quarta-feira, 5 de junho de 2024

PRETO – UM RIO QUE SEPARA ESTADOS E UNE PESSOAS

“O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia

Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia

Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”.

 (Alberto Caeiro/Fernando Pessoa)

 


Rio Preto em Porto das Flores, divisa RJ-MG

 Visconde de Mauá-RJ acolheu no último dia 25 de maio o III Fórum do Rio Preto. Desconhecido por muitos, o Rio Preto é protagonista de um importante, e não menos cativante, movimento da sociedade civil. Moradores de duas pequenas localidades vêm trabalhando há décadas pela preservação do rio que as divide. Porto das Flores, distrito de Belmiro Braga-MG, se liga a seu vizinho fluminense, o distrito de Manuel Duarte, no município de Rio das Flores, por uma ponte, quase centenária. Sob esta ponte, as águas do Rio Preto seguem livremente desde as nascentes até a foz, sendo, segundo os pesquisadores, uma das últimas poupanças e refúgios de biodiversidade aquática da bacia do rio Paraíba do Sul. É, por exemplo, casa do peixe surubim, espécie em risco de extinção.

Ponte sobre o Rio Preto em Manuel Duarte/Porto das Flores

O fórum, iniciativa do Comitê do Médio Paraíba, reuniu mais uma vez os ativistas dos dois distritos, bem como entidades e representantes de vários outros municípios da bacia do Rio Preto. Desde o final dos anos 1980, diante da ameaça da construção de barragens para instalação de PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) na região, vários encontros, discussões, debates, vêm sendo realizados pelo grupo, com o apoio das respectivas prefeituras. Um dos líderes do movimento é o arquiteto e urbanista Annibal Magalhães, que percorre há anos o trajeto do Preto, observando e registrando suas curvas, corredeiras, pedras, histórias.

Sede do Parque da Pedra Selada

 



Procissão de canoas (canoada) no Rio Preto em homenagem a N.Sra.Aparecida


Canoada realizada no mês de outubro










Movem estes ativistas, e todos que participaram do encontro em Visconde de Mauá, a certeza de que a preservação da biodiversidade, dos ecossistemas, o controle na exploração de recursos naturais, a proteção de nossa casa comum, enfim, é um tema que não pode mais ser ignorado em qualquer pauta que envolva políticas públicas, em especial no Brasil onde as agressões ao meio ambiente avançaram drasticamente nos últimos anos. Muito além de uma visão romântica de amor à natureza (necessário, sim), é incontestável, hoje, a importância das ações que visem proteger florestas, fauna, flora, terras, águas e o ar que respiramos. Eventos extremos se sucedem aqui e em outros cantos do mundo, destruindo, matando e fazendo soar o alerta de que nosso planeta azul não suporta mais tanta destruição.

Não cabe mais, igualmente, a alegação de que preservação da natureza, dos biomas, significa atraso no desenvolvimento, uma trava no crescimento econômico. Cabe, sim, perguntar: que tipo desenvolvimento queremos? No ranking do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que agrega ao PIB valores indispensáveis a uma sociedade, como educação e saúde, o Brasil ocupa a 89ª posição entre 193 países, com um índice de 0,760 (dados coletados em 2022). E mesmo quando há crescimento econômico, nem sempre isto se traduz em diminuição da pobreza, da desigualdade.

Um rio, muitas pontes

Ponte sobre o Rio Preto no Distrito de Três Ilhas




O Rio Preto é federal porque divide dois estados, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Ignorando solenemente as convenções políticas, suas águas vão banhando igualmente municípios fluminenses e mineiros, ora suavemente, ora exibindo corredeiras e até cachoeiras imponentes. Os moradores de ambos os lados atravessam não apenas pontes concretas, mas pontes de amizade, fortalecidas pelo amor ao rio e pela consciência de sua importância para o meio ambiente, para o chão onde nasceram, cresceram, guardam suas memórias. O rio que os separa também os une.

Os caminhos do Preto

Cachoeira da Fumaça - Resende-RJ

Cachoeira da Fumaça - Resende-RJ

Corredeiras (Foto Annibal Magalhães)

Corredeiras de Santa Rosa - Passa Vinte-MG


Rio Preto na vila de Visconde de Mauá-RJ



Passa Vinte-MG







As prefeituras das duas cidades já realizaram audiências públicas apresentando à população o estudo elaborado por técnicos que embasa a proposta de criação do MONA - Monumento Natural Municipal Corredeiras e Piracemas do Rio Preto. O estudo enumera as principais ameaças à integridade ambiental do ecossistema do rio, tais como assoreamento, extração clandestina de areia e garimpo, lançamento de esgoto e produtos químicos, destacando a maior delas: a implantação de uma sequência empreendimentos hidrelétricos (uma Usina Hidrelétrica e 11 Pequenas Centrais Hidrelétricas).

 Em contraponto às ameaças, a proposta de criação do monumento natural destaca as vantagens da preservação do Rio Preto e seu entorno, região de alto potencial turístico. O biólogo Paulo Bidegain, assessor do Deputado Estadual Carlos Minc e que dá apoio à luta dos defensores do Rio Preto, propõe que o rio seja convertido em AEIT - Área Especial de Interesse Turístico, condição prevista em lei. 



Mesa: Diálogo e articulação interinstitucional para proteção da integridade ecológica do Rio Preto, Rio Preto Livre - (direita para esquerda) Annibal Magalhães, Guilherme Souza (Projeto Piabanha), Paulo Bidegain  (Foto: Amigos de Porto das Flores)


Educação Ambiental também foi tema de debates

O Fórum, com a presença de prefeitos, gestores de unidades de conservação, de comitês de bacias, discutiu esta e outras questões vitais para a preservação do rio e toda forma de vida que ele alimenta e gera. Vários especialistas – biólogos, historiadores, urbanistas, ecologistas - apresentaram suas pesquisas. Importantes pontos e conceitos foram abordados, tais como:

 - a gestão das águas (competência federal) é também a gestão de terras (competência estadual e municipal), daí a necessidade de integrar as ações.

 - os Comitês de Bacia têm o diferencial de pensar além dos quatro anos dos mandatos dos políticos.

 - alguns rios em Minas Gerais, como o Paracatu, já desapareceram. Há necessidade de se criar um consórcio de municípios da região a fim de elaborar um projeto para saneamento que, levado a Brasília, possa sensibilizar os Deputados Federais.

 Estas e outras propostas, ideias e conhecimentos foram compartilhados durante o evento em Visconde de Mauá. No encerramento, o III Fórum emitiu uma Carta Aberta em Defesa do Rio Preto que pode ser acessada aqui.

 Como nosso assunto aqui é água, cabe lembrar que tramita na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição PEC 6/2021 que propõe incluir na Constituição Federal o acesso à água como Direito Humano, tal como aprovado por Resolução da ONU em 2010. Direito à água potável é direito à vida. Se aprovada, garantirá mais peso a demandas como as levantadas pelos guardiões do Rio Preto.

 E o Preto carrega em suas águas uma enorme responsabilidade: a de ser um corpo d’água que ainda se mantém consideravelmente limpo. É uma “pérola”, segundo seus protetores. São águas que desembocam no Rio Paraibuna e daí seguem até o Paraíba do Sul, rio que abastece cerca de 14 milhões de pessoas em quase duas dezenas de municípios, inclusive toda a Região Metropolitana da cidade do Rio de Janeiro (através do Rio Guandu).

 Vida longa ao Preto, livre, limpo, cantando suave ou rosnando nas quedas, oculto nas matas, beirando as aldeias, belo para todos que a ele pertencem, ou, como diz o poeta português, para “quem está ao pé dele”.

 

- Poema citado: "O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia", de Alberto Caeiro - RTP Ensina

 - A Associação Brasileira de Imprensa-ABI lançou em março uma campanha pela aprovação da PEC 6/2021, a PEC da água potável. ABI em campanha pela aprovação da PEC da Água Potável | ABI

 

2 comentários:

Unknown disse...

Que post maravilhoso e acalentador!!! Parabéns!!

Anônimo disse...

Que belo Fórum. Vida longa ao Preto e seus protetores!