quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

IMPRENSA, LIBERDADE E FARO


Assisti esta semana, na TV BRASIL (a tv pública, canal 2, no Rio de Janeiro) a trechos de um programa que, se veiculado numa emissora comercial – que investe pesado no marketing - certamente agradaria a muita gente. Mas as grandes emissoras estão ocupadas com outras coisas...

Bem, tratava-se de um documentário, creio eu, de Silvio Tendler sobre imprensa e censura: Preto no branco, a censura antes da imprensa. Recorri ao velho (nem tão velho) e bom Google para saber mais detalhes, mas... nada! Nem no site da Caliban, produtora do Silvio Tendler ou no da TV Brasil achei informações sobre o programa. Nele, Alberto Dines, jornalista, a historiadora Isabel Lustosa, entre outros, revelam fatos muito interessantes a cerca dos primórdios da imprensa no Brasil, ao se debruçarem sobre a vida de Hipolito da Costa, considerado o pai do jornalismo brasileiro. São páginas da história da imprensa, da liberdade de expressão, de perseguições da Inquisição, de nosso país enfim.

Nascido na colônia de Sacramento (Uruguai) em 1774, Hipólito teve uma vida, digamos, bastante movimentada. Esteve nos EUA, onde ficou impressionado com a democracia e a liberdade de expressão que ali floresciam, ao contrário do regime autoritário imposto por Portugal ao Brasil, onde a tipografias não eram permitidas. Daí o título do documentário: a censura no Brasil já existia antes mesmo de termos uma imprensa. Hipólito foi perseguido por ter aderido à Maçonaria e refugiou-se em Londres.

Um fato interessante de que tomei conhecimento é que, em Portugal, a primeira cidade a ter uma tipografia – novidade vinda da Alemanha, onde Gutemberg inventou a composição com tipos, permitindo imprimir/reproduzir textos e não apenas figuras, como já acontecia – foi na cidade de Faro, no Algarve. Judeus lá imprimiam cópias do Antigo Testamento. Estive em Faro em março de 2007 numa adorável viagem por Portugal. Entre as muitas cidades que conheci, Faro teve um sabor especial, algo que reunia história, passado, mas com frescor do presente. Me lembrou a região dos Lagos, mas organizada, limpa e com construções seculares que resistiram ao tempo. Numa viela, a figura de Che (e palavras sobre liberdade), na marina, barcos e iates particulares, o trem simples e pontual que nos leva de um extremo a outro daquela linda região ao sul de Portugal.

Saber que ali começou a imprensa em Portugal me faz gostar ainda mais daquela cidade de nome estranho, conquistada aos mouros, cercada de luz. Sem querer fazer trocadilhos infames, não posso deixar de associar o nome da cidade a um dom que um bom jornalista deve ter, para perceber o que os outros não veem, para enxergar além das simples aparências: faro.

domingo, 29 de novembro de 2009

GRAFITE CONTRA O ÓDIO


O grafite vem ganhando espaço nas galerias de arte e outros eventos, visto hoje não apenas como uma arte menor, da cultura Hip-Hop. Eu pessoalmente adoro ver os muros da cidade pintados com cores vibrantes, imagens expressivas, sejam para alegrar, denunciar, divertir quem passa. Torna a cidade mais humana. Os subúrbios – tão maltratados – ficariam mais alegres se os muros da rede ferroviária que cortam a zona norte da cidade fossem cobertos por esses grafiteiros do bem.

Estas fotos mostram como a criatividade, a arte e a não-violência podem vencer a ignorância, o preconceito, a intolerância. Em cima de uma pichação de ódio, um artista pintou a imagem de um sertanejo na caatinga. O muro é de uma pensão na região central de São Paulo, onde vivem migrantes nordestinos.

Recebi o texto e fotos de um grupo virtual. A fonte que consta é: SÉRGIO RIPARDO - colaboração para a Livraria da Folha.

sábado, 28 de novembro de 2009

SALA ESCURA – CONFUSÕES EM FAMÍLIA


City Island é uma vila pesqueira no Bronx, bairro de Nova York. Um lugar bem diferente da imagem típica que nos vem à mente quando falamos da Big Apple. Confusões em Família também difere e está acima da média dos filmes do gênero bateu/levou em família. Misturando drama e comédia, a receita tem ingredientes bem conhecidos: mulher insatisfeita, homem meio obcecado pelo trabalho, filhos que não são exatamente modelos de responsabilidades e sinceridade.

Mas há novidades no longa de De Fellitta, tanto nas doses certeiras de humor, como no roteiro que flui redondo, sem buracos e onde as peças se encaixam sem forçar a barra. Andy Garcia está excelente na pele do agente penitenciário (não ouse chamá-lo de carcereiro) Vince Rizzo, que manda no trabalho, mas não consegue ter autoridade dentro de casa. Personagens estressados que fumam às escondidas uns dos outros. Mas cada um tem seu segredo, especialmente Vince, que guarda uma secreta paixão pela arte de atuar e esconde no banheiro um livro sobre a vida de Marlon Brando. Mas há outros segredos e as surpresas que não deixam a peteca cair e fazem do longa algo mais que mera diversão. E a música também é ótima. Esqueça o título bobo da tradução (mais um!) e vá ao cinema sem medo de ser feliz. Estréia no Rio no dia 11/12.

CONFUSÕES EM FAMÍLIA (City Island)
Direção: Raymond de Felitta
Clasificação: 14 anos – Duração 103 min - EUA, 2009

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

DO PORÃO DE BANDEIRA DE MELLO


“...Navego e trago dentro de mim, como num porão cheio de lembranças amontoadas no decurso dos tempos, já com a linha de flutuação submersa, o registro de minhas relações com todos os lugares onde vivi, com paisagens percorridas ou imaginadas, vistas em um relance fugaz em viagens hipotéticas ou não e mais com as ideias lidas ou ouvidas nas esquinas da vida, ponte de encontro dos que se movem.... então é preciso desenhar e pintar...”

Percorrendo a exposição “Eu existo assim” na Galeria 2 da Caixa Cultural, podemos ler em cada uma das obras expostas cada palavra deste depoimento de Lydio Bandeira de Mello. Nas cores fortes do projeto para o SENAC (1995), no impacto da figura do peregrino (ou será um missionário?), com seu rosto e mãos incrivelmente expressivos, emergindo do branco (sem título, 2009), ou na suavidade/sensualidade da mulher nua, onde quase se pode sentir a textura de sua pele, do cabelo negro, ou do tecido que a cobre/descobre (sem titulo, 2004).

Das imagens pintadas ou desenhadas pelo artista, diz Angela Ancora da Luz, Diretora da Escola de Belas Artes: “...a figura humana surge vitoriosa. Ela não possui apenas ossos e músculos, pele e fisionomia. Bandeira pinta a alma...”

A exposição fica na Caixa – um pouco a casa de Bandeira de Mello, já que acolhe nas paredes do mezanino enormes painéis feitos especialmente para o edifício-sede, nos anos 1970 - até o dia 17 de janeiro. No próximo sábado, dia 28/11, Bandeira de Mello estará lá, às 15h para um debate, e às 19h numa visita guiada. Detalhes na Agenda.




domingo, 11 de outubro de 2009

ONDE O SÉCULO XXI SE ENCONTRA COM ANTIGOS SABERES

A Feira Brasil Rural Contemporâneo é um sucesso, a julgar pela multidão que se espremia ontem, “viajando” de um estado para outro, nos pavilhões armados na Marina da Glória. O tempo ruim pode ter atrapalhado as atividades externas, na Praça de Alimentação e no Tablado de Raiz, mas na área coberta, dividida pelas regiões do Brasil, as atividades fervilhavam.

