quinta-feira, 31 de outubro de 2024

DIA MUNDIAL DAS CIDADES

 

Rio de Janeiro-RJ, vista parcial do Centro e cúpula do Theatro Municipal (2017)

Este Dia Mundial das Cidades, diante de tantas delas arrasadas por catástrofes climáticas, guerras, bombardeios, conflitos sociais, devastação, falta de saneamento, poluição da água, solo e ar, além de deslocamentos forçados, é um momento oportuno para se refletir. Em 2024, o foco das Nações Unidas, que tem à frente a brasileira Anacláudia Rossbach como nova diretora executiva da ONU-Habitat,  são os jovens e a necessidade de os governos organizarem debates em busca de soluções sustentáveis para lidar com as mudanças climáticas. Segundo a ONU, até 2030, 60% da população viverão em áreas urbanas e seis em cada 10 moradores terão menos de 18 anos.

 Se olharmos as cidades como organismos vivos, veremos que elas necessitam de cuidados desde seu planejamento, da urbanização adotada, das prioridades estabelecidas. Deve-se levar em conta que ruas, prédios, muros e praças não são apenas concreto, asfalto, pedra. São também elementos que atuam sobre a percepção e o comportamento dos moradores de um centro urbano. A configuração da cidade - como são projetados e utilizados os equipamentos urbanos, se há saneamento básico, transporte, escolas e postos de saúde, áreas de lazer, vias de circulação, como se dá a ocupação e a dinâmica dos espaços, se unem ou separam pessoas - interfere na vida pessoal, na trajetória de cada indivíduo.

 As cidades, historicamente segmentadas, com a escalada das práticas neoliberais, do capitalismo transnacional, da economia calcada em valores abstratos, foram sendo redesenhadas. O espaço urbano tornou-se mercadoria disputadíssima, gerando impactos drásticos sobre a questão da moradia. Como afirma a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, trata-se “não apenas de uma nova política habitacional, mas de um complexo urbanístico, imobiliário e financeiro com impactos profundos no redesenho das cidades e na vida dos cidadãos”. Vemos surgir um novo termo: gentrificação .

 Muitas são as demandas nas metrópoles, especialmente nas dos países emergentes onde as desigualdades são mais explícitas. Ainda que cada demanda deva ser avaliada individualmente, um olhar abrangente sobre todas elas é fundamental. Se, por exemplo, mães não têm uma gravidez saudável, sem acesso a alimentação adequada, a informação quanto a hábitos de higiene e cuidados consigo e com o bebê e acompanhamento médico, há grandes chances de gerarem filhos com problemas de saúde. Daí, dificuldades de aprendizado, evasão escolar, baixa ou nenhuma qualificação profissional, percepção limitada do mundo e da vida em sociedade e de suas próprias capacidades.

 O sociólogo e pesquisador Marcelo Burgos afirma que o modo como as cidades são configuradas vai contribuir ou não para a construção de uma “cultura cívica orientada para a ampliação da participação social e política na vida citadina”. Cidades são, assim, cenários onde vão se construindo identidades, produzindo subjetividades e orientando a relação com o outro, com o Estado.

 Olhar os problemas das cidades de modo orgânico, indo às suas raízes, focando nas causas e não nas consequências, e criando cidades dignas para pessoas saudáveis, produtivas, criativas, solidárias é um conceito defendido não apenas por alguns urbanistas e arquitetos. Na década de 1960, a jornalista Jane Jacobs causou grande impacto com seu livro “Morte e vida de grandes cidades”. Jacobs faz uma conexão entre a arquitetura urbana e a necessidade de comunicação entre os indivíduos. A autora enfatiza que espaços públicos e prédios devem acolher uma diversidade de usos e que as ruas devem ser ocupadas pelas pessoas. Segundo Jacobs, “as cidades vivas têm uma estupenda capacidade natural de compreender, comunicar, planejar e inventar o que for necessário para enfrentar as dificuldades”. Numa época de mudanças climáticas com gravíssimos impactos sobre as populações e o ambiente como um todo, esta percepção torna-se crucial.

