A partir das 19h os hóspedes e visitantes começam a se reunir no adro da
igreja à espera do Lobo-Guará. A bandeja com a comida já está lá. Câmeras
preparadas. Olhos e ouvidos atentos.
Depois de uma espera que pareceu interminável por causa da ansiedade, o
dono da noite chegou. Era por volta de 21h. Coração batendo forte, vislumbrei
as orelhinhas pontudas subindo por num cantinho da escada. E ele enfim se
mostrou, com toda sua beleza e elegância.
O coração acelerou e as lágrimas desceram. Um choro pelo sonho realizado, pela beleza
daquele momento, pela generosidade da natureza, por gratidão aos que preservam
esta maravilha.
Além de nosso grupo e outros hóspedes, havia uma turma de franceses que,
aliás, espocavam seus flashes a curta distância do lobo, o que, confesso, me
incomodou. Posicionado estrategicamente, estava também um
fotógrafo/cinegrafista, com suas lentes de frente para a escada por onde chega
o lobo-guará. Conversei depois com ele, curiosa para saber se estavam fazendo
um documentário. É um fotógrafo de natureza, profissional, e viaja por aquela
região dando aulas a alunos que o contratam. Bateu uma inveja.
Segundo os monitores, o lobo que nos visitou é o pai de uma família que
costumava vir reunida, quando os filhotes eram pequenos. Hoje, o filho já toma
o lugar de liderança do pai, chegam a brigar, e às vezes aparece com a mãe. A
irmã não apareceu mais. O senhor lobo comeu, voltou para a mata, reapareceu,
ficou um longo tempo devorando as carcaças – o barulho do mastigar os ossos
impressiona – sem se importar com os flashes.
Os monitores nos contam que os cachorros do mato, quando em bando,
atacam o lobo. Vimos alguns rondando o jardim em frente à escadaria, mas neste
dia não subiram. Provavelmente por isso, o lobo-guará fica o tempo todo atento
à escadaria que dá acesso ao adro.
O Lobo-Guará sempre atento à escada de acesso ao adro. |
Este lobo provavelmente é o neto daquele primeiro que foi se chegando,
atraído pelo padre Lauro, há mais de trinta anos. Grupos que iam passar o dia
na RPPN faziam churrasco e deixavam restos nas lixeiras, próximas à igreja. O padre
percebeu que lobos começaram a ser atraídos por esses restos e resolveu fazer
aproximação com eles. Pouco a pouco, foi ganhando a confiança dos animais que
passaram a frequentar o adro da igreja para o jantar. A foto abaixo, exposta na recepção do Santuário, registra um
momento de belíssima união entre homem e lobo. Respeito, confiança.
Nos dias em que estivemos lá, infelizmente, os padres estavam fora, ou de férias ou em tratamento de saúde. O padre Lauro, nos contam os monitores, tem mais intimidade com o lobo e o chama pelo nome, "guará", "guarazinho"... Para atraí-los, os monitores batem no tabuleiro, alertando que o jantar está servido.
Este contato do padre do Santuário com o lobo-guará é uma versão do que os cientistas acreditam aconteceu há mais de 30 mil anos, quando os primeiros lobos se aproximaram de nossos ancestrais. Tal como o lobo-guará do Caraça, eles também se aproximavam dos acampamentos para comer os restos e, com o tempo, foram se acostumando à presença e ao convívio com humanos. Criaram vínculos, homem e lobo passaram a cooperar, a se proteger mutuamente. Os lobos selvagens foram se modificando e os cachorros que conhecemos hoje seriam seus descendentes.
O bonitão foi embora, mas difícil baixar a adrenalina para dormir.
Rolava um jogo do Flamengo na sala de TV (só há uma no Caraça) e fiquei por lá
com alguns companheiros ainda por um tempo. Fui dormir, já bem tarde, em estado
de graça. Noite sublime esta!
Nas noites seguintes, novamente a espera, mas o lobo não apareceu.
Talvez tenha vindo de madrugada. Esperei até depois de meia-noite, com alguns
poucos “valentes”. Eu me revezava, ora na porta que dá para o adro, ora
espiando da janela do meu quarto, tentando adivinhar as orelhinhas pontudas na
escuridão. O lobo é capaz de percorrer muitos quilômetros e às vezes não
aparece por estar muito distante do local de seu banquete, o adro da igreja. Quando
caminhamos de dia pela mata não os vemos, mas é o reino deles que percorremos.
Na terceira noite, sozinha com o monitor – todos os outros já haviam
desistido de esperar – vi um cachorrinho do mato mais ousado chegar até a
bandeja. Um susto! Muito rápido, nem deu para fotografar.
Alguns resistem bravamente e esperam o lobo-guará quando os outros hóspedes já desistiram. |
Links interessantes:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lobo-guar%C3%A1
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