A diversidade de produtos oferecidos – biscoitos, queijos, frios, cachaças, bonecas, mel, bolsas, e muito mais – enche os olhos do visitante e os carrinhos de compra circulavam abarrotados de belezuras e gostosuras. Produtos orgânicos, sabores nortistas, mineiros, sulistas; artesanatos confeccionados por mãos indígenas e quilombolas, com palhas e fibras variadas e sementes de frutos de nomes sonoros. Do norte ao sul, passando pelo centro-oeste, todos os sotaques, peles rosadas, morenas, caboclas e negras.

Por trás disso, além do valor de cada trabalhador rural, descobrimos muitos projetos – estaduais ou federais – que vêm sendo desenvolvidos por esse Brasil afora. Um deles é o Projeto Dom Hélder Camara, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), com atuação no Nordeste, já no seu sexto ano. Está presente em 77 municípios e envolve mais de 15 mil famílias, combatendo a pobreza levando soluções de baixo investimento ao semi-árido.

No nosso Estado do Rio, a Secretaria de Agricultura, pecuária, Pesca e Abastecimento desenvolve projetos voltados para a agricultura familiar, tais como: Rio Horti (horticultura), Rio Genética (pecuária, produção de leite e carne), Rio Peixe (de assistência técnica à promoção do escoamento da produção pesqueira); Florescer (floricultura), entre outros. Segundo folheto informativo da Secretaria, das 62 mil propriedades rurais do estado, 92% possuem área inferior a 100 hectares, ou seja, o pequeno produtor, que trabalha em família, é o grande fornecedor de alimentos de nossa população.

As manifestações artísticas também estão na Feira, trazendo para as margens da Baía de Guanabara o Reisado, o Maracatu, o canto das Quebradeiras de Coco de Babaçu, e tantas outras festas de ritmos e cores irresistíveis. No palco multicultural, um encontro entre o carioca Gabriel, o Pensador e o baiano Bule Bule, que há mais de 30 anos divulga e preserva os sons nordestinos. Unindo os dois, além da musicalidade e irreverência, o olho atento às questões sociais. No show, também a banda Feira Livre (RJ).

É fundamental para quem vive nos grandes centros urbanos conhecer este Brasil que trabalha, produz, movimenta a economia, preserva culturas centenárias sem abrir mão dos avanços tecnológicos, promovendo uma integração entre passado e presente que acena para nós com um futuro mais promissor do que vislumbramos quando lemos os jornais das grandes cidades. Enquanto nossa rotina é invadida por medo de assaltos, balas perdidas, enquanto nos cercamos de grades e perdemos boa fatia de nossa existência (e paciência) nos engarrafamentos, um Brasil que a maioria de nós desconhece – ou ignora – pulsa em outro ritmo. Vivem num paraíso? Claro que não! Sua história tem muita labuta, superação de dificuldades, inclusive de preconceitos. Mas sem dúvida vivem numa outra realidade e é na soma dessas realidades – urbana e rural – que está aquele “país do futuro” que o Brasil há décadas busca encontrar.

Nas fotos:
Gildete Vasconcelos, tecelã mineira
Produtos Orgânicos
O boneco Osvaldão, com o manipulador Carlos (Arcas das Letras)
Gabriel, o Pensador e Bule Bule no Palco Multicultural

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O BRASIL RURAL ANCORA NA MARINA DA GLÓRIA

A partir de hoje, e se estendendo por todo o feriadão, um Brasil sem mar aporta na Marina da Glória. E o que traz na bagagem não é pouca coisa, tudo dividido em seis espaços temáticos: Amazônia, Talentos do Brasil, Organização Produtiva das Mulheres Rurais, as Praças dos Orgânicos, do Artesanato e da Cachaça, e em sete espaços de redes de cooperativas e associações.

A IV FEIRA BRASIL RURAL CONTEMPORÂNEO (a 2ª edição no Rio de Janeiro) é uma ótima oportunidade para o carioca, e quem vive nesse aglomerado urbano, conhecer a força da agricultura familiar no país. A importância desse modelo de produção agrícola, em tempos de gigantes do agronegócio, é inegável, pois garante o sustento de famílias, gera empregos, fixa o trabalhador no campo evitando a migração para as cidades, que já não conseguem oferecer condições dignas de vida a boa parcela de seus habitantes.

O evento tem uma programação cultural (com mais de 30 espetáculos musicais em 3 espaços diferentes), cortejos de grupos de cultura popular que desfilarão pela cidade, uma programação técnica (com rodadas de negócios e seminários) e uma institucional (como a abertura e lançamento de publicações).

Um belo programa para o feriadão: conhecer melhor nossa cultura, comprar produtos diretamente dos produtores, assistir a ótimos shows, saborear uma comidinha gostosa, mergulhar enfim nas letras, artes, cores, sons e sabores desse Brasil profundo que parece tão distante das grandes cidades, mas faz parte de nossa vida urbana, por meio do que produz. E tantas coisas mais tem para nos oferecer. Visite o site: http://portal.mda.gov.br/feira2009/.

Brasil Rural Contemporâneo – VI Feira Nacional da Agricultura Familiar e Reforma Agrária
De 7 a 12 de outubro de 2009
Local – Marina da Glória – RJ
Ingressos: 5,00 e 2,00 (para a Feira) – 20,00 e 10,00 (para os shows)
Horários: quarta-feira à sexta-feira – 13h às 22h
Sábado à segunda-feira – 10h às 22h

sábado, 3 de outubro de 2009

ARTE CUBANA PARA ALÉM DO CARTAZ


Vale a pena conferir a exposição CARTAZES CUBANOS: UM OLHAR SOBRE O CINEMA MUNDIAL, na Caixa Cultural. É uma admirável seleção de cartazes produzidos pelo ICAIC- Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica, entre os anos 1960 e 1990.
Em Cuba a promoção de qualquer obra cinematográfica é feita pelo ICAIC e os filmes estrangeiros sempre ganham um novo cartaz, o que abriu caminhos para os artistas gráficos da Ilha.

É uma oportunidade única para presentear nossos olhos com formas, cores e texturas simplesmente arrebatadoras. São cartazes concebidos não apenas para divulgar os filmes (cubanos e estrangeiros) que representam, mas constituem-se eles próprios obras de arte. Até o dia 26/10, veja na Agenda.

UMA JOIA NO INGÁ

A proximidade com uma cidade exuberante e famosa como o Rio faz com que Niterói fique, digamos, na sombra, ali... meio esquecida. Algum destaque na agenda cultural geralmente acontece por conta do MAC (Museu de Arte Contemporânea) e da assinatura famosa que a obra carrega: a genialidade do centenário Oscar Niemeyer.

Mas a cidade que espia os cariocas do outro lado da Baía de Guanabara guarda outros tesouros. O Museu Antônio Parreiras é um deles. Estudei na UFF (Universidade Federal Fluminense) e morei por um par de anos em Niterói (algumas décadas atrás, a cidade era bem diferente), mas ainda não tinha entrado na belíssima construção da Rua Tiradentes, no Ingá. E eu não sabia o que estava perdendo.


O homem – nascido em 1860 em São Domingos, Niterói (um bairro adorável onde morei por alguns meses) – amava as árvores. Digo isso não porque tenha estudado sua biografia, mas porque as pintou divinamente. Há mais de cem anos as olhava com um olhar de ambientalista (na foto, Árvore Morta, de 1936). As telas expostas logo na primeira sala nos capturam, quase dá para sentir o cheiro da floresta. Não entendo de pintura, artes plásticas, mas de emoção sim. E é um sentimento ora perturbador, ora reconfortante que aquelas telas nos provocam.

Há outras belas obras expostas, retratos de uma terra sendo desbravada. São expressões faciais e corporais captadas com precisão, sensibilidade e vigor. Não visitei todo o Museu, que abrange ainda uma extensa área verde e outra construção onde funcionava o ateliê do artista. Mas é como guardar um pedaço do doce para saborear mais tarde. Voltarei ao Ingá, com certeza. Veja mais em:
http://www.neltur.com.br/port/aondeir_mus_antpar.htm

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Sala Escura: FALANDO GREGO


Se tem uma coisa que este filme não faz é “falar grego”. Sua linguagem é mais do que conhecida, em vários momentos é fácil antecipar o que vai acontecer. Mas funciona como diversão para uma tarde/noite sem compromisso, só pra esvaziar a cabeça dos engarrafamentos e da poluição que agride olhos e pulmões.