O projeto “Cidade para pessoas", criado pelo arquiteto dinamarquês Jan Gehl, vai ao encontro do pensamento de Jacobs. Ele articula a arquitetura com a psicologia e a sociologia, já tendo sido chamado de “filósofo das cidades”, e propõe a construção de cidades compactas, favorecendo a mobilidade urbana. Gehl entende, por exemplo, que o uso irracional dos carros nas cidades, gerando dezenas de quilômetros de trânsito, não é a causa, mas um sintoma de mau planejamento urbano. Para Gehl, “embora os problemas das cidades não sejam todos iguais nas várias partes do mundo e em diferentes níveis de desenvolvimento econômico, são mínimas as diferenças envolvidas na inclusão da dimensão humana no planejamento urbano.”

 A participação popular nas decisões sobre as prioridades de uma comunidade, em todos os seus âmbitos, traz outros olhares e a experiência de quem vivencia cotidianamente as vantagens e dificuldades do que a cidade oferece a seus habitantes. Certamente, esta participação terá maior qualidade e eficácia se os habitantes tiverem acesso à educação qualificada e a meios de informação confiáveis e diversificados. E se sintam “donos” da sua cidade, no sentido do direito a ela, de usufruí-la, e no sentido de serem co-responsáveis por sua manutenção como espaço democrático e saudável, preservando o meio ambiente, os espaços públicos.

 Gehl defende que “todos os grupos sociais, independentemente da idade, renda, status, religião ou etnia, possam se encontrar nesses espaços ao se deslocarem para suas atividades diárias” e as diferentes atividades devem se complementar e não competir por espaço, assegurando a todos o direito de se expressar e a liberdade para atividades alternativas. Para ele, não se trata apenas de uma postura mais humana, mais justa, mas também a mais sensata, com benefícios para todos.


Águas de Lindóia-SP (2015)

Jane Jacobs entende as verbas públicas como instrumento de recuperação permanente, planejada, “passando de um instrumento que financia alterações drásticas a um instrumento que financia mudanças contínuas, graduais, complexas e mais suaves”. Ao expor suas críticas a modelos de cidades que não priorizam a convivência, Jane Jacobs não as está condenando, ao contrário. A autora critica o sentimentalismo em relação à natureza, em oposição à vida na urbe, afirmando que “as grandes cidades e as zonas rurais podem conviver muito bem” e que, mesmo com muitos problemas, as cidades não são “vítimas passivas de uma sucessão de circunstâncias, assim como não são a contrapartida maléfica da natureza”.

 Como já afirmou o Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres, em 2021, estamos, rapidamente, aproximando-nos de um ponto sem retorno para o planeta. Torna-se, então, urgente repensar conceitos como “desenvolvimento” e “progresso”. Novos parâmetros deveriam ser levados em conta ao se avaliar a qualidade de vida dos cidadãos e o sucesso de uma administração pública. É preciso ir além dos números do PIB (Produto Interno Bruto), priorizando outros índices, como o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), diante da necessidade de lançar sobre as cidades e seus habitantes um olhar mais acurado e, especialmente, que mire além de números e estatísticas.

Referências:

- ONU marca Dia Mundial das Cidades focando em jovens e ação climática | ONU News

- Brasileira assume ONU-Habitat e defende que planejamento urbano é chave na solução de crises globais | ONU News

- Dia Mundial do Meio Ambiente 2021: mensagem do secretário-geral da ONU | As Nações Unidas no Brasil

- BURGOS, Marcelo Baumann. Cidade, Territórios e Cidadania. In: Dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 48, no 1, 2005, pp.189 a 222

- GEHL, Jan. Cidades para pessoas. Ed. Perspectiva, 2013

- JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011

- ROLNIK, Raquel. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2015



sexta-feira, 25 de outubro de 2024

CÚPULA DO G20 SE APROXIMA E PAUTA AMBIENTAL É DESTAQUE

 

Parque do Flamengo/Aterro - janeiro 2024

Dezenas de eventos preparatórios antecedem a reunião dos líderes mundiais, marcada para os dias 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro. O tema da sustentabilidade ambiental e climática é tratado no G20 desde 2017 e, nesta edição de 2024, as questões ligadas ao meio ambiente têm merecido relevância na programação.

