domingo, 7 de dezembro de 2008

MATHEUS DA MARÉ, 8 ANOS

A Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 60 anos este mês. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou 18 em julho. Matheus mal chegou (ou nem chegou) aos oito. Um tiro de fuzil interrompeu sua história. As fotos estão nas primeiras páginas. Dentro da pequena mão, uma moeda de um real.

Quanto vale a vida de Matheus? E de tantos outros: crianças, jovens, adultos, idosos, civis, fardados? Nomes que viram números, estatísticas. São dados numéricos, fotos de mães lancinadas pela dor. E o sangue escorre.

Uma mensagem chega pela internet, vinda da Maré e retransmitida por grupos virtuais: “Menino de 8 anos morre na Maré, a polícia o matou, moradores estão revoltados com essa situação, já é o segundo q morre essa semana. O corpo está lá com o dinheiro do pão na mão. precisamos de um advogado, é urgente! Nos ajudem, por favor!”. Ao final, um número de celular. Quanto desespero, quanto desejo de solidariedade!

Horas mais tarde, outra mensagem chega ao grupo virtual. É Silvana Sá, uma jovem mãe, jornalista. O nome é familiar, a conheci num curso há poucos anos. Ela escreve: “O fotógrafo Naldinho Lourenço, da Maré, fez a cobertura da trágica morte do menino Matheus e também do sepultamento.[...]. Que Estado é esse, que desrespeita o mais fundamental direito, que é o direito à vida? Que política de segurança é essa que extermina as camadas mais pobres da sociedade, que considera cidadão apenas as pessoas provindas da classe média pra cima?”.

Aqui, querida mãe e colega, eu diria, não minimizando a tragédia da Maré, mas com alguma lucidez de quem está mais distante: os mais pobres são, sim, os mais atingidos por este estado de coisas, devido a sua vulnerabilidade, mas a insanidade, a irresponsabilidade das autoridades tem atingido a todos. Crianças são baleadas nas favelas e dentro dos carros de seus pais. Todas igualmente únicas para suas famílias e para a sociedade. Todas preciosas. É a socialização do horror.

E ela prossegue: “Olhar as fotos que foram publicadas no site Viva Favela é ter uma pequena dimensão da dor e do choque sofrido por todos nós [ ..].O desejo agora é que esse pequeno anjo esteja num lugar livre da dor, livre do medo do tráfico, do medo da polícia, do medo da milícia. Desejo de que essa mãe não sucumba à dor [...]. Sabemos que ficarão para sempre os sons de suas gargalhadas, de suas bagunças em casa... mas também o som daquele único disparo que matou impiedosamente aquela criança. [...] sou moradora de comunidade, estava lá ontem, tenho um filho de 4 anos - o meu bem mais precioso - e não consigo imaginar o que seria de minha existência sem a existência dele.”

Leio, em outra mensagem, uma entrevista com o presidente da Associação de Moradores da Baixa do Sapateiro, Charles Guimarães, que diz: “a ONG Uerê e a associação de moradores estarão juntos nessa luta”. A Uerê é um projeto de Yvonne Bezerra de Mello, aquela que socorreu os meninos vítimas da chacina da Candelária (1993). Lembro-me de, na época, ver sua imagem acolhendo os meninos, dando-lhes o colo que talvez nunca tenham tido. E ouvi comentários do tipo: “ela deve ser meio maluca...essas madames deviam procurar algo melhor para fazer...” Ah! se tivéssemos mais Yvonnes na administração pública, talvez ontem Matheus tivesse comprado seu pão em paz.

Mas erguem, por exemplo, uma Cidade da Música, superfaturada, quando a “música” que freqüentemente ecoa na cidade são tiros, gritos, choro, lamento. E ignoram que nas calçadas uma legião de pessoas faz sua moradia. E não me venham dizer que segurança pública não é assunto municipal. É de todos os governos, de todo cidadão.

Não há vencedores nessa batalha. Todos nós somos perdedores. Cada um com seu prejuízo: psicológico, material, social, econômico, moral... O policial que atirou também é um perdedor, e não estou partindo (apenas) de uma visão espiritual, religiosa. Uma testemunha disse que viu um PM em prantos e repetindo “Matei uma criança”. A chefia da Polícia diz que houve troca de tiros, mas os olhos do oficial não encaram o repórter ou a câmera ao dar a declaração. As evidências no local não ajudam a versão da PM. E uma reflexão a respeito do palco de guerra em que nossa cidade se transformou também reforça a versão de que o policial realmente atirou na criança.

Mas, ele atirou na criança ou numa suposta ameaça que julgava estar atrás daquele portão? Não, não me condenem por me compadecer também deste policial. Pode ser um frio assassino, indiferente à vida humana? Sim, pode ser. Mas pode ser um profissional despreparado, desequilibrado, destroçado psicologicamente. Será que ele tem filhos? Esposa? Mãe?

Não, não estou aqui defendendo a política de segurança que mete o pé na porta. Ela é abominável e rejeitada por policiais escrupulosos (veja artigos abaixo). Defendo apenas que se olhe o todo, o entorno, o cenário surreal que tomou conta desta cidade (e de outras, infelizmente). Caso contrário, mergulharemos cada vez mais numa guerra fratricida, buscando culpados, vingança, justiça questionável e ineficaz.

2 comentários:

eli disse...

texto maravilhoso. parabéns!!!!!

Paulo Tamburro disse...

Isto está um grande samba do crioulo doido, com diria Stansilaw Ponte Preta!!!