A história de Georgia (Nia Vardalos, de Casamento Grego), guia de turismo frustrada pelo desinteresse dos visitantes, mais empenhados em compras do que em conhecer a história grega e admirar monumentos, começa bem, tem alguns diálogos espirituosos, promete, coloca o doce na boca do espectador, mas depois o tira e cai numa mesmice de fazer dó. A moça madura entediada topa com senhor norte americano (um gorducho Richard Dreyfuss), que a fará ver a vida de outro modo e recuperar seu kefi, o prazer de viver. A falta de imaginação do título traduzido combina com o roteiro. Lá pela metade até que a história toma um fôlego, se recupera parcialmente, consegue ainda arrancar algumas risadas.

Brincando de modo nada sutil com as diferenças – tudo bem, a proposta do filme não é sociológica ou antropológica – exagera às vezes nos clichês e abusa de piadas bobas. Ainda assim, não chega a exasperar a paciência do espectador, desde que este não vá ao cinema com grandes expectativas, a não ser se divertir e ver belas paisagens gregas. As caricaturas de canadenses, espanholas, ingleses nem sempre funcionam, mas têm lá sua graça.
Vá ao cinema sem sustos, naquele dia em que estiver querendo dar um tempo nas coisas sérias, esquecer as contas a pagar ou as rusgas com o parceiro.

FALANDO GREGO (My life in ruins)
Direção: Donald Petrie
Roteiro: Mike Reiss
EUA/Espanha, 2009 – 112min

domingo, 30 de agosto de 2009

Sala Escura: TEMPOS DE PAZ


Assistir a um bom filme é, pra mim, uma das coisas que fazem a vida valer a pena. Se o filme é brasileiro, melhor ainda. Foi com esta sensação (além da lágrimas nos olhos) que saí do Arteplex, na Praia de Botafogo, ontem à noite. E mais ainda, porque o filme que vi era a transposição para a tela de uma peça a que assisti há alguns poucos anos: Novas Diretrizes em Tempos de Paz, de Bosco Brasil. As atuações irretocáveis de Tony Ramos e Dan Stulbach se repetem na tela, em cada fala, gesto, olhar, suspiro, suor, lágrima, grito. São como as cordas de um instrumento, ora tensionadas, ora afrouxadas, emitindo diferentes sons, que despertam diferentes sensações.

Daniel Filho acertou – apesar das críticas de alguns – em incluir alguns cenários e personagens no filme, originalmente inexistentes na peça. Se em alguns momentos estes não se afinam integralmente com a narrativa, não chegam a comprometer a história centrada no embate entre o imigrante polonês e o Chefe da Imigração no Brasil, no ano de 1945. Dificilmente o espectador sairá ileso da sessão. Um filme que toca por falar de guerra, violência, intolerância, da obediência cega e do livre arbítrio, de pessoas embrutecidas, da história deste país, e da força da arte, do teatro, capaz de despertar a humanidade guardada no mais profundo de cada um, até num Segismundo, personagem de Tony Ramos.

Que bom seria se a Globo Filmes sempre pusesse sua força em filmes desse quilate.

TEMPOS DE PAZ
Direção: Daniel Filho
12 anos, 82 min.

FOTOGRAFIA A SERVIÇO DA CIDADANIA


Um experiente fotógrafo, cujas fotos vemos diariamente estampadas nas bancas de jornal, coloca sua técnica a serviço da cidadania, da emoção. É um Silva, como tantos brasileiros, é um Severino, como tantos irmãos nordestinos. E suas lentes, acostumadas a captar o que o que vira notícia nos jornais, se voltam para pessoas anônimas, uma população “invisível”, que povoa as brechas desta cidade.

Severino Silva teve a atitude de se aproximar dessas pessoas e, através da fotografia, tentar estabelecer uma ponte entre elas e seus possíveis parentes e amigos. Wilton Jr, também fotógrafo, deu a ideia do blog. Surgiu o Fotos e Reencontros.

Na falta de políticas públicas eficientes, Severino faz a sua "política pessoal". Discretamente, este Silva realiza um trabalho admirável, ao se voltar para essas pessoas, levar-lhes algum benefício material e, principalmente, a solidariedade que mata outras fomes que não a de comida. Confira em : http://www.fotosereencontros.blogspot.com/


Foto: Artesanato mineiro, de Bichinho (Teresa Fazolo).

domingo, 23 de agosto de 2009

Sala Escura: VERONIKA DECIDE MORRER


... E NÃO VAI FAZER FALTA

Pensei que não seria justo comentar o filme sem ter lido o livro, mas... qual o quê? (como diria Chico Buarque). O filme tem de se garantir por si próprio. E Veronika decididamente não convence como obra sobre o labirinto da alma humana. Para falar de morte, suicídio, crise existencial, seria preciso ir mais fundo, criar mais tensão. Para compensar a superficialidade, a diretora Emily Young recorre a momentos de silêncio, closes, imagens difusas, ou planos bacanas, capricha na fotografia, mas... e daí?

Fui ao cinema, numa manhã de sexta-feira, desarmada, sem preconceitos (ou quase, vá lá!) para ver um filme baseado num livro de Paulo Coelho. As atuações honestas de Sarah Michelle Geller e Jonathan Tucker não são suficientes para transmitir ao espectador o frio na espinha, o incômodo, a reflexão que o tema propõe. Alguns momentos são totalmente desprovidos de verdadeira emoção, como o encontro de Veronika com os pais, na clínica de tratamento. Frio, vazio...

Veronika é uma bela moça bem sucedida que decide morrer porque não acredita mais no mundo. A tentativa se frustra e ela vai parar numa clínica psiquiátrica onde é informada que tem pouco tempo de vida, por conta de complicações devidas à overdose. Daí ela descobre (?) outras possibilidades no mundo, convivendo com os demais pacientes e sendo submetida a um tratamento pouco convencional. Alias, o melhor do filme é o doutor Blake, vivido por David Thewlis. Créditos também a Melissa Leo.

Se você é um dos milhares de fãs de Paulo Coelho, possivelmente vai gostar de ver Veronika projetada na tela, mas eu decidiria por outro filme em cartaz na cidade.

Veronika Decide Morrer (Veronika decides to die)
Direção: Emily Young
EUA, 2009
Classificação: 14 anos
Site internacional: http://www.veronikadecidestodiethemovie.com/
FOTO do site: http://www.cinemaemcena.com.br/ficha_filme.aspx?id_filme=6642

sexta-feira, 31 de julho de 2009

ACENDAM AS CANDEIAS



No último dia 24, uma manifestação – Caminhada em Defesa da Vida - lembrou os 16 anos do bárbaro crime conhecido como “Chacina da Candelária”, acontecido em 23 de julho de 1993. Naquela noite terrível, mais de 70 crianças e adolescentes dormiam, como de costume, nas proximidades da Igreja da Candelária, no centro do Rio. Policiais, envolvidos com ações de extermínio, os surpreenderam: oito crianças morreram fuziladas, sem chance de defesa, e outras dezenas saíram feridas. A artista plástica Yvonne Bezerra de Mello (que hoje está à frente do Projeto Uerê), correu em sua ajuda. O episódio teve repercussão internacional e ganhou o triste status de um dos piores crimes cometidos contra os Direitos Humanos e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Nove anos antes, mais precisamente em janeiro de 1984, passando de ônibus, rumo ao trabalho, por este mesmo local, três meninos me inspiraram a escrever o poema abaixo. Premonição? Não sei, mas aqueles meninos me diziam algo.

PAISAGEM URBANA ou CANDELÁRIA

Olhe, olhe bem,
são três meninos.
Olhe seus rostos,
olhe seu sono,
tente adivinhar seus sonhos.
Olhe com cuidado,
com atenção.
Dois pretinhos,
um branquinho.
Um se encolhe como um feto,
parece ter frio
Outro se espalha como numa boa cama,
cama de mármore sob a marquise do Banco.