A Cúpula do G20 compreende três eixos principais - combate à fome, pobreza e desigualdade; reforma da governança global; sustentabilidade e mudanças climáticas - e está estruturada em duas Trilhas a serem percorridas pelos participantes: a Trilha de Finanças e a Trilha de Sherpas. A Trilha de Finanças trata de assuntos macroeconômicos estratégicos e tem à frente os Ministros das Finanças e presidentes dos Bancos Centrais dos países-membros. Emissários dos líderes do G20 comandam a Trilha de Sherpas e atuam como coordenadores, cabendo a eles supervisionar as negociações e discutir os pontos que formam a agenda da cúpula.

Estas Trilhas, ainda que separadas, têm fortes conexões e são subdividas em grupos de trabalho e forças-tarefa. Cabe à Força Tarefa do Clima discutir aspectos técnicos e financeiros da transição energética, uma vez que a questão climática não pode ser dissociada da economia. As discussões abordam estratégias para o financiamento verde, políticas econômicas para o desenvolvimento sustentável e a mitigação da crise climática. 

Encontros sobre as mudanças climáticas estão acontecendo no decorrer do mês de outubro. O Grupo de Trabalho de Sustentabilidade Climática e Ambiental realizou dia 1º, no Rio de Janeiro, uma reunião técnica e para amanhã, 03/10, tem agendada uma reunião ministerial onde, conforme divulgado no site oficial do evento, “serão debatidos temas como adaptação preventiva e emergencial a eventos climáticos extremos; pagamentos por serviços ecossistêmicos; oceanos; além de resíduos e economia circular.”

 Nos dias 12 e 13 de setembro, na cidade-sede da Cúpula, houve a quarta reunião da Força Tarefa de Mobilização Global contra a Mudança do Clima. Segundo informe publicado no site do Ministério da Fazenda, a embaixadora Tatiana Rosito, coordenadora da Trilha de Finanças e Secretária de Assuntos Internacionais deste Ministério, considerou que houve avanços na busca por “meios de implementação para os grandes objetivos de desenvolvimento sustentável”. Segundo Rosito, é fundamental identificar os obstáculos à ampliação dos recursos e definir estratégias para lidar com estes entraves, destacando que é preciso “facilitar a mobilização de recursos privados e o melhor compartilhamento de riscos”. 

A secretária Nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, em matéria do Portal da EBC, ressaltou a importância de ter uma força-tarefa que junte financiamento, mudança do clima e meios de implementação.  

Visando a descentralização das atividades, várias reuniões dos Grupos de Trabalho vêm sendo realizadas pelo país, desde o início do ano,  sob a forma de videoconferência ou presenciais, como houve no mês de abril em Brasília e em julho em Belém,  cidade que sediará a COP-30, em 2025. Acontecem também, até o dia 04/10, reuniões Grupo de Trabalho GT de Transições Energéticas, em Foz do Iguaçu-PR. A cidade foi escolhida por abrigar a Itaipu Binacional que, além de responsável por cerca de 10% do suprimento de eletricidade do Brasil e 88% do Paraguai, também representa a integração energética em países.

 O G20 Social, uma inovação criada pelo Brasil para a Cúpula,  também vem promovendo encontros preparatórios, como o que aconteceu no dia 20/08 na Fundição Progresso, no Rio de Janeiro. Com extensa programação e grande participação popular – foram mais de 2 mil inscritos – o evento teve a presença de ministros e autoridades estaduais e municipais. As propostas acolhidas neste evento preparatório servirão de base para as reuniões do G20 Social, de 14 a 16 de novembro.

 O Grupo de Trabalho (GT) de Sustentabilidade Ambiental e Climática iniciou suas atividades em 26 de janeiro, quando a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o embaixador André Corrêa do Lago, do Ministério de Relações Exteriores, apresentaram os eixos principais a serem debatidos ao longo das reuniões que se sucedem até novembro. 

