sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Sala Escura: AS PALAVRAS



 A sequência inicial mostra a lombada do livro “The Words” sobre uma mesa, acompanhando em seguida o autor Clay Hammond (Dennis Quaid) rumo a uma cerimônia em sua homenagem, onde faz a leitura de trechos do livro.

Somos então transportados para a história de outro escritor. O livro de Hammond, sucesso de público e crítica, narra a história do jovem escritor Rory Jansen (Bradley Cooper) que, após amargar muitas recusas de editoras, encontra seu lugar ao sol (leia-se, a lista dos mais vendidos) ao publicar, como seu, o romance “The window tears”. Hesitando entre honestidade e ambição, Jansen apresenta ao editor um romance de “sua” autoria, cujos originais, na verdade, havia encontrado numa velha pasta, comprada num antiquário em Paris e que já pertencera ao verdadeiro autor (Jeremy Irons).

Muitas vezes vimos o filme dentro do filme. Aqui temos o livro dentro do livro. Interessante a proposta dos realizadores, mas os diretores/roteiristas Brian Klugman e Lee Sternthal não tiveram total habilidade para conduzir sua história por um caminho naturalmente cheio de armadilhas. O excesso de narrativas vai gradativamente esvaziando a tensão latente na história do escritor Rory Jansen, sem dúvida, fascinante. Falta aquela pulsação que mantém o interesse do espectador com as frequentes idas e vindas do roteiro e sem dar maior densidade aos personagens.

Afinal, que história estamos acompanhando? “The window tears” (o livro achado na bolsa do antiquário) ou “The words”? Seria Jansen o próprio Hammond?

Além da questão da autoria, tema de muita discussão e estudos atualmente, há outras questões mais sutis. Quem está mentindo para quem? Dora (Zoe Saldana) acreditou ou quis acreditar que Jansen era o autor do livro? Existem histórias novas ou todas são repetidas? Qual a fronteira entre literatura e a vida? O autor corre o risco de se perder ao cruzar estas fronteiras?
 
Algumas citações que permeiam o filme plantam curiosidade, geram reflexões. O que pensar de um escritor que diz que “as palavras estragam tudo”? Concordamos ou não com o velho e anônimo autor quando diz a Rory Jansen que, ao roubar suas palavras, assumia também a dor que existe por detrás delas? Talvez outra citação - Artistas, criadores, levantam questões, mas não têm respostas – seja uma resposta possível.

Olhando da perspectiva de literatura e consumo, somos levados a pensar sobre os caminhos que levam à fama e à respeitabilidade e o que move o mercado editorial. Nesses tempos de vários tons de cinza, uma reflexão oportuna.

Destaque para Jeremy Irons, transitando com competência da dor, à ironia, à raiva, à indiferença, à amargura.

Para concluir, acrescento aqui um trecho bíblico que, por mero acaso, cruzou meu caminho estes dias: “A língua também é um fogo; como mundo de iniqüidade, a língua está posta entre os nossos membros, e contamina todo o corpo, e inflama o curso da natureza, e é inflamada pelo inferno.” (Tiago 3:6). 

Pelo que se vê em “As palavras”, a língua escrita pode levar tanto ao céu como ao inferno.


AS PALAVRAS (The Words)
Direção e roteiro: Brian Klugman e Lee Sternthal
(EUA, 2012, 102 min)





segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Sala Escura: ROTA IRLANDESA



Ken Loach é um cineasta necessário. Seus filmes não raro cumprem um papel que devia ser da mídia. Se o cinema nos abstrai da realidade, o de Ken Loach nos joga de encontro a ela, às vezes com mais, às vezes com menos força, (como em À procura de Eric, 2009). Mas sempre com propriedade.

 “Rota Irlandesa”, tal como “Kes” (1969) é daqueles primeiros: coloca o dedo na ferida sem pena. À narrativa ficcional, Loach junta imagens de arquivo, cenas documentais da guerra no Iraque. Expõe vísceras como expõe os obscuros, fétidos, insalubres labirintos por onde transitam as decisões que instauram e alimentam as guerras.

Muitos filmes já mostraram como homens que viveram dentro da guerra, caso do nosso personagem Fergus (o excelente Mark Womack), carregam a guerra dentro de si, mesmo quando retornam ao lar. E Fergus, além da dificuldade de conviver com suas lembranças, defronta-se com a morte do melhor amigo, em condições suspeitíssimas. Na busca da verdade e da justiça que crê possível, ele se confrontará com as próprias escolhas que havia feito e que o levaram a, após deixar o exército, engajar-se nas milícias que prestam serviço de segurança aos figurões que transitam pelo cenário da guerra.

O cinema de Loach nos prende na cadeira não por arroubos estéticos, imagens elaboradas. O diretor inglês é econômico, mas preciso, certeiro na escolha do que coloca na tela. Sem meias palavras, Loach escancara os interesses econômicos e políticos que destroçam corpos e mentes e mantêm o sangue escorrendo pelas ruas de cidades como Bagdá.

ROTA IRLANDESA (Route Irish)
Direção: Ken Loach
Roteiro: Paul Laverty
(Reino Unido/França/Bélgica/Itália, 2010 , 109min)


           http://www.tumblr.com/tagged/route-irish



PS: Depois de escrever este texto, li no jornal O Globo da última sexta-feira, 02/11, a matéria do jornalista Rasheed Abou-Alsamh, intitulada “A guerra secreta, via computadores”, sobre a disseminação de vírus em redes estratégicas e até o assassinato de cientistas iranianos.

No portal G1 a matéria não está mais disponível, encontrei no Luis Nassif:
http://www.advivo.com.br/blog/francisco-nixon-frota/a-guerra-secreta-via-computadores