quarta-feira, 26 de setembro de 2018

CRÔNICAS RUSSAS – MOSCOU (5 e final) – Metrô, Bolshoi e adeus à Rússia ao nascer do sol

Estação Maiakovskaia

Com a sensibilidade aguçada pela experiência anterior no Parque da Vitória, fomos com nosso guia conhecer algumas estações do metrô de Moscou. Inaugurado em 1935, o метро (mietrô) tem hoje mais de 200 estações e continua se expandindo. Além de muita beleza, também eficiência: os trens passam em intervalos de pouco mais de um minuto. Algumas escadas rolantes são tão longas que parecem não ter fim e há estações que funcionaram como abrigos antiaéreos durante a guerra. 

Estação Kievskaia







 
Estação Parque da Vitória (Парк Победы)







Divulgação de evento de cinema russo/soviético no vagão do metrô



Imagino que os milhares de passageiros nativos, tão apressados como em qualquer metrópole, não gostem nada das hordas de turistas circulando, fotografando, atrapalhando sua passagem. Nosso passeio pelo metrô foi numa terça-feira, um movimento intenso de gente indo e vindo. Talvez num domingo seja mais tranquilo e se possa admirar com mais calma as muitas belezas das estações. Mas, mesmo em meio a centenas de cabeças, o que pude ver foi só arte.

Estação Praça da Revolução


Esfregar o focinho do cachorro dá sorte, acredita-se.

Estação Bieloruskaia







Estação Maiakosvkaia (Маяковская)




 

Entre 1947 e 1953, Stalin mandou construir sete arranha-céus, as chamadas Sete Irmãs. Um deles - o edifício da Universidade Estatal de Moscou, ou MGU (Московский государственный университет), talvez o mais imponente - pode ser observado em toda sua beleza do mirante Vorobyovy Gory (Воробьёвы горы), onde fizemos uma parada. Algumas curiosidades sobre as Sete Irmãs podem ser conferidas aqui.







Desse mirante vemos também o Estádio Lujniki (Лужники), ex-Estádio Central Lênin, construído em 1956 e reformado em 2013. Com capacidade para 81 mil pessoas, o Lujniki viria a ser o palco da abertura, encerramento e vários jogos, inclusive a final, da Copa do Mundo de 2018. Na ocasião desta viagem, não estava aberto à visitação e tive de me conformar em vê-lo à distância.  



Namorando o Lujniki à distância



Durante nossos deslocamentos, ouvimos mais um pouco da história da URSS e da Rússia e fiz mais alguns registros da cidade. Durante o fechado período soviético apenas os judeus podiam deixar a URSS e muitos foram para Israel. Por isso, mais de 30% da população daquele país é de origem russa.

Ainda existem no país moradias coletivas. As pessoas podem comprar, por exemplo, um quarto num apartamento, onde cozinha e banheiro são compartilhados. Muitas famílias possuem casas de veraneio fora da cidade, conhecidas como dátcha (дача). Casas individuais também são comuns no sul do país, onde o clima melhor favorece a agricultura.

A economia russa está assentada especialmente em atividades que envolvem matérias primas, produtos químicos, montadoras (fazem as carrocerias) e, a mais forte, na indústria bélica, como acontece em outros países. Quanto ao transporte, além do super eficiente metrô, vemos em Mocou, tal como em Petersburgo, ônibus elétricos, os trolleybus (троллейбус, fala-se traliêibus). A passagem custa 55 rublos. 






Moscou City e seus arranha-ceús modernos



Sede do Parlamento Russo, a Duma (Государственная Дума)




Evgueni nos contou também sobre o Mosteiro Novodevitch (Новоде́вичий монастыр), onde muitas jovens foram confinadas. Infelizmente estava em restauração e não pudemos visitá-lo. Criado em 1524, entre os séculos XIV e XVII, filhas dos tsares, quando impedidas de se casar, eram mandadas para lá. O Mosteiro era também o destino de esposas rejeitadas, como fez Ivan, o Terrível, que se casou sete vezes. Já está na lista para uma próxima viagem à Rússia.

Outro local que eu adoraria visitar, mas apenas passamos por perto, é a MOSFILM. Fundado em 1923, foi o mais importante estúdio da União Soviética, sobreviveu ao colapso político do país nos anos 1990, e continua produzindo filmes. Mestres do cinema, como Serguei Eisenstein e Andrei Tarkovski, trabalharam neste estúdio. A Rússia/URSS já levou para casa três estatuetas do Oscar, com “Guerra e a Paz” (1967), “Dersu Uzala” (1975) e “Moscou não acredita em lágrimas” (1979). Várias outras produções russas já foram premiadas em festivais internacionais.

Rua Mosfilmovskaya - entrada da MOSFILM

Após nosso passeio pelo metrô, almocei num restaurante tipo self-service, próximo à Praça Vermelha. Não é exatamente um self-service, já que a pessoa não se serve. Você escolhe o que quer no balcão/vitrine e as funcionárias vão colocando no prato. O valor não é por peso, mas por porção, e cada uma tem seu preço. Paguei 503 rublos e até que estava gostoso. Não registrei o nome do local, a fome era devastadora e o tempo, como sempre, curto. E a fila, que achei grande, era até pequena perto da que havia para o wc. Já no aperto, saí caçando uma outra opção no shopping ao lado. Não foi nada fácil, mas consegui enfim. Preço 20 rublos (mais barato que no GUM).