Olhe bem,
são três meninos.
Dormem na rua,
nos vãos das portas,
nas frestas da cidade
(monstro urbano).
Escondem-se do sol
que às sete horas já queima.
E no inverno,
onde se abrigam os três meninos?

Olhe bem,
São três:
dois pretos, um branco.
Sujos, semi-nus
pivetes, ladrões, assassinos
(quem sabe?)

Dormem,
são apenas crianças.

Olhe bem e veja
se no seu sono
não se parecem com aqueles
que temos em casa.


A foto que ilustra este post é de Luiz Fernando Dudu Azevedo.

domingo, 26 de julho de 2009

PASSARINHO


Deitou, coração desassossegado. Passarinho preso no peito, querendo voar. Será que tem gente assim, que também tem passarinho no peito?

Bate asas, não sossega, o passarinho.

A mão alcança o copo na mesinha de cabeceira. Será que beber água ajuda? Aperta os olhos, buscando escuridão. Mas os filmes-pensamentos não param de passar.

Respirar fundo, encher o peito e depois esvaziar tudo, contraindo o abdômen. Relaxar. Dormir.
Não funciona.

Os pés estão gelados. E o passarinho não se aquieta. O cachorro do vizinho também não. Late e, como é um pastor alemão, não é um latidozinho qualquer. O passarinho também não deve ser um sanhaço qualquer. Deve ser grande, sabiá, talvez maior.

Por que será que o cachorro late? Viu alguém? Tem fome? Quer sair, correr? Ou quer apenas companhia, no frio da noite?

E o passarinho?

segunda-feira, 29 de junho de 2009

ANTES QUE JUNHO ACABE, SIN PERDER LA TERNURA


No dia 18 rolou mais uma edição da Mostra Cubana, também conhecida como Chama o Raúl. O Castro, é claro! Poesia, boas conversas, exibição de fotos muito maneiras, mojitos, e música caribenha da melhor qualidade. Um momento caliente na noite fria de Santa Teresa.

Homenagem especial a Ernesto Guevara de La Serna, o eterno Che, que completaria 81 outonos no dia 14 de junho. Publico aqui um poema que fiz para ele, tocada pelas imagens de seu funeral, na cidade de Santa Clara, em Cuba, em outubro de 1997.

CHE

Dorme menino, dorme
Sob o céu de Santa Clara
Dorme sob o céu claro
Dorme, menino.

Dorme e sonha
E no sonho voa
Para outros lugares
Distantes
México, Guantánamo,
Havana, Buenos Aires...

Voa, mas volta logo
Que já não sabemos ficar
Muito tempo longe
Do teu sorriso.

Dorme menino, dorme
Que nós velamos teu sono
E guardamos teu sonho
Cativo dentro de nós
Luminoso, belo e generoso
Como o céu de Santa Clara.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

CONTAGEM DO TEMPO


Celebrando a vida, em mais um aniversário, contabilizando mais de 50 velinhas, bom recordar a sabedoria de Mário Quintana:

“A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê, já passaram-se 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado.
Se me fosse dado, um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando, pelo caminho, a casca dourada e inútil das horas.
Desta forma, eu digo:
Não deixe de fazer algo que gosta, devido à falta de tempo,
pois a única falta que terá,
será desse tempo que infelizmente não voltará mais.”

Sem deixar esquecido outro poeta, de além-mar, Fernando Antonio Nogueira Pessoa, nascido, como eu, num dia de junho.

ANIVERSÁRIO
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui --- ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça,
com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado...
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa, No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...


Álvaro de Campos(Fernando Pessoa), 15-10-1929

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Sala Escura: TINHA QUE SER VOCÊ


LONDRES SEM BIG BEN

O título traduzido não ajuda muito, pouco criativo, é mais clichê do que todos os clichês que o filme tem. Sim, o longa tem lá os seus lugares comuns, mas é deliciosamente previsível. O roteiro está bem acima da média dos filmes do gênero. Usando a manjada (mas eficiente) estratégia de narrar duas ações simultâneas, em locais diferentes, o filme de Joel Hopkins traz um Dustin Hoffman em ótima forma e Emma Thompson absolutamente encantadora. Quando os dois se encontram... a reação química é perfeita!

Harvey (D.Hoffman) mora em Nova York e é aquele sujeito que vive preso aos ponteiros do relógio, apressado, e é claro que sua vida pessoal é um desastre. E a profissional também não anda lá essas coisas. Kate (E.Thompson) leva uma vida sem grandes emoções, em Londres, abordando passageiros no aeroporto para que respondam a pesquisas sobre visitantes. Além de administrar a vida da mãe, que a controla o tempo todo, Kate tem de embarcar nas “armadilhas” que amigos bem intencionados lhe preparam, a fim de que dê um fim a sua vida de solidão.

Tal como o Náufrago (de Robert Zemeckis, vivido por Tom Hanks), os esforços de Harvey para controlar tudo a sua volta não funciona e uma série de contratempos vai lhe dar uma rasteira. E adivinha nos braços de quem ele vai cair? Bingo! Mas o filme não é tão raso como pode parecer. Os personagens são convincentes e os diálogos inteligentes, permeados de bom humor. São humanos, como qualquer mortal, com a fragilidade de suas convicções, ciúmes, despeito, preconceitos, medo da rejeição. Tudo que precisam é se dar uma chance.

Comédia, drama e romance se equilibram ao longo da trama. Um homem atrapalhado, sentindo-se deslocado na cerimônia de casamento da filha (bancada pelo padrasto), tem de enfrentar a si mesmo e para isso vai contar com o auxílio luxuoso da fria (nem tanto) amiga londrina. Aliás, sobre o jeito inglês de ser, há uma interessante referência (ou reverência) à princesa Diana.

Se em Antes do Pôr do Sol (de Richard Linklater) o espectador passeia pelo coração de uma Paris sem Torre Eiffel, Tinha que ser Você nos leva a adoráveis recantos de Londres, longe do Big Ben. Um filme fofo, mas quem não precisa disso de vez em quando? Vá ao cinema, sem vergonha de se emocionar. Ah, uma dica: não saia antes dos créditos finais.

Tinha que ser Você (Last Chance Harvey)
Direção/roteiro: Joel Hopkins
EUA, 2008 - 93 minutos – classificação: 12 anos
Site internacional: www.lastchanceharvey.com

sábado, 13 de junho de 2009

CONFRONTO: TEATRO NECESSÁRIO



CONFRONTO é feito da mesma matéria – literalmente – de Tropa de Elite. Mas não é cinema, é teatro. Sai a correria frenética, batidão de funk, cenários e locações espertos, ricos em detalhes. Ficam, além dos tiros, o impacto, a denúncia, o alerta.

Domingos Oliveira percebeu que o tema "violência urbana", presente em livros e filmes, ainda não tinha ocupado os palcos. Daí, escreveu, a seis mãos – com Luiz Eduardo Soares e Marcia Zanelatto – CONFRONTO, uma livre adaptação do livro Elite da Tropa, de Soares, A.Batista e R.Pimentel.

Domingos Oliveira é mestre em elegância. Lembra-me Truffaut, que conseguia falar de coisas trágicas sem esvaziar sua gravidade, mas com um toque de humor ou de leveza. No texto não há sobras ou faltas: é enxuto, sem ser frio; é criativo, sem perder o foco, como uma flecha ornada de plumas, que dispara ao alvo certo. E o alvo é confrontar o espectador com a realidade que o cerca e, frequentemente, cega.

A narrativa em off, na voz de Domingos, tem a medida certa. Com descrições sutis e precisas, mais do que explicar, ela permite ao espectador entrar no clima da ação que vai surgir, como o cenário num filme antecipa o que vai acontecer. Domingos é homem de teatro e de cinema. E com igual competência.