Fontes:

Reunião da FT-Clima prepara documentos para apreciação ministerial — Ministério da Fazenda

 G20 Brasil: Outubro inicia com reuniões cruciais para os debates do fórum

Matéria publicada no site da ABI: Cúpula do G20 se aproxima e pauta ambiental é destaque | ABI


domingo, 29 de setembro de 2024

DIA MUNDIAL DOS RIOS



Arte de Geraldo Cantarino, Comissão de Meio Ambiente/ABI

Desde 2005, o último domingo de setembro tem uma missão especial: celebrar os rios do mundo. Criado a partir da ação de ativistas ambientais e na sequência do lançamento da iniciativa das Nações Unidas Water for Life Decade (Década Água para a Vida), o Dia Mundial dos Rios nos lembra que os cursos d’água, desde os pequeninos aos mais caudalosos e extensos, são como veias que alimentam a vida no planeta.

Se a celebração desta data há anos esbarra na constatação de que muitos rios estão contaminados, poluídos, sufocados por barragens, neste 29 de setembro de 2024 a apreensão, a tristeza, a indignação, são ainda maiores. Enquanto rios transbordam, cidades ficam submersas, no sul do País e em outras partes do mundo, secas devastadoras atingem muitos países trazendo a ameaça da desertificação. Cúpulas e reuniões, como as COPs (Conference of the Parties), discutem há anos as mudanças climáticas, o aumento da temperatura e nível dos oceanos, o aquecimento global, a transição energética, mas os avanços, as ações efetivas são escassas e, muitas vezes, questionáveis.

Na Amazônia, gigantes como o Rio Negro e o Solimões estão irreconhecíveis, afetando milhões de pessoas. No sudeste do Brasil alguns rios, como o Paracatu em Minas Gerais, vêm agonizando há anos. Se as causas são várias, suas raízes convergem para pontos em comum. Especialistas atestam que rios secam não apenas por falta de chuvas. Com o desmatamento e o uso inadequado do solo, além da ocupação desordenada, a infiltração da água na terra fica prejudicada, fazendo com que as nascentes sequem. 

Seca no Rio Solimões - Foto: Araquém Alcântara

Os incêndios que devoram milhares de hectares no Sudeste, Centro-Oeste e Norte agravam ainda mais este cenário. No Cerrado, região mais afetada nos últimos meses e que abriga as nascentes de oito bacias hidrográficas que abastecem o país, o fogo ameaça a segurança hídrica, a produção de energia e de alimentos. Além de dizimar flora e fauna, a biodiversidade do país.

Mas a esperança resiste. Se há os que poluem, os que desmatam e provocam a morte das nascentes, há também guardiões das águas. A International Rivers, por exemplo, criou o Dia Internacional de Ação pelos Rios, celebrado em 14 de março. A organização incentiva e divulga ações de proteção aos rios, em várias partes do mundo.

 

Rio Preto, divisa RJ-MG



O Rio Preto, que percorre a divisa entre os estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, também tem seus protetores. Promovendo caminhadas e eventos solidários à beira do rio, mutirões de limpeza, compartilhando informação, os ativistas lutam pela preservação do seu amado Preto.


O acesso à água está consagrado como Direito Humano desde 2010, por Resolução da ONU. Em Brasília, tramita na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição PEC 6/2021 que propõe incluir na Constituição Federal o acesso à água potável entre os direitos e garantias fundamentais. Direito à água potável é direito à vida, portanto todo apoio deve ser dado à aprovação desta PEC, como faz a Campanha lançada em fevereiro pela Associação Brasileira de Imprensa-ABI.

Que o Negro, cortando a Amazônia, o Preto, percorrendo o Sudeste, e todos os rios do planeta sejam tratados como entes portadores e geradores de vida, integrados num sistema em que águas, terra e ar trabalham em conjunto e precisam estar em harmonia. E que no último domingo de setembro de 2025 possamos celebrar com mais otimismo nossas fontes de água doce.

 

Matérias relacionadas:

Rio Paracatu: Rio Paracatu agoniza em mais um período de estiagem - CBHSF : CBHSF – Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (cbhsaofrancisco.org.br)

Cerrado: Por que as queimadas no Cerrado ameaçam a segurança hídrica | ABI

Imagens da seca na Amazônia/Fotógrafo Araquém Alcântara: Facebook

Seca na Amazônia: Pior seca já registrada faz rios da Amazônia atingirem baixa histórica | CNN Brasil

Rio Preto: TECELÃ: PRETO – UM RIO QUE SEPARA ESTADOS E UNE PESSOAS (tecelan.blogspot.com)

