segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

A LAMA QUE ESCORRE APAGANDO A POESIA

Parque Estadual da Serra do Rola-Moça

Há três anos falávamos de Mariana e do Rio Doce, hoje falamos de Brumadinho e do Rio Paraopeba. E assim vão-se os rios e os dias, correndo... às vezes apenas se arrastando. Pesadamente.

Umas semanas após o desastre de Mariana, em novembro de 2015, aconteceu um atentado terrorista em Paris. Eu, que vivo juntando fatos - e creio firmemente que tudo está entrelaçado neste nosso mundo -, na época, botei em palavras escritas algumas reflexões e compartilhei algumas informações recolhidas (que você pode conferir aqui).

Fazia eu conexões entre as águas do Rio Doce e o sangue que correu pelo Rio Sena. Entre o minério que sai das Minas Gerais e as armas produzidas no mundo. Entre os crimes que acontecem no cotidiano, endossados por governos e empresas, com o carimbo de “desenvolvimento”, silenciosos (até resultarem em tragédias) e os atentados surpresa, que explodem em ruídos de bombas, tiros, gritos, sirenes.

Creio que, tristemente, ainda estão valendo aquelas palavras, aquela consternação, aquele gosto amargo de revolta e desesperança. Ainda que nos emocionem os atos de coragem e olhemos com gratidão e afeto as imagens daqueles que se dedicam e se arriscam pelo outro.

Barcarena-PA
 Emerge também, neste cenário sombrio, o caso de Barcarena, no Pará. Vazamento de rejeitos tóxicos atingiu vários pontos do município, há um ano, contaminando rios, igarapés, ocasionando danos graves à população e ao meio ambiente. A empresa responsável, a norueguesa Hydro, atua na região desde 2011, quando “adquiriu atividades de bauxita, alumina e alumínio da Vale na região nordeste do Pará, tornando-se proprietária da mina de bauxita em Paragominas, a refinaria de alumina Hydro Alunorte, em Barcarena” (fonte: site da Hydro).


A empresa suspendeu as atividades, mas depois as retomou. Em novembro de 2018, os moradores denunciavam uma série de problemas de saúde, ao Portal Amazônia. E cobravam indenizações.


Voltando a Brumadinho, o município divide com outros três (BH, Nova Lima e Ibirité) os mais de 4 mil hectares do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça, que, tal como o famoso Instituto Inhotim, atrai muitos turistas à região.
 

 


Por que lembrar da Serra do Rola-Moça? Foi o poema de Drummond, que muitos postaram nas redes sociais desde sexta-feira, que me fez buscar lá no fundo da memória outro poema, de Mário de Andrade, no qual o poeta nos conta que “a Serra do Rola-Moça não tinha esse nome não...”.

Poesia é um punhado de palavras com um certo ritmo, que excedem seu significado, palavras ressignificadas. Mas é também um jeito de olhar o mundo (há até um “cinema de poesia”).  

O poeta Caetano, falando da metrópole poluída, descreveu a “feia fumaça que sobe apagando as estrelas” (Sampa). E ela continua subindo das chaminés, queimadas, canos de descarga.

E os rios seguem desaguando sangue. A lama e rejeitos industriais seguem sufocando vidas. De humanos, de seres da fauna e da flora. Apodrecendo a terra. E enxergar a poesia do mundo vai ficando cada vez mais difícil. E, por isso, mais necessário.


Foto manancial:



Prefeitura de Brumadinho: