domingo, 7 de dezembro de 2008

RIO DE PAZ, POSSÍVEL AINDA? (1)


Há duas semanas acontecia na sede da ABI um Fórum de Segurança Pública e Cidadania, promovido pelo movimento Rio de Paz. Acompanhei parte do encontro. O presidente do movimento, o teólogo Antonio Carlos Costa, trouxe os fatídicos números da violência. São homicídios dolosos, desaparecidos, feridos. Para Antonio Carlos, não há como discutir qualquer avanço nessa área sem discutir antes o direito à vida. Ele afirmou que espera para 2009 uma ampla mobilização popular, pressionando o governo para que esses números despenquem. O público reduzido não correspondia a esta expectativa. Tudo bem, mobilização, hoje, se faz também no mundo virtual, mas periga acontecer o que o Bispo Robinson mencionou em sua fala, já no período da tarde: há muita elaboração que não é posta em prática. Não podemos esperar que o Pronasci e projetos como o Território de Paz, lançado pelo Presidente Lula há dois dias, sejam ações milagrosas.

Pacto Social
O Coronel Mario Sergio de Brito Duarte há 28 anos lida com segurança pública. Foi comandante do Bope. Jaqueline Muniz é doutora em Ciência Política, antropóloga. Coube a eles falar de Pacto Social. Suas falas não se cruzam, mas podem revelar diferentes ângulos de uma situação, ambos importantes: a visão de quem está dentro e a visão acadêmica de quem pesquisa. O oficial da PM fez uma retrospectiva da escalada da violência no estado, agravada após os anos 1980, com a disseminação do consumo de cocaína. Ele não gosta de falar em “crime organizado”, prefere “crime coletivizado” e vê cada facção como uma sub-nacionalidade. Lembrou que as vozes da ciência foram caladas por vários anos, só voltando a se manifestar após o fim do regime de exceção. E afirmou que a desigualdade social é fator essencial do crime.

O coronel descreveu o que chama de conflito urbano armado: envolve pessoas coletivamente em áreas urbanas, com artefatos, condutas e táticas de guerra, grande número de mortos, mutilados, desaparecidos; segue uma ideologia que não é revolucionária, política, mas de facção, que tem a idéia de soberania de territórios. Ele usou a expressão “idéia de pertencimento”, muito citada por estudiosos do tema. O jovem, muitas vezes desprovido de educação, apoio da família e, principalmente, perspectivas, busca uma identidade, um grupo. E o tráfico está ali, à espera, pronto para fazê-lo sentir-se o rei da favela.

Duarte defende a presença, moderada, das Forças Armadas na repressão ao narcotráfico e vê como uma das soluções a retomada pelo Estado dos territórios ocupados pelo crime. Entende como necessária a parceria do Estado com a iniciativa privada, as igrejas, o terceiro setor e também a libertação psicológica das comunidades e a implementação de uma cultura de paz. Ele questiona e considera complexa a proposta de um Pacto Social, que, para ele, soa hermética e dá a idéia de um comportamento sem questionamentos.

Jaqueline é uma metralhadora falante. É preciso algum tempo para digerir e organizar na mente o que ela diz. “Um mundo sem liberdade não precisa de polícia. Numa sociedade livre, democrática e plural, como sustentar a ordem pública?”, pergunta ela. Traça um contexto histórico, um mundo pré-sociedade, marcado pela desconfiança, incerteza, onde não havia pacto algum, apenas a posse, com cada um querendo se proteger, se armar mais que o outro, acreditando que a qualquer momento seria atacado. Um mundo de individualismo. Ela falava de pré-sociedade, mas isso não soa familiar?

Entretanto, acrescentou ela, os mecanismos de proteção geram mais insegurança e os recursos são finitos. O pacto é essencial, acredita Jaqueline, pois no mundo precário da posse, como ela não tem o consentimento do outro, recorre-se ao terror. A etapa seguinte é o dano social, a eliminação do estado de direito. “Para policiar é preciso pacto”, disse ela, enfatizando que quanto menor o consentimento, menos eficaz é a polícia. Segundo ela, a repressão é necessária, mas deve ser a menor possível; antes dela, vêm a auto-regulação, prevenção, dissuasão. Destacou ainda que as ações policiais se inserem no campo da segurança pública, mas nem todas as ações de segurança pública são de competência da polícia. Sem uma política pública clara nada funciona, pois não se sabe que modelo seguir, afirmou.

Num ponto os discursos de Jaqueline e Duarte se tocam. “A polícia não atua sobre comportamento, ela altera as oportunidades; intervém sobre as atitudes e não sobre as trajetórias”, disse ela. Já o coronel usou a equação: delito = desejo de delinqüir + oportunidade, destacando que é sobre este último que a polícia atua. Ele afirmou que por muitos anos o governo federal não se importou com segurança pública e que policiais bem preparados não se formam de uma hora para outra. Duarte entende que os modelos de participação da polícia dentro da sociedade devem ser renovados e melhorados.

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