sábado, 5 de setembro de 2015

NÁUFRAGOS



Visitei a exposição “Picasso e a Modernidade Espanhola”, no CCBB-Rio, logo nos primeiros dias. Nas exposições, passeio pelas salas e corredores esperando ser capturada. E algumas das obras que mais me tocaram naquela mostra não eram do famoso pintor andaluz.


Uma delas foi a tela “Náufragos”, do também espanhol Aurelio Arteta (1879-1940), pintada no começo dos anos 1930.


Um crítico de arte faria comentários e observações muito mais pertinentes do que os meus. Poderia discorrer sobre detalhes que me escapam, sobre escolas de arte, referências, influências, datas e nomes, luzes e sombras.
  

Mas meus olhos amadores e descompromissados também enxergam além da tinta, do suporte, da moldura. O frio, o medo, o abandono, está tudo ali, nas cores pálidas, nas formas angulosas. Os pés do homem à frente se prendem à terra, firme e, talvez, salvadora. Mas também se encrespam, como se não soubessem para onde ir, onde buscar refúgio. Uma cena que me comoveu profundamente, mais do que eu poderia supor.


A imagem que marcou nossa semana neste começo de setembro – imagem tão insuportável que, ao vê-la pela primeira vez, duvidei que fosse algo real – me trouxe à lembrança aquela obra.  Não faço ideia do que levou Arteta a pintar esses homens, perdidos em algum lugar, 80 anos atrás.


Os deslocamentos migratórios acompanham os homens desde seu aparecimento, como tal, neste planeta. Forçados por condições climáticas, guerras, disputas, ameaças de predadores, ou em busca de algo novo, de natureza material ou não. Hoje, a mídia nos diz que desde a 2ª Guerra não havia um fluxo tão intenso como agora. São milhares de pessoas buscando uma terra onde firmar os pés, pousar a cabeça, plantar seus sonhos.


Não se deve julgar a História, já disse alguém, sabiamente. Há tantos tons entre o preto e o branco, entre as verdades, razões e versões de cada um... e cada tempo histórico tem suas particularidades. Mas não julgar não significa ignorar.


O corpo do pequeno Aylan não é o único a chegar às praias do Mediterrâneo, nessa odisséia insana que testemunhamos virtualmente. Mas encarna aquele momento onde se atinge o limite do suportável, o inadmissível, o que nos faz pensar que a experiência da espécie humana sobre a Terra fracassou. 

O homem que carrega o menino tem o corpo curvado, como se levasse nos braços um peso imenso, muito maior do que os poucos quilos de uma criança, quase bebê. Que sentimentos terão atravessado aquele homem? Dor, pena, indiferença? Não sei e não tento adivinhar. Ele também me comove.
 

O frio, o medo, o abandono. A camisa vermelha da criança síria parece gritar que, ou mudamos de rumo, ou seremos todos náufragos, num mar de cegueira, insensatez, falta de compaixão.Fico pensando o que e como pintaria o artista espanhol, hoje, sob o título de “Náufragos”.





FOTO: Site Museo Reina Sofía -