas Sociais (JPPS), na UFRJ (NETTCON) e celebrávamos a maioridade do ECA. Um momento especial, de grande emoção, permeada por aquele sentimento indescritível de fraternidade e esperança. O professor Deodato Rivera, cuja história de vida está intimamente ligada ao ECA, lá estava. Hoje ele descansa em outras paragens, mas certamente atento e solidário às ações que aqui realizarmos em benefício das crianças, jovens, da sociedade enfim.

Na Câmara dos Deputados está sendo realizado o seminário “Os 20 Anos do ECA e as Políticas Públicas: Conquistas e Desafios”, com a proposta de apontar “estratégias eficazes para a efetividade da legislação brasileira no que diz respeito à proteção de meninos e meninas que ainda não vivenciam, com plenitude, seus direitos”. Outras informações: www.camara.gov.br/cdh




(nas fotos: Prof. Evandro Ouriques (NETTCON/ECO/UFRJ) e George Araújo; Deodato Rivera em entrevista à TV).

sábado, 10 de julho de 2010

BRIGAM ESPANHA E HOLANDA


Relembrando Leila Diniz, que nunca ouviu falar em Jabulani:


Brigam Espanha e Holanda

Pelos direitos do mar

O mar é das gaivotas

Que nele sabem voar

O mar é das gaivotas

E de quem sabe navegar.


Brigam Espanha e Holanda

Pelos direitos do mar

Brigam Espanha e Holanda

Porque não sabem que o mar

É de quem o sabe amar.

Leila Diniz Do livro: "Leila Diniz", Editora Brasiliense, 1983, SP



Achei nesse blog um pequeno e interessante texto sobre este tema: http://blogfernandoleite.blogspot.com/2010/07/brigam-espanha-e-holanda.html#comment-form




quinta-feira, 1 de julho de 2010

ELMO AMADOR, UM PROFISSIONAL DO AMOR ÀS ÁGUAS


A internet me traz uma notícia triste: morreu Elmo Amador. Há exatos quatro anos, junho de 2006, concluí um curso livre de Jornalismo Ambiental na ABI (Associação Brasileira de Imprensa), com a jornalista Zilda Ferreira (de vermelho na foto). Uma das lembranças – e ensinamentos – mais fortes que ficaram daqueles encontros no charmoso prédio da Rua Araújo Porto Alegre foi a visita/aula do geógrafo Elmo Amador.

Naquela época sua figura já denotava uma saúde debilitada, mas sua disposição para defender o meio ambiente, especialmente a Baía de Guanabara, superava qualquer fragilidade física. Nascido em agosto de 1943 em Itajaí-SC, o Professor Elmo fundou e militou em diversos órgãos de proteção ao meio ambiente. E em seus textos transbordava não apenas os conhecimentos científicos, mas um grande amor pela natureza.


Em sua homenagem, transcrevo aqui alguns trechos de textos que ele generosamente nos enviou por e-mail, com essas palavras de carinho: “Prezados amigos, Envio atachados 3 textos sobre a nossa querida Baía de Guanabara. Beijos e abraços. Elmo Amador”.



.BAÍA DE GUANABARA E ECOSSISTEMAS PERIFÉRICOS - HOMEM E NATUREZA:


Trava-se atualmente em torno do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, que envolve diversos projetos, um embate de concepções. Acompanhados por uma espetacular propaganda na mídia, vultosos recursos nacionais e internacionais estão empregados para a execução de obras de saneamento prioritárias, como estações de tratamento e redes de coleta de esgoto. A maioria destas estações, no entanto, terão tratamento apenas primário e o efluente será lançado no interior da baía através de emissários submarinos. Algumas estações de tratamento de esgoto estão sendo construídas por sobre manguezais. Por outro lado, grandes obras de drenagem e dragagem vêm sendo realizadas na baixada, através da SERLA, com notórios impactos na sedimentação da baía. Simultaneamente, novos aterros oficiais continuam roubando áreas da baía, enquanto junto a já altamente poluidora Refinaria de Caxias instala-se se o “polo do gás”. Enfim mesmo depois da Rio-92, do propalado “desenvolvimento sustentado” e da suposta consciência ecológica, o poder público continua sendo o principal agressor da baía”.

. SUGESTÕES DE ROTEIROS A SEREM PERCORRIDOS POR EMBARCAÇÃO NA BAÍA DE GUANABARA - PROJETO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL DO PDBG:
“Navegar na Guanabara é mergulhar num passado mágico. É cruzar as mesmas águas singradas pelos Tupinambás e seus ancestrais, que em suas frágeis canoas e ubás, estabeleceram uma relação harmoniosa de sustentabilidade com a Guanabara. É percorrer os mesmos percursos feitos pelos galeões e caravelas e pelas chaluas impulsionadas pelos sofridos e fortes braços escravos. Em suas águas penetraram corsários e piratas saqueadores, travaram-se batalhas pela conquista das terras. Em suas águas frequentemente grandes manadas de baleias pariam seus filhotes no inverno. No interior e margens da baía lentamente se instalaram diversos ecossistemas periféricos que asseguravam uma elevadíssima produtividade biológica, que sustentou os povos, que acompanharam as graduais modificações ambientais sofridas pela baía desde sua formação. Navegar pela Guanabara é ter a mesma emoção de êxtase dos visitantes naturalistas que a conheceram e a decantaram em prosa e verso.