O elenco, seguro e inspirado, mantém o espectador mergulhado na trama. O texto final, onde transborda emoção, fecha o espetáculo como uma suave carícia, um alerta, um aviso, um chamado, uma cobrança às políticas públicas, um lampejo de esperança, lembrando que ser cidadão não é apenas viver em sociedade, mas transformar a sociedade. Só tem um defeito: acaba amanhã (14/06). No Teatro Sesc Copacabana. Não percam!


CONFRONTO, por seus autores:

“Trata-se de uma fábula inspirada em certos acontecimentos comuns na nossa cidade maravilhosa! O realismo talvez não exista na arte. Atualmente, até os documentaristas concorda que nada é mais ficcional do que um documentário. Nem mais delirante do que a realidade”. (Domingos Oliveira)

“A realidade da segurança pública [...] é mais fantástica do que qualquer fantasia ficcional. Por isso, com a liberdade exigida pela arquitetura dramatúrgica, abrimos a boca de cena para o veneno real. Mas sem perder o fio de esperança com que se fabricam outros mundos possíveis”. (Luiz Eduardo Soares)

“Trabalhar com Luiz Eduardo e Domingos, homens que conseguem manter lucidez e esperança caminhando juntas, tarefa quase impossível, me confirmou que definitivamente a segurança tem saída. [...]. ... minha alma estava turva de desesperança. Não está mais. Agora sei que a solução é muito mais possível do que se divulga nos jornais, o nome dela é amor, amor à humanidade”. (Marcia Zanelatto)

sexta-feira, 5 de junho de 2009

MEIO AMBIENTE, COMPROMISSO POR INTEIRO


("Às vezes eu acho que o indício mais óbvio de que existem formas de vida inteligente fora da Terra é que nenhuma delas tentou entrar em contato conosco.")


Neste Dia Mundial do Meio Ambiente, uma charge pra fazer a gente sorrir com o canto da boca, um sorriso meio triste, que nos faça refletir. E agir.

.1866 - Há mais de um século, Ernst Haeckel (1834-1919) criou a disciplina que estuda a relação dos seres vivos com o meio ambiente. Em 1866 ele propôs o termo ECOLOGIA para designar esse ramo da biologia.

.1972 – Criação da data “Dia Mundial do Meio Ambiente” durante conferência da ONU (Organização das Nações Unidas), reunindo 113 países e 250 organizações não-governamentais.

.1992 – Acontece no Rio de Janeiro a segunda Conferência Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, que ficou conhecida como ECO-92. Gerou vários documentos estabelecendo estratégias, políticas para a preservação ambiental, compromisso de todos os países. A ECO-92 já está chegando à maioridade, e há tanto ainda por fazer.

Assinar abaixo-assinados, repassar mensagens, pressionar políticos para que não se submetam ao lobby de latifundiários e gigantes do agronegócio, denunciar crimes contra o meio ambiente, tudo isso vale. Mas é igualmente importante lembrar-se dos três “erres”: reaproveitar, reutilizar e reciclar. E levar uma sacola ecológica ao supermercado, dispensando os sacos plásticos, não esquecer da vida debaixo do chuveiro, etc...etc...

Leia mais em: http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/datas/ecologia/eco92.html

Visite: http://www.recicloteca.org.br/Default.asp

Meio ambiente no Tecelã:http://tecelan.blogspot.com/2008/05/meio-ambiente.html

sábado, 30 de maio de 2009

Sala Escura: VOCÊS, OS VIVOS


Esses vivos, observados com certa reserva por uma câmera discreta e parada, nem parecem tão vivos assim, em sua palidez e frequente apatia. Mas, com toda sua estranheza – e guardadas as proporções, já que estamos falando de um filme sueco -, se observarmos bem, percebemos o quanto sua morna existência nos é familiar. A quentura e a exuberância dos trópicos não raro escondem dilemas e angústias semelhantes aos dos personagens do filme de Roy Andersson.

Comédia ou tragédia? Marque a opção “as duas alternativas estão corretas”. Com um quê de Jaques Tati, mais ácido, desfilam pela tela umas 50 pequenas histórias que podem ou não se entrelaçar, onde pesadelos e sonhos são recorrentes, este (o mundo dos sonhos) o único lugar possível para a realização plena.. Como Tati, Andersson tem um modo peculiar de observar e, por que não, sorrir das misérias cotidianas. Medo, culpa (muita culpa), ansiedade, insegurança, chantagem emocional, frustração... está tudo lá.

Amanhã será outro dia”, uma frase que pontua a narrativa, é o ritmo que rege a existência dos tais vivos, que parecem o admirável gado novo da música de Zé Ramalho, tangidos por uma força que os amarra a cais de onde relutam em partir. Alguns esboçam reações, mas se limitam a queixas e não buscam ações transformadoras. Outros encontram a oportunidade de diálogo na câmera, olho que os espia sem interferir. O psiquiatra confidencia seu diagnóstico e frustração, diante de pacientes egocêntricos e mesquinhos.

Conformismo, lamento, autopiedade pontuam a vida da professora que chora diante dos alunos porque brigou com o marido e, que por sua vez, vende tapetes e chora diante dos clientes; ou da filha que tenta interagir com a mãe caquética, trazendo à tona lembranças de tempos sofridos; do casal punk que não consegue sintonia. Há espaço também para referências à intolerância étnica e ao nazismo, oculto sob uma toalha na mesa de jantar, adornada por louças centenárias. Músicos tocam jazz, mas a vibração da música não os contagia. São seres bizarros, mas definitivamente comuns: frágeis, carentes, desejosos de aprovação, carinho, afeto.
No bar, onde alguns conseguem se aproximar e travar algum diálogo, o sino toca, avisando: hora dos últimos pedidos. “Amanhã será outro dia”. A tela do cinema toma ares de tela pintada, com cores suaves, quase oníricas, tons pastéis, pequenos e delicados detalhes, minuciosamente enquadrados pela câmera-olho.
As cenas finais se não chegam a tirar o fôlego, dão aquele friozinho na espinha, ou aquele calor no peito. Alguma coisa de Nós que aqui estamos por vós esperamos (filme de Marcelo Masagão, de 1998), algo de grandioso, que assusta e fascina.

VOCÊS, OS VIVOS (Du Levande)
Direção e Roteiro: Roy Andersson
Fotografia: Gustav Danielsson
Música: Robert Hefter
Elenco: Jéssica Lundberg, Elisabet Helander, Björn Englund, Leif Larsson, Olie Kemal Sener, Gunnar Ivarsson, Hâkan Angser, Birgitta Persson
Suécia / Alemanha / França / Dinamarca / Noruega, 2007, 94 min, 16 anos

Veja comerciais de Roy Andersson no Youtube:
http://www.youtube.com/watch?v=7ofPRv29RMs

domingo, 24 de maio de 2009

“A VOCAÇÃO HUMANA É CRIAR”





O convite do Espaço Utopya/Tempo Glauber dizia: Workshop Dramaturgia e Interpretação / Cinema e Televisão, com Domingos Oliveira. Propaganda enganosa! Durante cerca de 60 minutos, Domingos – que abriu a conversa dizendo não saber sobre o que falar – deu uma aula não exatamente de dramaturgia e interpretação, mas daquela matéria que está por trás destas atividades artísticas. O mestre falou pouco de “técnicas”, mas muito de “alma”.

Contando passagens vividas ao longo de seus 72 anos, Domingos contou casos, falou da dor e delícia de ser ator, autor e diretor. Na casa de Glauber Rocha e na presença da mãe do cineasta baiano, contou que certa vez foi abordado por Glauber que, sabendo que Domingos trabalhava num novo filme, lhe perguntou: “Qual o escândalo de seu filme?”. Estava aí o tom daquele bate-papo na noite da última sexta-feira.