 

Fome aplacada, voltei a me reunir com o grupo e o nosso guia e partimos para o Teatro Bolshoi, ali perto. Atravessei de novo aquela passagem subterrânea que dá acesso a uma estação de metrô. A temperatura estava amena e dava até para abrir o casaco. Bolshoi (Большой – fala-se balshoi) em russo significa grande. Na mesma praça está o teatro малын, de маленький (málinki = pequeno).

 





Teatro малын

 O Teatro Bolshoi foi fundado em 1776, mas apenas em 1780 passou a ter seu próprio prédio. Destruído por incêndios, o edifício que vemos hoje já é a terceira reconstrução, datando do século XIX (1825).  Belíssimo por dentro e por fora, nossa visita ficou prejudicada, pois estavam fazendo um teste de luz no teatro. Palco, plateia, balcões, galerias, tudo estava escuro (veja fotos neste site). Em compensação, subimos até o topo onde fica um salão com um palco e cadeiras para um pequeno público, local de ensaio dos artistas. Ali, em silêncio, assistimos a um espetáculo solo. Proibido fotografar, claro. A professora corrigia a bailarina, erros completamente imperceptíveis para nós pobres mortais. Técnica e beleza em grau extremo.   

 




















  
Exposição de figurinos usados em espetáculos do Bolshoi

De volta ao hotel, final do dia, últimas horas em Moscou, já que teremos de sair ainda de madrugada para o aeroporto Domodedovo (Домодедово), a 50 km do centro da capital russa. Já sabendo que não ia conseguir dormir, preocupada em fechar a mala e com o horário de saída do hotel, me conformei em não ir muito longe. Dei apenas uma breve caminhada na Tverskaia para o lado oposto ao da Praça Vermelha, a fim de conferir o monumento a Maiakovski. O poeta fica numa praça onde há quatro teatros. Aliás, a cidade tem 70 teatros e há vários quiosques na rua onde se podem comprar ingressos. 
Estátua do poeta Maiakovski(Маяковский)



Hora de comer de novo, recorri ao Starbucks próximo ao hotel. Imaginei que ali os atendentes falavam inglês. Doce ilusão. Mas consegui tomar um café com croissant e, com algum esforço meu e da atendente, levar o tradicional lanche da noite: um sanduíche e um suco. Total: 885 rublos.

Impossível deitar e dormir sabendo que tinha de entregar a mala às 2 da madrugada e sair do hotel às 3h. Triste por ir embora, sonolenta e com aquela usual TPA (tensão pré-aeroporto), fui no ônibus até o Domodedovo sem pregar o olho e mal consegui comer alguma coisa do lanche (um tanto estranho, tinha até laranja com casca) que o hotel nos forneceu.

Enfim, despachadas as malas (só iria pegá-las no Rio, 24 horas depois), passei sem problemas pela imigração e pelo “scanner” que, imagino, deve ver até sua alma. Fui logo levantando os braços, como vira as outras pessoas fazerem, e a policial até sorriu pra mim. Ainda não tinha passado por esse tubo – que parece uma máquina de teletransporte – em nenhum outro aeroporto. Tranquilo. E ver o nascer do sol da despedida foi um alento ao sono e à saudade que já se antecipava. 


Vendo o dia nascer no aeroporto Domodedovo (Домодедово)

O tédio da espera foi quebrado quando encontrei num quiosque o Zabivaka (Забивака) e o Cheburashca (Чебурашка), fofuras de pelúcia que trouxe comigo (me custaram 50 dólares, mas era a despedida e eu fiquei feliz por ter a companhia deles). Viajei ao lado de duas simpáticas senhoras russas e nossas tentativas de comunicação não surtiram muito efeito, mas rolou um clima de mútua simpatia e, já desembarcadas, conseguimos nos desejar felicidades. Durante o voo, passamos sobre cinco países europeus, o primeiro deles, Bielorrússia ou Belarus (Беларусь), ex-república da URSS.




  As longas horas de espera no aeroporto de Lisboa (e com duas horas a menos que Moscou) não foram nada fáceis e não pretendo repetir a experiência. O voo para o Brasil era só à noite, mas eu havia optado por não pernoitar na capital lusitana, evitando o deslocamento aeroporto-hotel-aeroporto, e com as malas. Peguei o metrô e fui para o Shopping Vasco da Gama almoçar e passar o tempo, mas o sono era feroz. A vantagem foi que dormi quase todas as 10 horas de voo de volta. 

Meu corpo desembarcou no Rio como se tivesse feito uma viagem interplanetária. E a alma, bem essa ainda ficou por um bom tempo flanando pelas  улицы (úlitsi = ruas) da grande Rússia. 
Passaporte carimbado: 14/09/17 entrada na Rússia ( Россия) por São Petersburgo, 20/09/17 saída pelo Domodedovo