As qualidades da Guanabara foram também a sua perdição. A água abrigada, a facilidade de acesso ao interior através de suas águas e rios e as riquezas de suas matas atraíram a cobiça dos europeus que aqui se instalaram e construíram uma cidade colonial, que para se desenvolver soterrou brejos, lagunas, manguezais, restingas e matas, arrasou morros, modificou a geografia e finalmente envenenou as sua águas”.


Amador no nome – por amar e não em oposição a profissional - já vejo o Elmo, tranquilo, às margens daquela linda baía do século XVI, sorrindo amorosamente. Um beijo fraterno, Elmo.


Foto: http://www.museudapessoa.net/hmm/depoentes_hmm.html

terça-feira, 22 de junho de 2010

SARAMAGO: PENSAR É PRECISO




Em clima de Copa do Mundo eu poderia dizer: o Saramago bate um bolão. Ainda mais depois de uma vitória com 7 gols da seleção lusa. Mas o assunto é sério. As palavras de Saramago são necessárias, são alertas e seria muito bom para as gentes, coisas, bichos, enfim para todo o planeta (quiçá o universo) se todos parassem para ouvir. E para ver, já que ele também se referiu a esse estado de coisas como uma cegueira.

As palavras de Saramago fazem coro às de outro português que conheci recentemente, graças ao Mestrado: Boaventura de Sousa Santos. Em seu texto “Seis razões para pensar", Boaventura fala da necessidade de lucidez, de construirmos novos saberes, de transformar ideias em ação. Do "ainda não", de deixar o conformismo e procurar o que falta no presente.

Bela dupla de lusitanos. "Navegar é preciso, viver não é preciso", escreveu o poeta Fernando Pessoa. É a tradução poética do que nos dizem Saramago e Boaventura. Navegar é pensar, é lançar-se ao mar das ideias e ações. Que bons mares o levem, Saramago.

domingo, 20 de junho de 2010

AO SOM DAS VUVUZELAS II – Canarinhos x Elefantes


Luis Fabiano encarnou a raça, a coragem, a ginga e fez um gol que certamente será lembrado como um dos mais lindos das Copas.

A TV Brasil, a prima pobre das TVs, que não tem cidade cenográfica nem estrelas que disputem capa de revistas de fofocas, tem uma programação que dá banho nas outras emissoras abertas, e até mesmo em muito do que se vê nas a cabo.

O que uma coisa tem a ver com a outra? Pois esta semana a TV Brasil exibiu mais um capítulo do documentário “1958 – o ano em que o mundo descobriu o Brasil”. E o doc bate um bolão. Tem depoimentos e imagens emocionantes. Me tocou particularmente a admiração e mais ainda o respeito dos craques gringos - ingleses, galeses, russos, alguns hermanos - sobre a seleção campeã de 1958, na Suécia.

Olhando aqueles senhores pode-se perceber que por trás daqueles olhos septuagenários desfilam imagens de um tempo em que a beleza do futebol estava mais nos pés dos jogadores do que nas telas turbinadas das TVS, com seus closes e super slow. Suas palavras em língua estrangeira reverenciam artistas que pintaram nos campos de futebol cenas de grande beleza estética e rara habilidade.

Luis Fabiano, como o resto do time, não joga no Brasil. Mas joga no Sevilla... a linda cidade da Andaluzia, onde estive em 2007, que tem no ar a vibração do flamenco. Obrigada, Luis Fabiano, por nos dar num lampejo aquele brilho de um futebol ousado, musicado e, por que não, elegante.

AO SOM DAS VUVUZELAS - I


Jogadores perfilados. É uma seleção centro ou sul-americana, não registrei e esqueci. Mas vejo ainda os jovens rostos índios, morenos, negros e revivo a inesperada emoção que senti. Vejo naqueles jovens os descendentes de algum povo ancestral, com seus sonhos de liberdade. Viajei na imaginação? Talvez... mas a Copa é muito mais que futebol, convenhamos (na verdade, parece até que o futebol já nem é o mais importante nesse campeonato....).

Não vou aqui fazer um manifesto sobre a dominação européia, o extermínio de índios, o roubo de riquezas e dizimação de civilizações exuberantes, como Astecas, Maias e Incas. O que esses rostos retesados pela tensão da disputa me evoca é a própria história do homem, de suas conquistas, com suas grandezas e misérias. E, certamente, nuestra America, grande e bela, ainda que muitas vezes nós próprios, americanos, não a reconheçamos como tal.

E me vem à memória os versos de San Vicente, linda canção de Milton Nascimento e Fernando Brant: “Coração americano, um sabor de vidro e corte”.

sábado, 5 de junho de 2010

POR UM AMBIENTE INTEGRAL

(ilustração tirada do boletim da vereadora Aspásia Camargo)

Um dia bom para assistir a alguns vídeos que sabem a que vieram. Aparentemente nada têm a ver um com o outro, mas na verdade guardam total afinidade. Falam de criança, de amor, de respeito não apenas pelo semelhante, mas por toda a natureza. Falam de um futuro possível, mais alegre, produtivo e ameno do que aquele que as notícias do dia a dia nos prometem.
Uma luz de alerta já se acendeu faz tempo e muitos – mídia, governos, instituições, conglomerados empresariais – teimam em ignorá-la. Estejamos atentos, atuando, reivindicando, educando, com os sentidos alertas.

