Pra começar esta conversa, é bom lembrar que o termo “cultura” não
se restringe apenas ao campo das artes, sendo hoje utilizado de modo mais
amplo. De fato, a cultura perpassa todas as ações do ser humano e é o que lhe
confere a condição de “humano”[1].
Originário do verbo latino colere, o termo cultura carrega os
sentidos de “cultivo ou cuidado”. Cleise Campos diz que, de modo abrangente, o
termo referia-se ao cuidado com tudo aquilo que estivesse ligado aos interesses
do homem, de natureza material ou simbólica. “Para a manutenção desse cuidado
era preciso a preservação da memória, e a transmissão de como deveria se
processar esse cuidado, daí o vínculo com a educação e o cultivo do espírito”[2].
Este conceito foi sendo ampliado a
partir do século XVIII, acompanhando as transformações histórico-sociais. Jesús
Martín-Barbero vê na cultura um campo de batalha política, um cenário que
“exige que a política recupere sua dimensão simbólica – sua capacidade de
representar o vínculo entre os cidadãos, o sentimento de pertencer a uma
comunidade – para enfrentar a erosão da ordem coletiva”[3].
No Brasil, o direito à cultura é
garantido pela Constituição de 1988. O artigo 215 prevê que caberá ao Estado
garantir a todos “o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes
da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais”. No artigo 216 são listados os itens que compõem o
patrimônio cultural brasileiro, tanto de natureza material como imaterial,
havendo referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira.
Cleise Campos destaca que as políticas
culturais devem trabalhar a cultura como fator de desenvolvimento, estando
atentas às múltiplas manifestações clássicas, eruditas, populares,
profissionais e experimentais existentes numa mesma sociedade. Deste modo, se
favorece a transmissão de conhecimento e se estimula a criatividade coletiva.
Felizmente, tem sido cada vez mais frequente a aproximação entre setores
populares, movimentos sociais, lideranças comunitárias e o meio acadêmico,
artistas e intelectuais, gerando parcerias que buscam a integração das culturas,
e não a substituição de umas pela outras. As escolhas dos indivíduos quanto ao
que consumir são mais livres e conscientes na medida em que esses indivíduos
têm mais informação sobre o acervo existente. Afinal, não se pode gostar e
desejar o que não se conhece e não se pode buscar conhecer algo cuja existência
se ignora.
Nesta
perspectiva, as ações e políticas culturais assumem um lugar de relevância. Lia
Calabre observa que há um movimento de valorização e institucionalização do
papel da cultura nas sociedades, de modo global. Este movimento, aliado a um
panorama de constantes inovações tecnológicas, demanda ações dos governos na
área cultural. Os processos culturais despontam não apenas como geradores de
renda, mas também “como elementos fundamentais na configuração do campo da
diversidade cultural e da identidade nacional”[4].
Ao longo
da História do Brasil, percebe-se não só a inadequação, mas também a
descontinuidade das políticas culturais, desde a chegada da Corte Portuguesa. Nos
períodos seguintes, este panorama não se modificou muito, havendo mesmo
retração nos investimentos para a área cultural. Na segunda metade do século XX
as políticas públicas ganharam força no embate entre sociedade e Estado, sendo
“transformadas em locus de exercício
do poder social e político”[5].
No Brasil, este protagonismo foi um tanto tardio, fazendo-se notar nos últimos anos,
especialmente durante a gestão de Gilberto Gil à frente do Ministério da
Cultura. Mas um panorama mais promissor vai se delineando e finalmente temos um
Plano Nacional de Cultura[6].
Num momento em que
muito se fala sobre processos de inclusão (e acrescento a socialização e a
ressocialização), uma atitude fundamental é repensar as práticas de consumo,
privilegiando bens cujo valor simbólico não seja para ressaltar a “distinção”[7] e
reforçar as diferenças de classes definidas pelo poder econômico, mas, ao
contrário, para que se constituam como capital cultural gerador de
conhecimento, ampliando oportunidades de inserção e mesmo protagonismo social.
Uma transição que chamo de travessia do shopping
center ao centro cultural.
[1] RODRIGUES, J.C. Comunicação e
Significado: Escritos Indisciplinares. Rio de Janeiro: Mauad X:Ed.PUC-Rio,
2006
[2] CAMPOS, C. Cultura e Política Cultural.
Seminário Permanente de Políticas Públicas de Cultura do Estado do Rio de
Janeiro, (Decult SR3 UERJ & Comcultura), 2010.
[4] CALABRE, L. Políticas Culturais no Brasil: História e
contemporaneidade. Coleção Textos Nômades no.02. Fortaleza: Banco do
Nordeste do Brasil, 2010, p.21
[5] SPOSATI, A. A fluidez da exclusão e da inclusão.
Ciência e Cultura, vol.58. São Paulo, 2006. http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252006000400002&script=sci_arttext
[7] BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento.
São Paulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk, 2008. http://pt.scribd.com/doc/48995190/BOURDIEU-Pierre-A-distincao-critica-social-do-julgamento
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