Dia Mundial da Água: TECELÃ: CAMPANHA DA ABI É DESTAQUE NO DIA MUNDIAL DA ÁGUA (tecelan.blogspot.com)

PEC 6/2021 – Direito Humano à água: ABI em campanha pela aprovação da PEC da Água Potável | ABI


terça-feira, 24 de setembro de 2024

G20 SOCIAL REÚNE CENTENAS DE PARTICIPANTES EM ENCONTRO PREPARATÓRIO PARA A CÚPULA DE NOVEMBRO


A Cúpula do G20, que tem este ano o Brasil na Presidência, traz uma inovação: o G20 Social. Sob a coordenação da Secretaria-Geral da Presidência da República, o braço social do G20 se apresenta como uma tribuna aberta, que agrega e discute propostas de movimentos sociais de base, lideranças comunitárias e campesinas, associações populares. Como preparação para o evento marcado para novembro, foi realizado ontem (20/08) o Encontro Preparatório da Cúpula do G20 Social, na Fundição Progresso, no Rio de Janeiro.

Estiveram no encontro representantes das organizações da sociedade civil e de movimentos populares, dos governos municipal e estadual e também Ministros de Estado, entre eles Marina Silva, do Ministério do Meio Ambiente. Num ponto as falas dos membros da mesa de abertura convergiram: o protagonismo do Brasil no grupo das vinte maiores economias mundiais, viabilizado e ampliado pela atuação do Presidente Lula, inclusive em eventos dos quais participou no exterior. Marina Silva destacou que este caráter social, participativo, é uma diretriz que marca a gestão de Lula. Foi também lançada a plataforma G20 Social Participativo, que permite o envio de propostas, enquetes, cadastro de atividades autogestionadas e consulta pública.

 


Dentre os três principais eixos da Cúpula - combate à fome, pobreza e desigualdade; reforma da governança global; sustentabilidade e mudanças climáticas – pode-se dizer que é em torno deste último que transitam os demais. As políticas escolhidas pelos governos em todo mundo para gerir a economia, o uso dos recursos naturais, a produção de alimentos e sua distribuição, repercutem em outras latitudes. De fato, cada país é um pedaço do planeta e o efeito do que os líderes mundiais definem como suas prioridades ultrapassa suas fronteiras.

Na Mesa sobre Sustentabilidade, Mudanças Climáticas e Transição Justa, André Aquino, Coordenador do G20 junto ao Ministério do Meio Ambiente, citou a Força Tarefa do Clima, lançada pelo Ministério para discutir conjuntamente aspectos técnicos e financeiros da transição energética, uma vez que a questão climática não pode ser dissociada da economia. Citou também a proposição do Brasil para que sejam ratificados dois tratados internacionais: um sobre os oceanos/alto mar, que não está sob a soberania de nenhum país, e outro sobre a reforma dos Bancos internacionais para que aumentem o fluxo de investimentos destinados à transição energética.

Alguns destaques das falas desta Mesa foram: a necessidade de os trabalhadores participarem das discussões e não apenas serem treinados e readaptados (FUP-Federação Única dos Petroleiros); o alerta sobre as falsas alternativas mostradas como “verdes” mas que na verdade priorizam o lucro (Grupo Carta de Belém); a necessidade de mudar o atual sistema de caráter extrativista, colonialista, origem dos problemas enfrentados atualmente, sugerindo a celebração de um Jubileu de Esperança, com a proposta de um mês de repouso da Terra, a ratificação pelo Brasil do Tratado de Escazú e o fim da perseguição àqueles que lutam pelos Direitos Humanos e da Natureza (Comissão de Ecologia Integral e Mineração da CNBB).

Os participantes foram convocados a elaborar propostas, em grupos, das quais três consideradas mais relevantes serão encaminhadas a uma Comissão de Sistematização que organizará o que será levado ao G20 Social para a etapa final, nos dias 15, 16 e 17 de novembro. Entre as propostas apresentadas, foi lembrada a relevância do setor pesqueiro e a necessidade do bloqueio a usinas eólicas offshore; a importância do acesso à água como bem comum; a reparação de perdas e danos por parte dos países mais poluidores; o incentivo à educação ambiental; a não financeirização dos bens da natureza. Foram lembrados ainda o combate ao racismo ambiental, a importância da adoção da agroecologia e do monitoramento do uso de agrotóxicos.