Boa sessão! Ah, antes dê uma passada em http://www.doepalavras.com.br/ e mande seu recado para os pacientes do Hospital Mário Penna, de Belo Horizonte. O Hospital, que cuida de doentes de câncer, lançou um projeto simples, mas que certamente está sendo muito importante para os internos, e que se chama "DOE PALAVRAS". É rapidinho e não dói nada...

- http://www.youtube.com/watch?v=QlpB3PKZ9pU : (reproduzo as informações que recebi. Não conferi a veracidade, mas não faz diferença. As imagens são belíssimas e o texto uma aula de humanidade, de amor e respeito, de vida enfim). Vídeo narrado por dois idosos indígenas: Floyd "Red Crow" Westerman, nascido na reserva Sioux, Dakota do Sul, músico, ativista e ator; e o Chefe Oren Lyons, um importante ativista dos direitos indígenas e líder espiritual e chefe da Nação Onondaga (que. faz parte da Confederação Iroquesa). O texto corresponde a uma "profecia" dos nativos americanos, as imagens pertencem ao Planeta Terra, a premiada série de documentários para a BBC.

- http://www.meninosdeluz.org.br/videos.php : SOLAR MENINOS DE LUZ – instituição que há 18 anos faz um trabalho social, com educação em horário integral, no Pavão-Pavãozinho (Copacabana).

- http://www.youtube.com/watch?v=1vupEpNjCuY&feature=player_embedded: BABIES – trailer de um adorável filme que nos diverte, encanta e faz pensar sobre a diversidade, as diferentes culturas, as oportunidades... sobre o presente/futuro de nosso mundo.

domingo, 2 de maio de 2010

Sala Escura: O SEGREDO DE SEUS OLHOS


Ainda dá tempo de assistir a esta obra prima do cinema argentino. Esqueça o futebol, Maradona x Pelé, velhas rivalidades. Os hermanos estão mesmo dando banho na telona. O filme de Campanella merece cada grama da estatueta que ganhou em Hollywood, o cobiçado Oscar (que, apesar dos esforços dos brasileiros, ainda não deu as caras por aqui).

Como filme policial, é preciso, um quebra-cabeça de encaixes perfeitos. As mais de duas horas de projeção passam sem esforço, a tensão não esmorece, mantendo acesa a curiosidade pelo que a cena seguinte vai nos trazer.


A fotografia soberba dá “voz” às imagens que muitas vezes falam por si: a grandiosidade do Tribunal onde frequentemente se pratica uma justiça pequena, deformada; ambientes que vão se revelando aos poucos, primeiro em closes, depois em planos mais abertos, entregando-se gradativamente ao espectador.

Tudo no filme está na medida exata: a ditadura militar corrupta e cruel, como pano de fundo que contextualiza e oferece ingredientes à trama policial, sem se sobrepor; o conflito existencial de um homem que se divide entre presente e passado e tenta reescrever sua vida ao escrever um livro; o humor e a irreverência; a paixão entre um homem e uma mulher tolhidos por insegurança, medo e regras sociais. E aí a história de amor que há dentro deste filme cercado por violência e morte é contada com extrema sutileza, nos olhares e silêncios de Ricardo Darín e Soledad Villamil , ambos excelentes, aliás como todo o elenco, destaque para Guillermo Francella (Sandoval).

É um filme que gruda na memória, por todas as faces que tem. E bate aquela saudade dos personagens, como se quiséssemos continuar mais tempo com eles. Imperdível para quem ama o cinema e para quem não ama também. Com certeza, vai passar a gostar mais depois de assistir a este filmaço.


O SEGREDO DE SEUS OLHOS (El secreto de sus ojos)
Direção: Juan José Campanella
Argentina/Espanha, 2009 – duração: 2h09m



segunda-feira, 26 de abril de 2010

JORNALISMO AUTORAL DE OLIVEIRA E ROZENBAUM


Domingos Oliveira é antes de tudo um sujeito criativo. Daí, nada mais natural que promover um tipo inusitado de evento, com música ao vivo, chá dançante, vídeos com entrevistas, tudo no encantador espaço do Teatro Tom Jobim, no Jardim Botânico. Detalhe: o teatro fica dentro do Jardim Botânico mesmo. Um charme!

Com todo o direito que sua carreira de autor/ator, marcada por fino humor e sensibilidade, lhe confere, Domingos assume o papel de cantor, reivindicando aos não-cantores o direito de cantar. Segundo ele, o ser humano tem mais amor dentro de si do que consegue exprimir com palavras faladas, daí ser necessário cantar. E o repertório é adorável, juntando Sinatra com samba, tudo com o auxílio luxuoso de músicos competentes.

Num clima de total descontração, sob as bênçãos das árvores e do Redentor, a noite rola gostosa, com sabor de chás e caldinhos gentilmente oferecidos para degustação, ou outras bebidas e petiscos servidos por performáticas atrizes/garçonetes. Depois da música, vídeos com ótimas entrevistas feitas pela dupla, para seu programa na TV. São 4 séries: Todas as mulheres do mundo (Domingos entrevistando), Todos os homens do mundo (a entrevistadora é Priscilla), Swing (ambos entrevistam casais) e Coisas pelas quais vale a pena viver.

Ainda dá tempo de curtir este programa diferente no sábado (show a partir das 20h) e/ou no domingo (chá dançante a partir de 19h).


