Assumindo que a exclusão não se
liga apenas ao fator econômico, ainda que este seja um aspecto fundamental,
podemos dizer que não é exclusivamente pelo consumo que se
combate a exclusão social. Em vista disso, quando se pensa em igualdade,
cidadania, direitos, inclusão, não basta, por exemplo, invocar a
ascensão de milhares de brasileiros de uma classe social para outra, como tem
sido amplamente noticiado pela mídia e divulgado pelos órgãos governamentais
nos últimos anos. As pesquisas indicam que a classe média cresceu e está
consumindo mais[1],
mas entendemos que não é o suficiente aumentar o poder compra dos
indivíduos se nesta cesta de produtos não costumam estar bens culturais
diversificados. Incluir não significa apenas dar acesso ao consumo – ainda que
este seja também um modo de inclusão, como defende Nestor García Canclini (1997)
-, pois este não é suficiente para promover a igualdade social plena. Como observa o
sociólogo Octavio Ianni, “a mesma sociedade que fabrica a prosperidade
econômica fabrica as desigualdades que constituem a questão social” (Ianni, apud Fernandes, 2010, p.36).
A exclusão persiste se o que se dá a
essa nova classe média são produtos de segunda categoria, sejam os bens de
consumo, sejam os bens culturais, ou produtos de cultura de massa mascarados de
cultura popular. Segundo Stuart Hall, a cultura popular quando é mercantilizada
e estereotipada (como acontece com frequência), não constitui “a arena onde
descobrimos quem realmente somos, a verdade de nossa experiência. Ela é uma
arena profundamente mítica. É um teatro de desejos populares, um teatro de fantasias
populares”. (Hall, 2003, p.348). Deste modo,
aqueles indivíduos não estarão realmente incluídos se não lhes são conferidas
as mesmas oportunidades de escolha e a capacidade de avaliar criticamente o que
lhes é oferecido.
Na lógica capitalista, a atribuição
de valor aos bens e produtos segue parâmetros arbitrários, altamente variáveis,
criando um ambiente de instabilidade e insegurança[2].
O que hoje vale muito, amanhã pode ser inútil. Jürgen Habermas, já na década de
1960, entendia que as leis de mercado se infiltram na substância das obras.
Segundo ele, essas leis extrapolam a publicidade, a apresentação da embalagem,
de modo que a criação das obras “se orienta, nos setores amplos da cultura de
consumo, conforme os pontos de vista da estratégia de vendas no mercado” (Habermas,
apud Rüdiger, 2008, p.139). O
panorama contemporâneo revela o quanto “o capitalismo rompeu os limites da
economia e penetrou no campo da formação da consciência, convertendo os bens
culturais em mercadoria” (Rüdiger, 2008, p.139). Exemplos disso são os filmes
que ocupam a maioria das salas de cinema, onde prevalece um tipo de produto
nitidamente focado no lucro financeiro e preocupado mais com o mercado do que
com a arte, a criatividade, a diversidade, a reflexão. São obras que vêm
acompanhados por maciça propaganda, tendo seus custos aumentados
exponencialmente devido às verbas destinadas à publicidade do próprio filme e
de uma série de produtos que vêm na esteira de seu lançamento nas salas de
cinema.
Edgard Morin (2009) também observa uma estreita relação
entre a cultura de massa e o capital, já que aquela supervaloriza o consumo
ligado às promessas de lazer como fuga do cotidiano, de juventude permanente,
de felicidade instantânea. Para Morin, são como mercadorias ou bônus que
ganhamos ao comprarmos este ou aquele produto, havendo uma projeção do sujeito
em figuras mitológicas: é o homem sobre-humano envolvido pelo sentimento de
“olimpianismo”.
[1] Consumo da classe C cresce sete vezes desde 2002. Matéria de 17/12/10,
disponível em:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2010/12/101217_classec_consumo_jf.shtml - acesso em 17/03/2011. O filme Família Braz – Dois Tempos (Arthur
Fontes e Dorrit Harazim) é um retrato desse crescimento e das escolhas que são
feitas ao se consumir.
[2] Em 2008, a quebra do banco de
investimentos Lehman Brothers desencadeou uma grave crise econômica que teve
reflexos em várias economias mundiais. http://noticias.r7.com/economia/noticias/relembre-o-comeco-da-crise-economica-de-2008-ha-3-anos-banco-lehman-brothers-quebrou-20110915.html
- acesso em 25/10/11.
Em 2011 nova crise afeta vários países, inclusive alguns cuja economia era
considerada sólida (como Irlanda, Itália e França) e em Nova York (EUA)
protestos levaram milhares de pessoas a ocupar Wall Street (ver movimento
Occupy Wall Street - http://occupywallst.org/) – acesso em 15/10/11
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