A trajetória de Domingos é marcada pela coerência de um artista que se mantém fiel (sem ficar na mesmice) a seus sonhos. Seu primeiro filme Todas as Mulheres do Mundo, realizado num sistema de cooperativa dos próprios atores, foi um sucesso nunca mais repetido: rendeu 11 vezes o que foi investido. O seguinte, Edu Coração de Ouro, também se pagou, mas daí pra frente ele só colheu prejuízos, como aconteceu com Feminices e Carreiras. Angustiado por aquele peso, um dia, reuniu toda a papelada que representava suas dívidas, colocou numa mala e jogou no mar. Mas, ao longo do tempo, pagou tudo, garante ele.

Sobre suas obras não exibidas, Domingos revela que, como, literalmente, não pode viver sem criar, o único jeito é trabalhar continuamente. E alerta: um ator certa vez se afastou do teatro, e o teatro também se afastou dele. Entende que todo mundo precisa ganhar dinheiro, mas também precisa fazer o que quer. “A vocação humana é criar”, declara Domingos, que acredita que o mundo só será um lugar feliz quando todo homem for artista

ARTE
E o que é a Arte? Para ele, é o mistério, o que não pode ser dito, explicado e é por meio dela que a vida nos é ensinada: aprende-se o que é um girassol ao ver um quadro de Van Gogh e para saber o que é o sertão, basta ver os filmes de Glauber. “Arte que não faz crescer sua alma, não é arte”. Um jeito diferente de falar do “escândalo” professado por Glauber.

Fã das técnicas do russo Stanislavski, Domingos diz que representar é o jogo da imaginação, que é preciso ser uma pessoa que você não é. Para ele, o cinema é mais próximo do realismo; no teatro o ator precisa mais do que técnica. “Tenho muito respeito pelos atores, embora sejam uns chatos” completa sorrindo, lembrando que para ser escritor, foi preciso ser também ator e diretor.

FINANCIAMENTO – FILMES BOAA
Não tem jeito, o orçamento influencia na estética de um filme, não dá pra fazer cinema sem dinheiro. No teatro ainda dá para adaptar, reduzindo elenco, cenários. Mas, Domingos acredita que o filme bom é o filme barato, onde se pode trabalhar de forma independente, por isso lançou em 2005 o manifesto do filme BOAA – Baixo Orçamento e Alto Astral. Dá como exemplo seu filme Juventude, que foi unanimemente elogiado e premiado em festivais, custou 800 mil reais, teve 18 mil espectadores. Mas... o filme “global” Se eu Fosse Você 2, vendeu 6 milhões de ingressos. “Se o filme não tem um grande orçamento e atores da Globo, fica no gueto do Estação”, diz ele, referindo-se ao circuito que acolhe os filmes de arte.

No momento em que fervilham as discussões sobre a Lei Rouanet, Domingos prega que o destino do cinema brasileiro deve pertencer ao governo brasileiro, não pode ser terceirizado. E que só deveriam ser feitos filmes bons, especialmente quando se tem em mente o mercado externo, onde só tem vez o filme de arte.

Domingos já desistiu da bandeira das obras prontas: em vez de financiar obras a serem feitas (projetos), o governo deveria pagar pelas obras já realizadas. Em vários países o sistema é esse, inclusive na Argentina – onde o cinema vai bem, obrigado. Na terra dos hermanos, o autor recebe o que gastou e mais uma quantia para finalizar o trabalho. Aqui, filme pronto não pode concorrer para financiamento algum, lamenta o artista.

PROCESSO CRIATIVO - A Terra das Peças e Filmes Prontos
“Roteiro é a forma mais complexa de literatura, só autor/diretor entende”, diz ele. Famoso por mudar diariamente seus textos, levando seus atores à beira da loucura (“mas eles acabam compreendendo e respeitando”), Domingos acredita que a obra deve ser assim, reconstruída a cada dia. O diretor não pode planejar. Planeja apenas a intenção. Ele acredita que qualquer ator lê bem um texto. Se o resultado não é bom, é porque o texto está ruim. Mas não se trata de um processo de decorar, mas de entender o que está escrito.

Domingos trabalha diariamente, de manhã à noite; é muito produtivo. Atualmente tem duas peças em cartaz: Confronto e Apocalipse segundo Domingos Oliveira. Sobre esta produtividade, revela um segredo, uma lei que segue religiosamente: terminar tudo que começa. E produz muito também porque acredita que há coisas – inclusive de sua vida - que é preciso contar. Como na peça Confronto onde, segundo ele, há a necessidade de compartilhar o que diz Luiz Eduardo Soares (autor de A Elite da Tropa): a violência tem solução.

Dá a “receita” de seu processo criativo: escreve tudo que vem à mente, escreve com as mãos, não com a razão. Ele chama estes escritos de “material indomável”. Depois, tenta organizar. Se tiver conhecimentos técnicos, ajuda, mas não resolve, avisa. Num determinado momento, aquilo vira algo racional e fica muito ruim. “O escritor vira uma arrumadeira”, diz ele. Mas é preciso insistir, até o instante em que os personagens começam a adquirir vida própria e a traçar seu próprio roteiro. Tudo vem da “Terra das Peças e Filmes Prontos”, onde todas as obras estão, aguardando quem as resgate, afirma ele, com a maior convicção.

Para fazer Do fundo do lago escuro, escrito após ser dispensado da TV, cercou-se de fotos da infância e iniciou uma viagem por todos os detalhes ali impressos. A tarefa foi facilitada porque tinha ainda, por contrato, três meses de salário garantidos. Pôde assim mergulhar naquele universo e chegou ao ponto de ouvir vozes, tal o alheamento do mundo que o cercava. “Teatro e cinema são atividades irracionais, vêm do inconsciente”, afirma ele.

Atualmente, Domingos vem tentando se concentrar num trabalho só, para não haver dispersão. Seu próximo filme, Inseparáveis,, é uma continuação da história do casal de Separações. No teatro, pretende remontar Do fundo do Lago Escuro. A peça já teve outras montagens, mas nunca dirigidas por ele, que sempre teve dificuldade de encontrar atores que pudessem representar seus pais. Agora, está definido: Priscila Rosenbaum fará a mãe (já que hoje tem a idade dela, na peça) e ele, Domingos, fará a avó.


BLOG e TV
Espertamente, Domingos criou em seu blog duas partes: atualidades (onde fala do que acontece) e memória (onde fala do que já foi). Estas duas partes vão se encontrar, em algum momento e aí, diz ele, “terei o rascunho de minha autobiografia”. O blog traz também o que ele chama de “legado”: idéias que concebeu, mas, segundo ele, não terá tempo para desenvolver.

Falando de seu programa Swing (canal Brasil), que estreou em abril, lamenta que só casais que estão bem é que dão entrevista, mas, por outro lado, diz que “é bom ver o amor nos olhos deles”. O programa tem um formato especial: ele entrevista a mulher e Priscila Rosenbaum (sua mulher) entrevista o homem; depois eles trocam e, ao final, conversam os quatro. O formato final vai ao ar com 25 minutos de duração.

DEUS

Ateu, este engenheiro especializado em eletricidade teórica (único do Brasil), lamenta não acreditar que possa haver algo novo após a morte (“o que vier já estou no lucro”), mas fala em Deus várias vezes, inclusive ao citar Dostoievski, por quem é apaixonado: “Deus escreve pelas mãos dele”, diz. E evoca uma frase de Goethe: "Se eu não tivesse o mundo dentro de mim ficaria cego quando abrisse os olhos”. Finalmente, define: “Deus é uma ideia poética”.

Domingos Oliveira é assim: guarda dentro dele a sabedoria de seus 72 anos e toda a paixão e coragem que normalmente se atribui somente à juventude. Aliás, JUVENTUDE... isso já é uma outra postagem....

Sala Escura - JUVENTUDE




A juventude de homens já passados dos 70, se escapa à aparência, está lá, na sua capacidade de manter acesa a chama que faz a vida ser algo que palpita e estremece - ainda que de medo, insegurança e dor – e não uma paisagem estática. “Acordar com vontade de vida”, diz a certa altura um dos personagens.