O JORNALISMO AUTORAL DE DOMINGO OLIVEIRA E PRISCILLA ROZENBAUM
Espaço Tom Jobim – Jardim Botânico do Rio de Janeiro
Rua Jardim Botânico, 1008
Tel: (21) 2274.7012
ENTRADA FRANCA

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Sala Escura: SÁBADO

Dia desses me deparei com uma agradável surpresa na TV. A TV Brasil exibiu SÁBADO, de Ugo Giorgetti, que já nos deu os excelentes BOLEIROS 1 (1998) e 2 (2006), e por sorte eu zapeei na hora certa. Um adorável filme, uma mistura bem sucedida de ingredientes como o faz-de-conta da publicidade (onde nem tudo é o que parece), humor negro, personagens típicos de um decadente (mas de ilustre passado) prédio de São Paulo.

Giorgetti trata com extrema habilidade questões sociais, como a decadência das grandes cidades, a política de levar vantagem por aqueles que vivem numa sub-existência medíocre. Situações hilárias, mas nunca caricatas, levam a história de uma equipe que vai gravar um comercial de perfume num prédio do centro da capital paulista, o Edifício das Américas. Um elevador quebrado transforma o sábado num caos, onde o convívio forçado de pessoas de mundos diferentes gera as situações mais improváveis.

Improvável também é o elenco que junta atores como Otávio Augusto e Maria Padilha e Giulia Gam a Tom Zé e Jô Soares. Vinicius de Moraes já dizia que tudo pode acontecer “porque hoje é sábado” (no poema O Dia da Criação) e o filme de Giorgetti mostra isso da maneira mais competente e engraçada, ainda que por vezes trágica. Vale muitíssimo a pena correr na locadora.

SÁBADO
Direção: Ugo Giorgetti
Brasil, 1995

Sala Escura: HISTÓRIAS DE AMOR DURAM APENAS 90 MINUTOS

HISTÓRIAS DE AMOR... começa com todo o gás, tem diálogos ótimos e Caio Blat e Maria Ribeiro convencem em seus papéis. O primeiro longa de Paulo Halm (roteirista parceiro da diretora Sandra Werneck em excelentes trabalhos como Pequeno Dicionário Amoroso, Amores Possíveis e o recente Sonhos Roubados) coloca numa vitrine uma juventude contemporânea, com seu descompromisso, seu jeito meio vai-levando de encarar a vida. E suas inseguranças e inabilidade para concretizar seus projetos. Zeca (Caio Blat) não consegue levar adiante seu livro – apesar do apoio da mulher e do pai – e ainda se envolve com uma amiga dela (Luz Cipriota, que soa meio caricatural no seu papel de garota descolada e mais parece parte da paisagem da Lapa).

Mas o filme não segura a onda, não mantém a qualidade, o pique, do meio pra frente. Quando o espectador já está cativado, ele se perde, ficando repetitivo e previsível. Ponto positivo: é cinema brasileiro sem aquela cara de novela da Globo. O melhor do filme está nos diálogos do protagonista com seu amargurado mas antenado pai (Daniel Dantas, excelente) e a gente fica achando que aquela história poderia ter durado menos do que os 90 minutos de projeção do filme.

HISTÓRIAS DE AMOR DURAM APENAS 90 MINUTOS
Direção: Paulo Halm
Brasil, 2010
Duração: 93min – 16 anos

Sala escura: UM HOMEM SÉRIO e ABRAÇOS PARTIDOS

Os irmãos Coen já nos deram filmes memoráveis, como FARGO ( 1996) e O HOMEM QUE NÃO ESTAVA LÁ (2001), mas sua última criação, UM HOMEM SÉRIO ( 2009) passa batido. As armadilhas do destino que pegam pelo pé – e pelo bolso – um pacato professor de Física podem até surtir algum efeito isoladamente, mas no fechar da conta o resultado é, se não frustrante, mas no mínimo insatisfatório.


Tudo, bem. Ninguém é genial o tempo todo. Ou, nem é o caso. Há também que se tentarem outras possibilidades. Vide o último Almodóvar – ABRAÇOS PARTIDOS (2009) – que persiste por um tempo na memória mais pelas atuações e costumeira exuberância visual dos filmes do diretor espanhol. E só. É um filme correto, para ser degustado durante suas mais de 2 horas (podia ser mais curto), mas não gruda na sua mente como FALE COM ELA (2002). A trama envolvendo um cineasta que perdeu a visão tem suas surpresas, mas se torna em certos momentos cansativa.


Vale a pena pegar na locadora ou assistir a estes filmes numa eventual mostra que os inclua? Sim, claro. Não como prioridade, mas a dupla Coen e Almodóvar sempre nos dão prazer em ir ao cinema, ainda que o deleite propiciado por suas cenas não se estenda para fora da sala de exibição ou perdure por muito tempo após os créditos finais. Mas isso não é nenhum pecado mortal.

UM HOMEM SÉRIO (A serious man)
Direção: Joel e Ethan Coen
EUA/Reino Unido/França, 2009
Duração: 1h45 – 12 anos

ABRAÇOS PARTIDOS (Los abrazos rotos)
Direção: Pedro Almodóvar
Espanha, 2009
Duração: 2h09 – 14 anos


segunda-feira, 1 de março de 2010

Sala Escura - ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

ENXERGANDO ATRAVÉS DAS TRAGÉDIAS

Terremoto no Haiti, terremoto no Chile. Como cenas de um filme, as imagens da destruição vão passando sob nossos olhos, na TV, nos jornais, na internet. Fotografias, vídeos, relatos por telefone.

Somos levados a pensar que somos eternos, senão, para que consumir tudo que a publicidade nos empurra diariamente? Para que ter mais pares de sapatos do que dias no mês? Para que trocar de carro ou celular periodicamente? Para que assumir dívidas infindáveis, pagar juros altíssimos, para ter, e ter, e ter? Para que passar horas na academia, muito além do necessário para ter um corpo saudável e atraente, a fim de desenvolver bíceps, enrijecer coxas e glúteos a ponto do corpo tornar-se um amontoado de músculos que saltam sob a pele e transformam pessoas em bonecos produzidos em série?

Um tremor de alguns segundos ou minutos e tudo se esvai. Perde-se o chão, literalmente. Como bem disse a escritora Ana Maria Machado em entrevista a um jornal da TV Globo (ela está no Chile para um congresso de literatura infanto-juvenil), a referência que temos de segurança é a terra firme. Quando esta terra deixa de ser firme é a total sensação de nossa pequenez, nos sentimos um nada.

As pessoas hoje não se olham, nos atropelam nas calçadas, como se fossemos invisíveis. Há uma pressa, sabe-se lá para chegar aonde. E quando acontece uma catástrofe assim? Como elas reagirão? Há os que se aproveitam do caos para pilhar, saquear, estuprar. Mas certamente há os que se compreendem que terão sim de olhar para quem está a seu lado. Provavelmente falarão com pessoas a quem jamais dirigiriam uma palavra, um bom-dia... terão de dar as mãos, de se organizar e solidarizar para resistir e reconstruir suas casas, seu bairro, sua cidade, seu país. Suas vidas.

O filme Ensaio sobre a Cegueira, adaptação do livro do português Nobel de Literatura José Saramago, escrito em 1995, traz estas reflexões. Um filme sobre catástrofe, que não enfoca prédios ruindo, tsunamis, mas as transformações pelas quais passam pessoas que perdem subitamente seu referencial, seu chão. Uma narrativa que causa desconforto – o próprio Saramago disse que sofreu ao escrever a obra – ao expor uma sociedade com suas misérias e grandezas, com personagens que vêm na tragédia uma chance de dominar, seja pela força bruta seja pelo autoritarismo e desinformação, e outras que descobrem valores como confiança, humildade, solidariedade, há tempos esquecidos. Não por acaso não há indicação – seja por paisagens ou língua escrita – de onde se passa a trama. Um painel da história da Humanidade, onde através dos séculos a tecnologia parece apenas mudar o cenário de batalhas eternas, dentro e fora de nós.

Dica: Não deixe de ver, no DVD, os Extras sobre a preparação dos atores. É outro filme, que nos faz – sem trocadilho – enxergar melhor o filme propriamente. Este tem seus altos e baixos e poderia ser encurtado nuns 20 minutos sem prejuízo da qualidade estética e dramatúrgica e do recado que pretende passar. Atenção também para a música do grupo mineiro UAKTI.

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA (Blindness) – 2008 – 120min
Diretor: Fernando Meirelles
Roteiro: Don Mckellar
Estúdios: O2 Filmes / Rhombus Media / Bee Vine Pictures
Site oficial: http://www.ensaiosobreacegueirafilme.com.br/

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

EXISTE UM JARDIM SOBRE O ATERRO



É comum a gente não olhar com a devida atenção para o que está próximo, fixando nosso olhar – exterior e interior – em pontos mais longínquos. Assim acontece com muitos cariocas que não conhecem (nem desfrutam) de ótimos passeios em sua cidade. Somos ágeis ao defender nosso posto de Cidade Maravilhosa, a mais linda do mundo, mas relaxamos na busca do encontro com muitas de suas maravilhas, especialmente as menos óbvias.


Essa conversa toda é pra falar do Parque do Flamengo. Que ele é lindo e um presente à cidade – numa prova de que crescimento urbano não precisa ser uma agressão à paisagem – eu já sabia há tempos, certeza comprovada durante minhas pedaladas matinais. Existe um jardim sobre o Aterro. E que jardim! E eu que achava que o conhecia bem fui surpreendida – felizmente! – durante o passeio que uma associação de guias de turismo promove no Parque, em carros elétricos. Num percurso de cerca de 1h20m um simpático guia vai conduzindo nosso olhar, nos permitindo ver belezas e detalhes que nos escapam, ainda que passemos por lá centenas de vezes. Das árvores às construções, como o Museu de Arte Moderna (MAM), tudo nos é mostrado sob uma ótica nova.

O carrinho percorre a ciclovia, saindo da altura da passagem subterrânea em frente à Rua Dois de Dezembro. O trajeto vai do Monumento a Estácio de Sá, na altura do Morro da Viúva, ao MAM, com passagem pelo Monumento dos Pracinhas. Você sabia que no Parque há 190 diferentes espécies de plantas, vindas de diferentes países, como Madagascar, Porto Rico, México, entre outros? E que entre as aves que vemos “pastando” na grama está o pombo brasileiro, também conhecido como Asa Branca? Pois nem eu. E ainda descobri que a minha querida árvore-mãe, generosa e soberana no Parque, cuja foto enfeita este blog, é um Tamboril. Vale a pena conferir.