(Matéria publicada no site da ABI - G20 social reúne centenas de participantes em encontro preparatório para a cúpula de novembro | ABI ).

sábado, 17 de agosto de 2024

DE DESERTOS E DEGELOS

 

Sicília, Itália

A Sicília, além de suas belezas naturais e gastronomia celebradas pelo mundo, ganhou espaço também nas telas do cinema, especialmente em filmes sobre a Máfia. Quem não conhece Don Corleone, o Godfather, personagem inesquecível da obra prima de Francis Ford Copolla? Pois a bela Sicília aparece agora nas páginas e telas da mídia europeia com notícias nada animadoras: a ilha italiana pode ver um terço de seu território transformado em deserto, até 2030 (matéria da Euronews aqui).

Não são apenas os sicilianos que correm o risco de ver sua terra natal murchar. Várias regiões no planeta vêm sofrendo com secas cada vez mais frequentes e duradouras, trazendo a ameaça da desertificação. Não por acaso a ONU incluiu em seu calendário um dia para alertar a sociedade sobre este perigo. A data escolhida foi 17 de junho e, desde 1995, o Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca  é lembrado pela Organização.

O ano de 2023 foi de recordes de calor e 2024 segue no mesmo ritmo. A situação é tão crítica que o Secretário Geral da  ONU fez, no final de julho, um chamado à ação para combater “epidemia de calor extremo”. António Guterres destacou as centenas de mortes provocadas pelo calor, os prejuízos para a economia, a necessidade de proteção aos trabalhadores, reforçando a urgência de os governos criarem planos de ação para o enfrentamento da crise climática em suas várias feições.

Se olharmos para a COP 28, realizada em Dubai no final de 2023, por exemplo, constatamos que Guterres não exagera em sua preocupação. Considera-se que a reunião produziu um acordo histórico ao explicitar a necessidade de abandonar os combustíveis fósseis, mas não foram estabelecidas ações claras para a efetiva implementação desta transição.

BRASIL

No Brasil temos visto nas últimas semanas o encolhimento dos rios na Amazônia, afetando 6 milhões de pessoas, conforme matéria da Revista Forum. Movimentos sociais encaminharam ao Governo Federal um documento enumerando medidas a serem tomadas com urgência.

O Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) identificou, apenas na Região Sudeste, 122 municípios suscetíveis à desertificação, especialmente no norte de Minas Gerais. Segundo dados do Centro, a região apresentou 253 municípios com condição de seca extrema e 673 com condição severa. A agricultura familiar, fundamental para o abastecimento interno e pela preservação ambiental, é um dos setores mais prejudicados pelas secas, destaca o Cemaden.

Cordilheira dos Andes

E o degelo? Nosso vizinho Peru assiste as geleiras da cordilheira dos Andes derreterem mais e mais a cada dia. O risco de acidentes limita o turismo e as tradições dos povos originários se vêm ameaçadas já que os locais sagrados vão se modificando. Não apenas a quantidade, mas a qualidade da água também é afetada, já que se torna mais ácida.

Um estudo da Universidade de Engenharia e Tecnologia do Peru prevê que até 2050, a cordilheira central dos Andes poderá perder entre 84 a 98 por cento dos seus glaciares (veja matéria aqui). Os resultados do estudo foram publicados em maio no Journal of Water and Climate Change.

Levantamento do MapBiomas Peru também traz conclusões preocupantes. Mapeando as mudanças no uso da terra nos últimos 38 anos, constatou-se a perda de 4,1 milhões de hectares de vegetação natural, incluindo ecossistemas de florestas, arbustos, pastagens, pastos e manguezais. A expansão desordenada das atividades humanas, como agricultura, mineração, aquicultura e infraestrutura, com o decorrente avanço do desmatamento, estão na origem do derretimento das geleiras.

Foto Sicilia: Si aggrava la siccità in Sicilia, acqua razionata per oltre 1 milione di siciliani (tempostretto.it)

Foto Andes: O derretimento das geleiras na Cordilheira dos Andes e a falta d’água (conexaoplaneta.com.br)