domingo, 4 de setembro de 2022

ÁGUA : DIREITO HUMANO AMEAÇADO (1)

 Desde 2010 o acesso à água limpa e segura e ao serviço de saneamento básico fazem parte dos Direitos Humanos, reconhecidos como tal por resolução da ONU, de 28/07/10.   Até então, o direito à água era entendido como necessidade humana básica. A resolução da ONU coloca em outro patamar e dá maior visibilidade a um tema fundamental, levando o assunto para além das discussões de urbanistas e ambientalistas.

 Alguns países, como Equador (2008) e Bolívia (2009), foram mais longe e, antes mesmo da ação da ONU, estenderam o direito à água a outros entes, como a própria Natureza e a Mãe Terra, fazendo-o constar em suas respectivas Constituições. A Constituição Brasileira de 1988 estabelece alguns direitos sociais, como saúde, educação, moradia e outros, mas não faz menção à água e saneamento especificamente. 

Salto Barão do Rio Branco - Prudentópolis-PR - set.2021

Conforme números de 2020 do portal do SNIS, 84,1% da população brasileira têm acesso à água encanada, já o acesso a saneamento básico não passa de 55% e apenas metade deste volume é de esgoto tratado. E o desperdício é imenso: cerca de 40% do volume de água tratada se perdem durante o abastecimento, e não é de hoje. Em matéria no site Vozerio, de 2015, o professor Paulo Canedo, da Coppe/UFRJ, já alertava sobre essas perdas.

 No século 20, segundo dados da Unesco, o consumo de água no planeta aumentou seis vezes, duas vezes mais do que a população. Fatores como crescimento da atividade industrial e especialmente do agronegócio contribuíram para esse salto. O recente Relatório mundial das Nações Unidas sobre desenvolvimento dos recursos hídricos 2021 aponta que “a agricultura é responsável por 69% das retiradas de água em âmbito mundial, que é usada principalmente para irrigação, mas também inclui a água para rebanhos bovinos e aquicultura. Essa proporção pode chegar a 95% em alguns países em desenvolvimento”, como é o caso do Brasil. Contudo, prossegue o Relatório, a agricultura é responsável por apenas cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, indicando que “o valor agregado do uso da água na agricultura é muito baixo”. O relatório informa ainda que a indústria – incluindo o uso e a geração de energia – é responsável por 19% do uso da água.

 Em 2019 a Agência Nacional de Águas (ANA) publicou o Manual de Usos Consuntivos da Água no Brasil no qual prevê que o consumo de água no país deve crescer 24% até 2030. Já um estudo do Instituto Trata Brasil mostra que o Novo Marco Legal do Saneamento, aprovado em 2020, não teve efeito significativo sobre o acesso da população à água potável ou aos serviços básicos de saneamento. Considerando-se um universo de 215 milhões de habitantes e os percentuais apontados pelo SNIS, os brasileiros que ainda vivem sem água tratada somam 35 milhões e outros 100 milhões não são atendidos pela coleta de esgoto. 

A pandemia de Covid, que circula pelo planeta desde 2020, expôs de modo contundente como este direito fundamental não é respeitado em muitos países, especialmente nos mais pobres. Relatório do Unicef, de outubro de 2020, apontou que apenas três em cada cinco pessoas em todo o mundo têm instalações básicas para a lavagem das mãos e que três bilhões de pessoas, ou 40% da população mundial, não têm lavatórios com água e sabão em casa. O Estado do Rio reflete esta triste estatística: durante a Semana do Meio Ambiente, realizada pela UFRJ em junho último, Guilherme Pimentel, Ouvidor Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio, relatou que, durante a pandemia, uma das demandas que o órgão mais recebeu foi sobre a falta de água nas residências e a impossibilidade de manter os cuidados preventivos mínimos contra a doença.

Painel Exposição H2O, ArteSesc Rio, 2009

Se nas áreas urbanas de metrópoles como o Rio de Janeiro o acesso à água limpa é deficiente, no Norte e Nordeste do país a situação é grave, especialmente no semiárido.  O programa de construção de cisternas foi fortemente afetado pelo corte de verbas nos últimos anos e, segundo a rede ASA Brasil (Articulação Semiárido Brasileiro), 350 mil famílias não têm sequer água para beber, dependendo dos caminhões-pipa. De tecnologia simples e eficiência reconhecida pelo Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), as cisternas do semiárido vinham possibilitando às populações daquela região não apenas o acesso à água para consumo próprio, mas permitindo a agricultura, a criação de animais, de modo sustentável e gerando emprego e renda. 

Políticas públicas pensadas em conjunto com a sociedade civil, incluindo informação e educação de qualidade, ensino de técnicas de tecnologia social, aproveitamento de recursos locais, qualificação de mão de obra, devem ser pontos fundamentais em qualquer plano de governo - seja nacional, estadual ou municipal – que esteja verdadeiramente engajado na preservação e restauração do meio ambiente e, por conseguinte, no respeito à natureza, no cuidado com a saúde e dignidade de seu povo.

Nenhum comentário: