domingo, 17 de janeiro de 2010

FILHOS DO BRASIL, FILHOS DO MUNDO (I)


Assisti no dia 13, numa sala meio vazia (ou meio cheia), ao filme do Fábio Barreto, “Lula, o filho do Brasil”, baseado no livro de Denise Paraná. Tendo lido várias coisas a respeito, contra e a favor, e fazendo um balanço, destaco comentários do jornalista do Recife, Urariano Mota, divulgados na lista Cinemabrasil:

“Essa é uma obra que a gente vê com algumas idéias prévias, porque nunca, na história, se falou tão mal de um filme. Nos jornais, na tevê, nas revistas, antes da estréia o filme que não conhecíamos era propaganda eleitoral, vigarice, com uso desonesto da máquina pública. Hoje, nos jornais, o filme mudou para a categoria de obra medíocre, indigna de ser vista. [...]. Sabemos todos quanto os meios de comunicação prezam a inteligência e sensibilidade humana”.

“Os olhos mais críticos já fizeram a justa observação de que o filme é desprovido de ritmo ou tensão dramática. Ou seja, nele não há um conflito básico [...]. Nem mesmo, o que seria propaganda pura, mas dentro da "gloriosa" tradição de Hollywood, o herói sozinho contra o resto do mundo, o self-made-man típico, que se faz só”.

“[...] Os recursos com que a literatura conta não sobrevivem na cirurgia da montagem. Pior, a escolha nem sempre é a mais sensível, onde cortar, onde avultar, onde crescer. Lula, o personagem, sabemos todos, é maior que o PT, é bem maior que o sindicalismo, porque ele vem com a força da história, como uma encarnação da força que o povo tem. Dos muitos severinos, joões, marias e lindus".
Concordo. Não temos um filme primoroso, daqueles que deixam a gente meio que suspensa no ar ao sairmos do cinema. Nos primeiros 30 minutos achei até meio fragmentado demais, sem ritmo, como páginas de um livro que fossem sendo filmadas, sem uma costura adequada à transposição ao cinema. O que não quer dizer que as imagens não sejam de grande qualidade, esteticamente é um belo filme. Mas, gradativamente, ele passa a fluir melhor. E o que importa mesmo é saber que o que vemos na tela é o Brasil, um Brasil que nem sempre consegue mostrar sua cara. E saber onde aquele moleque chegou, com seus erros e acertos. E mais, pensar em quantos “lulas” enfrentam as mesmas privações, carências, violências. E aí está o diferencial desse Lula: dona Lindu. Lula inegavelmente tem seu mérito, mas ele não teria chegado lá sem a sabedoria de sua mãe, de poucas mas precisas palavras. Acredito que não há mãe que não se emocione com dona Lindu.

Enquanto escrevia este texto, veio o soco na boca do estômago, as imagens do Haiti. E me peguei pensando nos quantos “lulas” que existem (ou existiam) também lá, na miséria que há séculos domina aquele pequeno país, para o qual o mundo agora volta os olhos, porque a destruição foi tal que é impossível ignorar. E penso na médica Zilda Arns, fundadora da Pastoral da Criança, morta no terremoto. E volto à dona Lindu. Se tivesse tido acesso aos estudos, quem sabe não seria ela uma colega da Dra. Zilda?

E o pensamento vai fluindo, vagando pelos migrantes que deixam sua terra, pela brutalidade fruto da ignorância, pelas pessoas que, de tanto teimar (como ensina d.Lindu), conseguem alcançar seu objetivo. E de como a arte - no caso, o cinema – pode ter um papel fundamental: além de entreter e informar, ele pode nos lembrar de nossa própria realidade, frequentemente sufocada sob o ruído das buzinas, dos toques do celular, de tantos sons e imagens com que nos bombardeiam diariamente.

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