Serviço:
Parque do Flamengo
Passeio turístico guiado em carro elétrico
sábados, domingos e feriados, das 9 às 17h
Preço; 8,00 (passeio completo) – 5,00 (parcial)
tel: (21) 3215.6136 – (21) 8887.3755 (Lydia)

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Sala escura: O FIM DA ESCURIDÃO

TIROS E MÚSCULOS + NEURÔNIOS E ÉTICA

Comecei a escrever estes comentários antes de ler sobre a série que deu origem ao longa. Mas vejo que minhas impressões estavam certas. “Edge of Darkness” (que a meu ver ficaria mais bem traduzido por Fronteira da Escuridão) tem uma trajetória respeitável e há muito mais no filme do que pancadaria e sede de vingança.

Os fãs dos filmes de ação não terão do que reclamar. O cardápio tem lutas corporais, perseguições, muitos tiros e muito sangue. Mas o filme de Martin Campbell não se resume a isso. Tem também ameaça terrorista, armas nucleares, ecologia. O roteiro (de Andrew Bovell e William Monahan) muito bem estruturado prende o espectador nas quase duas horas de projeção. E Mel Gibson (que envelhece com dignidade e charme) encarna com profunda sinceridade o pai amargurado e enfurecido pelo assassinato de sua única filha, uma jovem engenheira nuclear.

A trama da premiada minissérie britânica exibida na TV em 1985 (ambientada na Inglaterra e em tempos de Guerra Fria) foi habilmente transportada para Boston (Massachusetts) neste começo de século XXI, onde mais do que nunca, nem tudo é o que parece. Por um momento tem-se a impressão de que a história vai esculhambar o politicamente correto ao criticar a organização ambientalista Nightflower (uma Greenpeace fictícia), mas na verdade Campbell não toma partido, ele detona todo mundo, desenrolando um intrincado novelo de corrupção capaz de fazer corar nossos senadores. Sobra a ética que deveria reger políticos, policiais, ambientalistas, cidadãos enfim.

Destaque para Jay Winstone em atuação contida mas marcante, como o misterioso Jedburgh, um, digamos, especialista em confundir opinião pública e imprensa. Como dizem eles, o importante é criar várias versões de modo que cada um tenha a sua e ninguém chegue à verdade. Lembrei-me em algum momento da Nikita (versão original francesa, de Luc Besson, 1990, não o remake americano), não por semelhanças entre as personagens das jovens, mas pela apropriação por parte do Estado de métodos que as leis por ele mesmo concebidas condenam. Tudo é questão de conveniência. E uma palavra pode responder a todas as perguntas: Confidencial (classified).

Mais de uma vez o detetive Craven (Gibson) questiona os colegas que garantem uma investigação a fundo por envolver um policial (“officer envolved”), no caso o pai da vítima. E ele pergunta: não deveriam todas as investigações ser assim? Pergunta que cabe bem na realidade do Rio de Janeiro com sua guerra particular.

A delicada relação de amor entre pai e filha e a percepção de que às vezes se conhece alguém melhor depois de sua morte, dão ao filme uma sutileza docemente amarga. A expressão “sangue do meu sangue” é convertida em imagens, sem apelar para o dramalhão fácil. Gibson veste a couraça do policial durão que busca justiça, mas sob ela sobressai a pele do pai amoroso e do cidadão que acredita em valores já meio desbotados nessa época em que aparências importam mais do que a verdade.


O FIM DA ESCURIDÃO (Edge of Darkness)
Martin Campbell, Reino Unido/EUA, 2010
Duração: 1h48 – Classificação: 14 anos
Trailer em:
http://www.imagemfilmes.com.br/imagemfilmes/principal/filme.aspx?filme=103102

DOWNLOAD DE DOCUMENTÁRIOS


Recebo e-mail do documentarista Guillermo Planel comunicando que está disponibilizando seus filmes “Abaixando a Máquina” e “Imagens do Jongo” para download, gratuitamente.
Segundo ele, os filmes estão sendo vendidos pela internet, através de sites de Torrents, para pagamento com cartão de crédito, de forma não autorizada. Sendo assim, Guillermo e seus parceiros decidiram colocar os filmes, originais e legendados, no eMule. Quem não tem o programa, é só baixá-lo e procurar pelo nome dos filmes, fazendo a seguir o download. Ele avisa ainda que “por enquanto não se corre o risco de ter algum vírus junto, pois os arquivos estão disponíveis diretamente do meu computador. Futuramente talvez, mas nada que um antivírus residente não resolva”.

Abaixando a máquina: Ética e Dor no Fotojornalismo (Guillermo Planel e Renato de Paula, 2008, 65min) é um comovente documentário, já exibido em festivais no Brasil e no exterior, que mostra a difícil missão de fotógrafos de jornais cariocas para recolher imagens numa cidade onde a violência é cotidiana. E revela que atrás de cada lente, há um ser humano comprometido com a ética e que também sofre para levar informação confiável à sociedade. Na foto, a face de dor de uma mãe clicada por Marcos Tristão.

Imagens do Jongo (direção de Planel, argumento de Domingos Peixoto, 2009) é um delicado registro dessa manifestação com dança e música da cultura africana que permanece, resiste, no quilombo de São José da Serra, na região de Valença, sul do Estado do Rio de Janeiro. Foto de Severino Silva.

Bonito gesto de generosidade dos realizadores dos dois filmes.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Sala Escura: AVATAR


EU QUERO IR PRA PANDORA

O filme de James Cameron, que está lotando boa parte das salas no Brasil, chega como a obra que inaugura outro jeito de fazer cinema. E o que mais se tem falado sobre ele tem a ver com a tecnologia que transforma o assistir ao filme numa viagem.

Como já disse a crítica, AVATAR traz uma história pra lá de conhecida – o jovem guerreiro que muda de lado ao se apaixonar e ao conhecer as reais intenções e métodos de seus superiores– mas traduzida em imagens que casam com uma palavra: deslumbramento.

Acredito que Cameron, com esse épico, marca sim a história do cinema (esse senhor que já passou dos 100 anos, mas sempre renovado). O que de modo algum significa que seu cinema seja melhor do que o dos grandes diretores, como Martin Scorsese, os irmãos Coen, Federico Fellini, Clint Eastwood, Walter Salles, entre tantos outros, mais ou menos incensados e premiados. O mérito maior de Cameron é usar os espertíssimos efeitos visuais não para escamotear a precariedade ou obviedade do roteiro – que de fato não é exatamente um primor – mas para que transmitam o sentido de sua história banal. Banal mas necessária, como o ar e a água.

O próprio diretor já declarou que foi divertido ver as pessoas comentando o filme, antes mesmo do lançamento, mas se deu conta de que falavam apenas do superficial. Ele espera que, ao verem o filme, as pessoas percebam que há muito mais para se falar. A tecnologia a serviço da criatividade e da emoção é uma fórmula que tem contribuído para que o cinema se consolide como a sétima arte, desde o surgimento de câmeras mais leves que deixaram o tripé e foram para as mãos, dando mobilidade aos cineastas. Junte-se aí a animação e a computação gráfica.

Exageros e estereótipos à parte – como um comandante de frios olhos azuis, mau como um pica-pau – Cameron cria uma história (que provavelmente terá continuidade com Avatar 2, 3...) que remete à conquista das Américas, ao massacre de povos cujo poder não está no aparato bélico, mas na sabedoria ancestral e na conexão com elementos da natureza. Seu povo Na’vi tem traços de índios norte-americanos, com suas longas tranças; suas cavalgadas nos lembram antigos westerns. A heroína Neytiri tem um quê da Pocahontas de “O Novo Mundo”, de Terrence Malick.

AVATAR fala da destruição da memória (“abrir um buraco na memória deles”, diz o malvado), e o diretor sabe do que está falando. Memória, onde se ancora a força de qualquer povo e por isso é o alvo dos conquistadores, usem eles armas de fogo ou estratégias publicitárias e mercadológicas.

Memória. Talvez seja este – ainda que não percebido por grande parte do público – o grande lance de AVATAR. Memória para nos conectar com o homem que é parte de um sistema onde tudo está integrado. Definitivamente, eu, que tenho a “minha” árvore-mãe no Parque do Flamengo, voltarei à sala 3D do Arteplex Botafogo para, da poltrona, mergulhar na deslumbrante floresta de Pandora.


AVATAR (Avatar)
Direção: James Cameron
EUA, 2009 – duração: 2h48 – 12 anos

domingo, 17 de janeiro de 2010

FILHOS DO BRASIL, FILHOS DO MUNDO (II)

E volto ao Haiti, de onde chegam relatos e imagens que superam a ficção, qualquer filme-catástrofe. A destruição que mais me agride não é a dos prédios, é a da própria espécie humana. Não falo do físico, mas da essência humana. Vemos seres que, pelo descaso secular, pela ignorância, pela total falta de direção, de conhecimento, de instrução, de amor, de amparo, de perspectiva, de segurança, se embrutecem, tornam-se feras.


O bem e o mal estão em toda parte: gente que cria e une, gente que destrói e separa; gente que ama e doa, gente que inveja, odeia e explora o outro. No meio do caos, de saques, estupros, mãos generosas, de estrangeiros e dos próprios haitianos, tentam salvar pessoas, tentam salvar nossa humanidade.


Em 2006 os diretores Caito Ortiz e João Dornelas lançaram um documentário sobre o jogo amistoso da seleção brasileira com um time local, no Haiti, em 2004. O filme, como costuma acontecer com os lançamentos nacionais, ficou pouco tempo em cartaz, não teve grande destaque na mídia, pouca gente viu. Nele, além de registrar a euforia com os campeões do mundo, havia espaço para reflexão, para análise crítica do acontecimento no contexto da situação do país caribenho.



A revista Brasileiros (excelente) traz matéria e fotos do repórter Victor Ferreira, que esteve no Haiti a convite de uma comitiva do Ministério da Defesa brasileiro. A edição é a de agosto/2009, mas algumas passagens parecem de agora. Ele conta:



Consegui escapar das atividades oficiais e ir ver de perto a vida em Cité Soleil. [...] A viagem começou, de verdade, nesse momento. [...] Dos oito militares, sete tinham um fuzil nas mãos. Eu também tinha o meu – a máquina fotográfica. Ainda no caminho para Cité Soleil, descobri que ela podia machucar mais que um fuzil de verdade. Decidi, então, só fotografar quem pedisse ou permitisse”.
“O esgoto reinava insolente em grandes valetas a céu aberto, correndo ao lado das ruas, ora asfaltadas, ora de terra com pedregulhos – o que restou de casas e muros destruídos. Em uma avenida ocupada pelo comércio informal, a grande atividade econômica do Haiti, via-se muitos buracos no chão e nas paredes das residências, resultado da guerra entre gangues e exércitos paramilitares”.




