Teresa Cárdenas
é cubana. Não a conhecia, nem seus livros. Teresa é uma negra de porte
elegante, bela voz, gestos largos e mãos de bailarina. Uma mulher de presença
marcante.
Fui ouvi-la
ontem na Estação das Letras, aqui no Flamengo. Poucas pessoas na sala. Poucas, mas atentas. Teresa falou de seus
livros, suas memórias, seu processo de escrita. Vive numa cidade barulhenta, sobem
até sua janela o burburinho da rua, os pregões dos vendedores. Três filhos
agitam a casa de pequenos cômodos. Mas ela não abandona as palavras. Quando a
interrompem, quando a ideia foge, ela vai atrás. Insiste. Resiste.
Teresa
recebeu prêmios por seus livros. Teresa vive da escrita, sim, da escrita. Graças
especialmente a algo como um Plano Fidel de Leitura (não recordo o nome exato)
que garante o consumo de livros na Ilha, sua adoção nas escolas. A vida é
modesta, mas não tem de se preocupar em pagar escola ou plano de saúde. O que
não exime Teresa de ter um olhar crítico sobre mazelas que afetam seu país, seu
povo. Um dos romances que está preparando (Playa
Prohibida) aborda a prostituição na turística Varadero, jovens que trocam
algumas horas de sexo com “bons” velhinhos gringos por alguns poucos dólares.
Teresa se
aflige pelas crianças. Pela fragilidade dos laços. Pela quebra de valores. Fala
de assuntos ásperos, como racismo, escravidão, abuso e morte, com um toque de
poesia. Porque fala de temas universais – como medo, esperança, compaixão,
injustiças – é acolhida em países tão distantes da cultura latina, como a
Coreia do Sul.
Enquanto Teresa
Cárdenas prendia a atenção da pequena plateia, na noite de ontem, o Comandante
da Revolução Cubana vivia seus últimos momentos neste planeta. Revolução de
erros, acertos, atos heróicos, excessos, que tornou o impossível, realidade: um
país pequenino e destinado a ser apenas a área de lazer e o celeiro de produtos
agrícolas de indústrias poderosas, desafiar um império.
Um alto preço
paga até hoje pela ousadia. Venceu alguns obstáculos, enfrenta outros. O
embargo econômico – como se o comércio da sua rua se recusasse a vender para
você – que dura até hoje, teve sem dúvida um papel fundamental nos rumos que a
vida na Ilha tomou após a queda do regime soviético, seu grande parceiro. Cuba
não deve ficar num altar vermelho, nem pode ser relegada a uma caricatura
debochada. Cuba é uma personagem da História, única, intrigante, quase
inacreditável.
Compartilhem-se
ou não os valores, a ideologia e as políticas adotadas no pós-Revolução,
qualquer um que tenha lido um pouco sobre o que foram aqueles anos na Sierra
Maestra, nos pueblos, na Sierra
Cristal (onde combatia Rául Castro), não pode ficar indiferente ou menosprezar
o que aqueles barbudos e aquelas mulheres fizeram com o século XX. Um Haiti a
menos no mundo, como postou alguém nesse dia que fecha o ano de 2016.
O título original era "Cartas ao Céu", trocado por conveniência das editoras. Teresa lamenta a escolha. |
Teresa é
minha tocaya, minha xará. E assim
autografou meus livros. Falamos de prenomes, de Santa Teresa, de como este nome
é comum em mulheres negras cubanas, falamos dos muitos jeitos de falar o espanhol
na nossa América Latina, falamos de eu conhecer Cuba. E enquanto trocávamos
algumas palavras e algum afeto, sem que imaginássemos, Fidel cumpria os últimos
passos de sua jornada, na Ilha distante e, graças à Teresa, naquele momento tão
próxima. Coincidências que tocam nossa alma como o esvoejar de uma pequena
borboleta. Gracias, tocaya!
Dica 1: Você lê aqui uma
matéria sobre Teresa Cárdenas na III Bienal Brasil do Livro e da Leitura: Bienal recebe hoje escritora cubana Teresa Cárdenas e peça com Jonas Bloch
Dica 2: Para quem tem interesse na história cubana, recomendo o livro O
Senhor de todas as armas, a narrativa apaixonante de um jornalista brasileiro
que viveu a Revolução na Sierra Cristal, com quem tive o prazer de conversar
algumas vezes. E me confidenciou que, anos depois da incrível aventura, tinha
outra percepção e até poderia mudar o final do livro. Daria um filme e tanto!
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