O incêndio do prédio
Grenfell Tower, em Londres, na
madrugada do dia 15, é a face mais real e dura do que lemos nos livros, nos
artigos de jornais, vemos nas telas do cinema.
As cidades crescem e
vão empurrando para as beiradas, para as periferias - as bordas de um precipício
se não físico, mas social - aqueles que ela não quer ver por perto. A palavra gentrificação
aparece cada vez mais quando o assunto é cidades, urbanização, moradia.
O surgimento daquela
que é considerada a primeira favela carioca, no morro
da Providência, no final do século XIX, é um exemplo significativo desse
processo segregador. Seus primeiros moradores foram os soldados que combateram
na Guerra de Canudos e, ao voltarem ao Rio de Janeiro, não receberam o apoio prometido
pelo governo. A reforma urbana de
Pereira Passos, no início do século XX, levou ao aumento da população da
Providência e ao surgimento de novas favelas.
Entregues à própria
sorte, essas populações se viram submetidas a grupos particulares. O professor Jailson Souza e Silva, que
conhece profundamente esta realidade, identifica esses grupos como “pessoas com
autoridade na comunidade, lideranças religiosas ou malandros”, substituídos
depois pelas “polícias mineiras”, grupos de extermínio, traficantes, milícias.
Morro da Providência - foto de Mauricio Hora |
Há nas favelas, nos
guetos, nos bairros populares, nos grenfell
towers do mundo, como em todo lugar, potenciais fantásticos, mentes
brilhantes, que só precisam de uma oportunidade para florescer plenamente. Ou mesmo
gente comum, que quer apenas viver com dignidade e segurança, usufruir das
dádivas e do conforto do mundo. Trabalhar, estudar, namorar, realizar sonhos.
No prédio de 24
andares nos arredores de Londres moravam pessoas de baixa renda, imigrantes,
refugiados. Como tudo está no cinema, há filmes que retratam a penosa
trajetória de pessoas obrigadas a deixar sua pátria por conta de guerras,
perseguições e se asilam em países europeus. Entre eles, Coisas Belas e Sujas (2002, do
diretor inglês Stephen Frears) e Dheepan, o refúgio (2015,
do francês Jacques Audiard).
Neste último, fugindo
dos conflitos no Sri Lanka, Dheepan, Yalini e a menina Illayaal assumem
identidades falsas e entram na França como se fossem da mesma família. Sem
falar a língua local, ele consegue trabalho como zelador e ela como empregada
doméstica, no condomínio de classe baixa onde vivem. Yllayaal começa a estudar
francês e funciona como tradutora. Nesse condomínio os três terão de conviver
com todo tipo de precariedade e testemunhar e se defender da violência de
grupos de traficantes que dominam o local. Já vimos esse filme, não?
Paris, Londres, Rio
de Janeiro... refugiados vindos de outras terras, ou de seu próprio país, sua
própria cidade. Removidos, deslocados, esquecidos.
O menino sírio Aylan, de
apenas três anos, cujo corpo foi lançado a uma praia da Turquia em 2015, converteu-se
no símbolo da tragédia das populações em fuga, no Mar Mediterrâneo. E da
insanidade desses tempos, em que a humanidade já deveria ter aprendido com as
lições trágicas do passado.
Em Londres, entre
tantos mortos no incêndio do Grenfell
Tower, o primeiro a ser identificado é outro sírio, Mohammad
al-Haj Ali, 23 anos, também um fugitivo da guerra civil. Como o pequeno Aylan,
Mohammad, que era estudante de engenharia, converte-se em outro símbolo macabro
dessa mesma tragédia, que não termina quando se faz o resgate ou se concede
asilo.
The Grenfell Tower Fire Could Have Been Avoided (Incêndio na Grenfell Tower poderia ter sido evitado)
Depoimento do Rapper Lowkey que presenciou o incêndio
Incêndio fatal em Londres revela negligência com os pobres
por Jake Johnson, em CommonDreams
Tradução de: https://jornalistaslivres.org/2017/06/incendio-fatal-em-londres-revela-negligencia-com-os-pobres/
Inferno de Grenfell: as primeiras imagens do interior do prédio
Foto Morro da Providência: Mauricio Hora
Foto protestos Londres: