No mapa do mundo globalizado e regido pelo mercado, em algum ponto as águas barrentas do Rio Doce talvez se encontrem com as águas manchadas de sangue do Rio Sena. O Brasil exporta toneladas de minério de ferro extraído das montanhas das Gerais. Seu maior comprador é a China. A China fabrica armas. Não sei o quanto do minério importado pelos chineses vai para sua indústria bélica, mas, considerando o poderoso e rentável comércio (legal e ilegal) de armas, é bem provável que muitas toneladas tenham este destino.
Itabirito-MG |
Claro que isto não é uma investigação
jornalística, mas apenas uma reflexão alimentada pelo que se tem falado sobre
os acontecimentos que invadem nosso cotidiano. A TV Brasil, por exemplo, tem
produzido excelentes programas de entrevista e debates essenciais para o
público realmente interessado em se informar. Algumas matérias veiculadas pela
internet também ajudam a pensar e, se não compreender (será que é possível
compreender tanta insanidade?), pelo menos a enxergar com mais clareza - sem a
turbidez das postagens sem-noção ou dos arautos do caos e da ignorância
arrogante que infestam as redes sociais - o contexto que envolve guerras,
ataques terroristas e vazamentos de barragens.
Mesmo que as armas dos assassinos
de Paris não tenham na sua composição uma única molécula do minério de nossas
Minas Gerais, o que esta reflexão propõe é a urgência de um olhar mais
abrangente – como tantos outros vêm propondo – sobre as desgraças diárias que
nos assaltam, sejam nas ruas do Rio de Janeiro ou Damasco, nos cafés
parisienses ou nos mercados de Bagdá. Seja a violência urbana que mata como uma
guerra “oficial” (em poderio bélico e em número de mortos), seja esta Terceira
Guerra Mundial, fragmentada e multiplicada, que há tempos vem cavando na face
de nosso planeta crateras onde se sepultam vidas de toda espécie, cidades,
monumentos, histórias individuais e coletivas.
A produção das mineradoras
aumentou exponencialmente, graças ao avanço da tecnologia que cria máquinas
capazes de extrair num dia mais do que centenas de trabalhadores escravizados retiravam
em meses de trabalho braçal. Tal voracidade com a qual se avança sobre as
jazidas é alimentada pela lógica do desenvolvimento sem fim, do crescer e
crescer, do produzir e produzir, do consumir e consumir. Mais e mais. Uma
lógica que coloca sob holofotes alguns aspectos – geração de empregos, produção
de bens de consumo para o bem estar da sociedade – mas convenientemente joga na
sombra o custo ambiental, humano, social deste modelo de crescimento que não
conhece limites. Urge encontrar um ponto de equilíbrio ou banir o que estiver
fazendo pender a balança do custo x benefício para o lado do prejuízo humano. Evidentemente,
tais ações demandam planejamento, responsabilidade e a participação de técnicos
e da população envolvida. Quando a meta é o bem comum – o bem possível, se a
utopia não é alcançável – e não o interesse pessoal, a ganância e a vaidade,
achar soluções para os problemas, em qualquer âmbito, fica mais fácil.
Pensar que armas ou munição usadas
num ataque terrorista – praticado por um grupo assim assumido ou por forças
institucionais que também agem como terroristas – podem ter em seu DNA o
minério saído do coração do Brasil pode parecer delírio. Mas, como tudo está no
cinema, lembro do filme Babel e
daquele tiro disparado por um garoto nas áridas montanhas do Marrocos que
encontra o peito de uma turista norte-americana. Histórias que se cruzam e onde
o improvável se mostra possível. E o mercado de armas, e toda a teia que o
alimenta, também já foi protagonista na tela grande, encarnado em Nicholas Cage.
Encerro com Zygmunt Bauman, alertando
que “o crescimento econômico (tal como
descrito nas estatísticas do PIB e identificado com montantes crescentes de dinheiro
mudando de mãos) não pressagia, para a maioria de nós, a chegada de um futuro
melhor”. E, rebatendo a “teoria do gotejamento” (segundo a qual o
enriquecimento de uma categoria favoreceria as classes inferiores a ela), o
sociólogo polonês afirma:
“Para todos os fins e propósitos práticos, essa política desvincula seu
direito à riqueza de qualquer benefício que eles possam gerar ou não para
aqueles cujo bem-estar supostamente devem promover – em vez de induzir,
aumentar e menos ainda garantir um aumento da produção da riqueza pública. O propósito
genuíno da política é garantir privilégios, não os atrelar à utilidade
pública.”
Links relacionados/leituras sugeridas:
Mariana e a mercantilização do
meio ambiente
Mineração e o jogo dos sete erros.
A mineração não é um bom negócio
Endless Economic Growth
is Fundamentally Unsustainable
Atentado de Paris: 13 perguntas e
24 reflexões
BAUMAN, Zygmunt. A riqueza de
poucos beneficia todos nós? Rio de Janeiro: Zahar, 2015
E um pouco de poesia, Drummond, vigilante:
TV BRASIL:
- O Observatório da Imprensa
analisa a cobertura realizada pela mídia do desastre ambiental em Mariana
- Brasilianas.org debate a configuração geopolítica pós-atentados em Paris
O SENHOR DAS ARMAS (Lord of War) – Direção: Andrew Niccol - USA/Alemanha/França, 2005
FOTOS:
Minas de Potosí, onde milhares de índios eram submetidos a intermináveis
horas de trabalho escravo. http://internacional.estadao.com.br/blogs/ariel-palacios/bispos-governadores-e-piratas-na-controvertida-primeira-operacao-export-import-argentina-brasil/
Itabirito-MG - Mineradora Vale é autuada por trabalho escravo
(março/2015):
2 comentários:
Economia, guerras, poder. O mesmo pensamento tribal do passado ainda persiste quando falamos de nações. A violência faz parte da história humana e refrear essa realidade brutal me parece um sonho distante. O mundo deveria ter mais políticos poetas e poetas políticos, mas mesmo assim o lado bestial do humano poderia surgir com uma foice e um martelo nas mãos para golpear os inocentes. A guerra é parte do modelo econômico atual. As potencias globais não estão interessadas e nem sabem como fundar a paz. É possível fortalecer a ONU nesse sentido? Não sei, pois a ONU também tem seus exércitos de capacetes azuis. Incoerência? Só a força domina a força. Mas por quê ainda somos seres bestializados? A terceira guerra mundial continuará em formato de guerrilha, a não ser que um inimigo comum mundial surja nesse horizonte ou uma outra proposta mais espiritualizada conquiste corações e mentes fazendo da humanidade uma verdadeira família. Por enquanto, só no textos dos poetas e sonhadores isso se realizará...bjo e luz!
Obrigada, Anônimo (quem será?) pela visita e comentário. Copiando Ariano Suassuna, não sou nem otimista, nem pessimista. Sou uma realista esperançosa.
Cultivando a esperança e trabalhando, com ideias, palavras e atos, tentando juntar um tijolinho ainda que pequenino na construção de uma sociedade mais lúcida (sem deixar de sonhar), mais bem informada, mais solidária. Grande abraço.
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