São três amigos que se reúnem para mergulhar – sem amargura – em suas histórias, seu passado, retomando o espírito de uma montagem teatral da qual participaram, há 50 anos, ainda adolescentes: A ceia dos cardeais (do autor português Julio Dantas). No balanço de suas vidas, avaliam os amores vividos e sonhados, a busca dos ideais (“melhor é ter ideais, nem que seja para perdê-los e procurar outros”), refletem sobre a diferença entre desejo e vontade e compartilham as asperezas do presente. É ficção habilmente mesclada com realidade.

Com fino humor – o que não é novidade na obra de Domingos Oliveira -, os três homens-meninos se expõem até o osso, revelando sua fragilidade e sua grandeza. Realizado no esquema BOAA (Baixo Orçamento e Alto Astral), as limitações técnicas do longa são largamente compensadas pelas atuações sinceras – destaque para o diretor teatral Aderbal Freire-Filho em seu primeiro trabalho como ator – e alguns momentos de grande beleza estética. Diálogos e silêncios são adornados por poéticas imagens do céu, nuvens que passam, um emocionante nascer do sol.

Juventude faz bem à alma e devia ser “tomado” a intervalos regulares durante a travessia que todos nós desejamos fazer: da juventude de corpo à juventude do espírito.


JUVENTUDE, de Domingos Oliveira
Com: Domingos Oliveira, Paulo José e Aderbal Freire-Filho
Brasil, 2008 – 1h15 – 14 anos

sábado, 16 de maio de 2009

SALA ESCURA - UM ATO DE LIBERDADE

Boas intenções o filme tem, não se pode negar. E boas atuações também. Bonita fotografia, ainda que explore pouco as possibilidades que as locações oferecem. Mas ver logo de cara os personagens falando um inglês com sotaque polaco-russo... dá, no mínimo, um desconforto ao espectador, pra não dizer que é um balde de água fria. Ouve-se russo, sim, o que, de certa forma, só reforça ainda mais a estranheza.

Baseado num acontecimento verídico, a história dos irmãos Bielski é uma das muitas faces pouco exploradas em filmes de guerra, no caso, a 2ª Mundial. A história dos irmãos judeus poloneses Tuvia (Daniel Craig), Zus (Liev Schreiber) e Asael (Jamie Bell) é promissora. Atingidos pela perseguição nazista, se refugiam numa floresta da Bielo-Russia, onde as adversidades, a urgência de tomar atitudes, de arriscar ou recuar, irá colocá-los em lados opostos. Unir-se à resistência russa e pegar em armas ou tentar preservar a vida de dezenas de judeus que a eles se juntam? Mas o filme é pouco ambicioso; Zwick não vai ao pote com a sede que demonstrou em Diamantes de Sangue.


A luta pela vida, de homens e mulheres perseguidos, que enfrentam o rigoroso inverno do leste europeu, a fome, as desconfianças, os bombardeios, é comovente mas não chega a fazer o coraçao do espectador bater mais forte. Há, por vezes, uma certa impressão de que procurou-se rechear o filme com passagens que poderiam ser dispensadas, até porque a duração do longa é mesmo longa (137 minutos). Mais do que o espírito, a alma da história, parece ter havido excessiva preocupação em não deixar de fora detalhes, situações vividas no dia-a-dia dos fugitivos, como se fosse parte do dever de casa. Taí o idioma inglês, fora do lugar.

Mas esses pontos negativos não devem afugentar o espectador do cinema. O filme tem seus méritos, o principal deles, abordar episódios da História pouco explorados e falar de preconceito, intolerância, ambição, fidelidade, fé... enfim, humanidade.


Um Ato de Liberdade (Defiance)
Direção: Edward Zwick – EUA, 2008

quarta-feira, 13 de maio de 2009

FALTANDO UM PEDAÇO


Quando meu irmão mais velho foi embora deste nosso mundo, há 10 anos, escrevi um poema. A poeta(*) que mora em mim é assim: desperta quando a tristeza bate na minha vidraça, e mexe comigo à noite, na cama, e pega na minha mão quando ando pelas calçadas. É como o copo que transborda, quando uma gota a mais mergulha dentro dele.

Não sei nem porque me lembrei disso hoje, talvez porque haja tantas perdas, diariamente, na insanidade das cidades grandes. Ia digitar um título para esta postagem e me veio à cabeça a linda música de Djavan. Palavras e melodia precisas pra falar dessa falta que ocupa tanto espaço dentro de nós.
Os versos de Djavan você acha nesse link: http://letras.terra.com.br/djavan/45524/.

Meu poema eu divido com vocês aqui:

As coisas parecem estar iguais
Mas elas não estão mais iguais.
Mas os livros continuam na mesinha de cabeceira,
Os ruídos da rua são os mesmos
E os supermercados continuam cheios.

Tudo parece igual
A rotina de sempre
As pessoas dentro dos ônibus
Os carros
Os celulares tocando sem parar

Tudo é igual
Mas já não é como antes
Falta uma peça no quebra-cabeça,
Falta um ladrilho no mosaico,
Falta uma pétala na flor,
Falta uma estrela na noite.
Falta algo imperceptível.

Parece que tudo é igual
Mas já não é.

(*)http://www.sualingua.com.br/01/01_poetisa.htm

sábado, 25 de abril de 2009

CAMINHANDO, PEDALANDO E PENSANDO


Sábado, sol, pós e pré-feriados. Tenho algumas resenhas de filmes para fazer e postar aqui, mas, esses dias iluminados de abril são bem propícios para uma caminhada, olhar em volta, observar as pequenas coisas que nos escapam no dia a dia. Quem tem o parque do Flamengo como vizinho – categoria de mortais na qual me incluo -, é um privilegiado. Antigamente eu caminhava, mas depois realizei o sonho antigo e, já na casa dos 40, comprei minha primeira bicicleta. Vou pedalando, vendo e ouvindo.

A aventura ciclística tem seus problemas, já que por algum motivo obscuro, são muitas as pessoas que só andam na contramão, param para conversar na ciclovia, largam seus totós sem coleira e eu, que não sou e nunca fui atleta, tenho de apelar pro jogo de cintura – e de pedais – para não atropelar ninguém. Xingo um pouco, esbravejo um pouco, dou uns conselhos, e vou em frente. Bebo a água de coco do flamenguista Mota e lá vou eu, cuidando de corpo e mente. É tanta beleza em torno, que me vem à lembrança aquele menino do conto de Eduardo Galeano, que, diante da imensidão do mar, nunca visto antes, pede ao pai: “Me ajuda a olhar”.

Assim, para nos ajudar a ver, reuni aqui algumas frases que me chegam por diferentes caminhos, algumas colhidas em textos que leio, outras enviadas por generosos amigos. Bom proveito! Boa caminhada! Boas pedaladas!

“Quando estiver fazendo planos, não esqueça de avisar aos teus pés, são eles que caminham.”
Sergio Vaz, Vira-lata da literatura, segundo ele próprio (está bem vivo!)

"A ambição universal dos homens é viver colhendo o que nunca plantaram."
Adam Smith (economista escocês 1723-1790)

"Os dias prósperos não vêm acaso; são granjeados, como as searas, com muita fadiga e com muitos intervalos de desalento".
Camilo Castelo Branco (escritor português 1825-1890)

"Precisamos sempre mudar, renovarmo-nos, rejuvenescer; caso contrário, endurecemos. Saber não basta, devemos aplicar. Desejar não basta, devemos fazer. Se cada um de nós varresse a frente do nosso lugar, o mundo todo seria limpo."
Goethe (escritor alemão 1749-1832)

"Até hoje, os grandes problemas da humanidade nunca foram resolvidos por decretos coletivos, mas somente pela renovação da atitude do indivíduo."
Jung (psiquiatra suíço – 1875-1961)

"Um livro tem que ser um machado para o mar congelado dentro de nós. A literatura só é digna desse nome quando descongela o sangue de quem lê."
Franz Kafka (escritor tcheco 1883-1924)

quinta-feira, 16 de abril de 2009

SALA ESCURA – SINÉDOQUE, NOVA YORK

Charlie Kaufman já provou que tem uma mente brilhante como roteirista de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (dirigido por Michel Gondry) e Quero ser John Malkovich (de Spike Jonze). Histórias intrincadas, onde real e imaginário se cruzam num labirinto de sensações, é sua marca. E já roteirizou a si próprio em Adaptação (também de Jonze), em que Nicolas Cage, em papel duplo, vive o atormentado roteirista e seu alienado irmão gêmeo.