Ele fala da visita ao Centro de Nutrição e Saúde mantido por irmãs de caridade e que acolhe crianças: “Irmã Dulcimar (uma brasileira, nordestina, que vive lá há oito anos) conta que muitas mães ali não sabem sequer quem é o pai de seus filhos. São mulheres, às vezes meninas, que tiveram seus filhos entre 14 e 20 anos. A maioria fruto de abuso sexual. ‘Elas não têm culpa, nunca quiseram o bebê. Então nós temos de ensinar tudo. Até a amar a criança’”.


Dulcimar vivia em Cité Solei quando o presidente Jean-Bertrand Aristide foi deposto, em 2004, havendo então a intervenção externa da ONU. Ela conta ao repórter que “antes era dia e noite aquele barulho de tiro. De manhã, sempre tinha gente morta pelas ruas. Hoje melhorou bastante”. E diz ao jornalista que o Brasil é o grande responsável pela mudança. O país é o que mais contribuiu com a força-tarefa da ONU para estabilizar o Haiti.

Será que a irmã Dulcimar sobreviveu? Será que aquelas jovens mães chegaram a aprender a amar seus filhos? Ou estão todos sob os escombros?

FILHOS DO BRASIL, FILHOS DO MUNDO (I)


Assisti no dia 13, numa sala meio vazia (ou meio cheia), ao filme do Fábio Barreto, “Lula, o filho do Brasil”, baseado no livro de Denise Paraná. Tendo lido várias coisas a respeito, contra e a favor, e fazendo um balanço, destaco comentários do jornalista do Recife, Urariano Mota, divulgados na lista Cinemabrasil:

“Essa é uma obra que a gente vê com algumas idéias prévias, porque nunca, na história, se falou tão mal de um filme. Nos jornais, na tevê, nas revistas, antes da estréia o filme que não conhecíamos era propaganda eleitoral, vigarice, com uso desonesto da máquina pública. Hoje, nos jornais, o filme mudou para a categoria de obra medíocre, indigna de ser vista. [...]. Sabemos todos quanto os meios de comunicação prezam a inteligência e sensibilidade humana”.

“Os olhos mais críticos já fizeram a justa observação de que o filme é desprovido de ritmo ou tensão dramática. Ou seja, nele não há um conflito básico [...]. Nem mesmo, o que seria propaganda pura, mas dentro da "gloriosa" tradição de Hollywood, o herói sozinho contra o resto do mundo, o self-made-man típico, que se faz só”.

“[...] Os recursos com que a literatura conta não sobrevivem na cirurgia da montagem. Pior, a escolha nem sempre é a mais sensível, onde cortar, onde avultar, onde crescer. Lula, o personagem, sabemos todos, é maior que o PT, é bem maior que o sindicalismo, porque ele vem com a força da história, como uma encarnação da força que o povo tem. Dos muitos severinos, joões, marias e lindus".
Concordo. Não temos um filme primoroso, daqueles que deixam a gente meio que suspensa no ar ao sairmos do cinema. Nos primeiros 30 minutos achei até meio fragmentado demais, sem ritmo, como páginas de um livro que fossem sendo filmadas, sem uma costura adequada à transposição ao cinema. O que não quer dizer que as imagens não sejam de grande qualidade, esteticamente é um belo filme. Mas, gradativamente, ele passa a fluir melhor. E o que importa mesmo é saber que o que vemos na tela é o Brasil, um Brasil que nem sempre consegue mostrar sua cara. E saber onde aquele moleque chegou, com seus erros e acertos. E mais, pensar em quantos “lulas” enfrentam as mesmas privações, carências, violências. E aí está o diferencial desse Lula: dona Lindu. Lula inegavelmente tem seu mérito, mas ele não teria chegado lá sem a sabedoria de sua mãe, de poucas mas precisas palavras. Acredito que não há mãe que não se emocione com dona Lindu.

Enquanto escrevia este texto, veio o soco na boca do estômago, as imagens do Haiti. E me peguei pensando nos quantos “lulas” que existem (ou existiam) também lá, na miséria que há séculos domina aquele pequeno país, para o qual o mundo agora volta os olhos, porque a destruição foi tal que é impossível ignorar. E penso na médica Zilda Arns, fundadora da Pastoral da Criança, morta no terremoto. E volto à dona Lindu. Se tivesse tido acesso aos estudos, quem sabe não seria ela uma colega da Dra. Zilda?

E o pensamento vai fluindo, vagando pelos migrantes que deixam sua terra, pela brutalidade fruto da ignorância, pelas pessoas que, de tanto teimar (como ensina d.Lindu), conseguem alcançar seu objetivo. E de como a arte - no caso, o cinema – pode ter um papel fundamental: além de entreter e informar, ele pode nos lembrar de nossa própria realidade, frequentemente sufocada sob o ruído das buzinas, dos toques do celular, de tantos sons e imagens com que nos bombardeiam diariamente.