Dias atrás o canal Telecine Cult
me surpreendeu com um documentário: Torre de marfim
– a crise universitária americana. O filme, de 2014, dirigido por Andrew Rossi, conduz
uma investigação sobre os altos custos do ensino superior e o endividamento dos
alunos nos EUA. Perdi boa parte do filme, mas deu para perceber o quanto lá,
como cá, há uma mercantilização do ensino. Uma das questões abordadas era sobre
a prioridade dos professores em produzir literatura acadêmica, ganhar prestígio,
mais dinheiro, em detrimento de um aprimoramento das aulas, de maior atenção
aos alunos. Estes, por sua vez, muitas vezes celebram as poucas horas em salas
de aula, a pouca ou nenhuma cobrança por parte dos educadores, um nivelamento
por baixo, enfim.
Alguns dias antes, eu havia assistido ao excelente Numa escola em Havana, um daqueles filmes
necessários. Duas realidades tão opostas, EUA e Cuba, ensino pago e ensino
gratuito, abundância e escassez de recursos materiais. O filme de Ernesto Daranas tem o grande
mérito de não mascarar as mazelas nem demonizar o regime da ilha. O que importa
ali é o que deveria importar em qualquer país, em qualquer regime político, em
qualquer sociedade. Pessoas. Por trás do menino rebelde, brigão, mau aluno,
está uma criança. E sua história familiar, suas carências, incertezas e medos,
que ele teme demonstrar e, para isso, os transforma em agressividade. E há a
dedicação de uma professora que vê além dos manuais e normas da pesada
burocracia cubana, que não se deixa anestesiar pela necessidade de manter a
ordem e efetuar punições. Ela sabe que é preciso combinar acolhimento com
limites, que deve ensinar, mas também aprender. E, sabiamente, resume tudo ao
enumerar o que uma criança precisa: família, escola, disciplina e afeto.
Receita “mágica” que poderia colocar nossa educação num patamar bem
melhor do que o 60º lugar no ranking da OCDE. Mesmo que se argumente
que os critérios da organização se guiam também por uma visão mercantilizada do
ensino, diante de nossos analfabetos funcionais, do parco capital cultural da
juventude, do contingente de candidatos a uma faculdade que zeram na
redação do Enem, temos que admitir que estamos mesmo mal na fita. A avaliação
do PISA (Programa Internacional de
Avaliação de Alunos) também não é animadora.
E as causas vão bem além dos muros da escola, tal como o educar-se vai
muito além do instruir-se. Políticas públicas eficientes, de longo prazo, abrangendo
as várias instâncias da vida dos indivíduos, como moradia digna, emprego, transporte,
acesso a serviços básicos, a um cardápio cultural diversificado, poderiam mudar
a rota perigosa em que nos encontramos.
Completando nosso mapa, resgato um texto de Elio Gaspari, publicado em
sua coluna no jornal
O Globo, sobre as meninas de Santa Leopoldina, trigêmeas filhas de agricultores
capixabas. Longe das metrópoles, numa casa sem acesso a internet, Fábia,
Fabiele e Fabíola ganharam os primeiros lugares na 10ª Olimpíada de Matemática e
deveriam vir ao Rio de Janeiro para receber, no Theatro Municipal, suas
medalhas. Como não tinham o dinheiro para a viagem, moradores da localidade
instituíram um pedágio para possibilitar a vinda das meninas.
A história das adolescentes de 15 anos é comovente, inspiradora. Seu
sucesso passa pelo apoio de professores e da família, inclusive da irmã mais
velha, Flavia, a primeira jovem da região a cursar uma faculdade. Hoje, aliás,
faz doutorado na Universidade Federal do Espírito Santo. Como bem destaca
Gaspari, “As trigêmeas de Santa Leopoldina são um produto da força de vontade
de cada uma, do estímulo dos pais, do sistema público de ensino, de políticas
bem-sucedidas e de uma professora que estimula seus alunos, Andréia Biasutti.”
Sugiro ler também o texto de Gaspari sobre os larápios de Santa Leopoldina que, diante das trigêmeas, se tornam ainda mais criminosos e desprezíveis. Provavelmente, todos a favor da redução da maioridade penal.
Fontes:
http://www.skilledup.com/articles/ivory-tower-movie-review-higher-education-failing