Era de se esperar, portanto, que Sinédoque, Nova York, que estréia esta semana, fosse um bom filme, ainda que complexo. Mas Kaufman, em seu primeiro (e possivelmente último) trabalho como diretor, erra feio. São duas horas que se arrastam, difíceis de suportar, mesmo para o mais fanático cinéfilo. Se era desconforto, fastio e mesmo nojo que ele pretendia impor à platéia, acertou em cheio.

Philip Seymour Hoffman vive, com a competência habitual, Caden Cotard, um diretor de teatro hipocondríaco, em crise com a mulher – artista plástica – e consigo mesmo, numa atmosfera onde tudo está se degradando, está em decomposição, a começar por seu próprio corpo, acometido das mais variadas enfermidades. Uma metáfora interessante, como os primeiros 15 minutos do filme.

Sinédoque é uma espécie de prima da metonímia, figura de linguagem em que se substitui uma palavra por outra, com a qual guarda alguma relação. Na sinédoque, ensina o dicionário, usa-se o todo pela parte, ou vice versa, como na expressão “ele fugiu nos cascos do cavalo”. Incumbido de escrever sua primeira peça, Cotard mistura sua vida pessoal com a de seus personagens, colocando em cena atores que reproduzem sua patética e angustiada existência. Seu domínio sobre os atores vai se diluindo, como se ele abdicasse da tarefa de tomar decisões, de dar rumos à peça e à sua vida – fugindo à responsabilidade daí decorrente. É uma interminável seqüência de delírios, num misto de pleonasmo com hipérbole, que faz o espectador ansiar pelo desfecho. As partes do todo que Kaufman joga na tela não resultam numa obra com fluidez, ao contrário, dá voltas em si mesma.

O material publicitário do filme revela que Kaufman levou dois anos para concluir o roteiro (que originalmente seria filmado por Jonze) e que costuma incluir em seu trabalho dezenas de ideias, tudo o que pensa e sente. Taí: o mingau desandou, azedou, como o leite que bebem no filme. Nas mãos de outro diretor, a “via crucis” de Cotard renderia um filme interessante, daqueles que surpreendem o espectador a todo o momento. Mas o filme que Kaufman dirigiu, para ser suportável, poderia render, no máximo, um curta de uns 15 minutos.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

CORAÇÕES E MENTES*

Sempre que vejo/ouço algo sobre vítimas de violência, um pensamento me vem à cabeça: há uma mãe, na sombra, seja da vítima ou do algoz, com o coração sangrando. O Jornal do Brasil, do domingo 29/03/09, traz na primeira página a manchete: “Uma cidade para corações fortes”. A matéria fala dos traumas físicos e psicológicos que persistem por anos nas pessoas que passam por situações de violência. E eu acrescentaria às situações vividas, aquelas imaginadas, sob o estado de tensão constante em que permanecemos, especialmente quando os filhos estão fora de casa.

A matéria vem a partir de uma pesquisa comandada pela psiquiatra Vera Lemgruber, da Santa Casa de Misericórdia. Sob o nome “Correlação entre transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), luto materno e distúrbios cardiológicos”, o estudo radiografa o corpo de quem suporta tais cargas emocionais, expondo os danos causados à saúde. Entre os sintomas, há os que simulam infarto agudo do miocárdio. Isso acontece, revela a médica, porque as pessoas não apenas relembram aquela situação trágica, mas ela é revivida dentro do próprio corpo. É uma ciranda de dor.

Na véspera (sábado 28/03), fui ao Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF) ver as exposições que estão aí na Agenda da Tecelã. E percebo que uma coisa entra pela outra e pela outra.

. P.A.F. – PERFURAÇÕES POR ARMA DE FOGO


P.A.F. pede corações fortes (a placa na porta avisa que não é indicada para menores de 16 anos). Trata-se de uma instalação, dolorosa, mas de grande delicadeza, sobre a juventude interrompida por disparos de arma de fogo, fato tão comum nessa cidade de São Sebastião, ele também perfurado, não por balas, mas por flechas (os projéteis do século III). Lendo a matéria de Leonardo Lichote, do dia 12/03/09, em O Globo, ficamos sabendo como surgiu o interesse da fotógrafa francesa Aude Chevalier-Beaumel pelo tema e das dificuldades – com traficantes e polícia – que enfrentou para realizar o trabalho: fotos e depoimentos sobre as vítimas, que, em forma de texto, integram a exposição.

A primeira imagem é a reprodução de um cartão postal com a foto de uma menina no leito de morte, um costume das famílias francesas para noticiar o falecimento de alguém. A partir da descoberta deste costume, e convivendo com as notícias diárias de mortes de jovens no Rio, Aude buscou contato com as famílias vitimadas pela violência, ainda na porta do Instituto Médico Legal (IML).

Para alguns, parecerá mórbido ou de mau gosto, mas há leveza, doçura e respeito no trabalho de Aude. Melodias de ninar tentam nos consolar, como se aqueles jovens estivessem apenas dormindo. As fotos de seus rostos, emoldurados por flores, tocam fundo no coração, chamam lágrimas guardadas, mas são um tributo a esses meninos e meninas pobres, anônimos, levados por esse turbilhão de insanidade que varre nossas cidades.

A autora – e certamente quem visita aquela sala imersa na penumbra, com fios de pérolas pendendo do teto – pretende que autoridades passem por ali. Talvez aquela atmosfera os leve a repensar suas políticas públicas.

. ABI – 100 ANOS DE LUTA PELA LIBERDADE



No andar térreo, uma exposição que pode fazer rir: charges de mestres como Aroeira, os irmãos Caruso, Veríssimo, o menino João e muitos outros celebram os 100 anos da ABI. Traços certeiros sobre a eterna busca pela liberdade de imprensa. Aparentemente opostas, as duas exposições, na verdade, falam de coisas semelhantes.
Uma imprensa amordaçada pela censura ou subjugada pelo poder econômico é um órgão doente no corpo da sociedade, tal como é a política de extermínio, o sistema penal apodrecido, a educação deficiente, o estímulo ao consumismo sem limites, ao egocentrismo e ao culto do corpo como finalidade máxima da existência humana.

Todos são ingredientes para uma receita que envenena, mata. Vemos uma parcela da juventude crescer à margem dos direitos básicos (saúde, educação, lazer, apoio, segurança de um lar) ou aquela imbecilizada pelos meios de comunicação, incapaz de desenvolver qualquer senso crítico e, assim, promover qualquer transformação na sociedade.

Deste modo, os artistas criadores das charges que nos fazem rir, ainda que um riso amargo, miram com seus lápis e pincéis na liberdade de expressão e acertam em cheio no direito à vida que os jovens de P.A.F. não tiveram.

. CCJF - CENTRO CULTURAL DA JUSTIÇA FEDERALA vantagem de ir a esses locais é que, mesmo se as exposições não tocarem nossos sentidos, o espaço já vale a visita. Para dar um respiro em tema tão forte, fotos do CCJF. Desejando que haja sempre CULTURA, que haja sempre JUSTIÇA.



*Hearts and Minds – é um documentário de Peter Davis (EUA-1974), que tem um olhar questionador e de denúncia sobre a participação norte-americana na guerra do Vietnã (1965-1973), dando inclusive voz aos vietnamitas. Veja mais em: http://www.adorocinema.com.br/filmes/coracoes-e-mentes/coracoes-e-mentes.asp