Comecei a escrever estes comentários antes de ler sobre a série que deu origem ao longa. Mas vejo que minhas impressões estavam certas. “Edge of Darkness” (que a meu ver ficaria mais bem traduzido por Fronteira da Escuridão) tem uma trajetória respeitável e há muito mais no filme do que pancadaria e sede de vingança.
Os fãs dos filmes de ação não terão do que reclamar. O cardápio tem lutas corporais, perseguições, muitos tiros e muito sangue. Mas o filme de Martin Campbell não se resume a isso. Tem também ameaça terrorista, armas nucleares, ecologia. O roteiro (de Andrew Bovell e William Monahan) muito bem estruturado prende o espectador nas quase duas horas de projeção. E Mel Gibson (que envelhece com dignidade e charme) encarna com profunda sinceridade o pai amargurado e enfurecido pelo assassinato de sua única filha, uma jovem engenheira nuclear.
A trama da premiada minissérie britânica exibida na TV em 1985 (ambientada na Inglaterra e em tempos de Guerra Fria) foi habilmente transportada para Boston (Massachusetts) neste começo de século XXI, onde mais do que nunca, nem tudo é o que parece. Por um momento tem-se a impressão de que a história vai esculhambar o politicamente correto ao criticar a organização ambientalista Nightflower (uma Greenpeace fictícia), mas na verdade Campbell não toma partido, ele detona todo mundo, desenrolando um intrincado novelo de corrupção capaz de fazer corar nossos senadores. Sobra a ética que deveria reger políticos, policiais, ambientalistas, cidadãos enfim.
Destaque para Jay Winstone em atuação contida mas marcante, como o misterioso Jedburgh, um, digamos, especialista em confundir opinião pública e imprensa. Como dizem eles, o importante é criar várias versões de modo que cada um tenha a sua e ninguém chegue à verdade. Lembrei-me em algum momento da Nikita (versão original francesa, de Luc Besson, 1990, não o remake americano), não por semelhanças entre as personagens das jovens, mas pela apropriação por parte do Estado de métodos que as leis por ele mesmo concebidas condenam. Tudo é questão de conveniência. E uma palavra pode responder a todas as perguntas: Confidencial (classified).
Mais de uma vez o detetive Craven (Gibson) questiona os colegas que garantem uma investigação a fundo por envolver um policial (“officer envolved”), no caso o pai da vítima. E ele pergunta: não deveriam todas as investigações ser assim? Pergunta que cabe bem na realidade do Rio de Janeiro com sua guerra particular.
A delicada relação de amor entre pai e filha e a percepção de que às vezes se conhece alguém melhor depois de sua morte, dão ao filme uma sutileza docemente amarga. A expressão “sangue do meu sangue” é convertida em imagens, sem apelar para o dramalhão fácil. Gibson veste a couraça do policial durão que busca justiça, mas sob ela sobressai a pele do pai amoroso e do cidadão que acredita em valores já meio desbotados nessa época em que aparências importam mais do que a verdade.
O FIM DA ESCURIDÃO (Edge of Darkness)
Martin Campbell, Reino Unido/EUA, 2010
Duração: 1h48 – Classificação: 14 anos
Trailer em:
http://www.imagemfilmes.com.br/imagemfilmes/principal/filme.aspx?filme=103102
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