Eu sou Charlie quando fazem da vingança instrumento de defesa
e do direito de resposta, e matam em nome de deuses, profetas, religiões.
Eu não
sou Charlie quando, sob a
bandeira da liberdade de expressão, agridem-se valores, personagens que são
sagrados para meus semelhantes, ultrapassando as fronteiras da opinião e da
crítica honesta, para o cinismo e o deboche.
Eu sou Charlie quando a censura, o autoritarismo, o corporativismo,
tentam barrar a informação a que todos têm direito. Ou não abrem espaço para a
diversidade de opiniões, diferentes olhares e concepções, embotando a reflexão
e estimulando uma disputa ideológica estreita, uma dicotomia nefasta e burra.
Eu não sou Charlie quando, sob pretexto de liberdade de imprensa,
publicam-se noticias tendenciosas, incompletas, mal apuradas por má fé ou
incompetência, induzido leitores a interpretações errôneas e a assumir, por
isso, posições equivocadas.
Eu sou Charlie quando tentam maquiar fatos para proteger corporações,
grupos ou pessoas que detêm poder político e/ou econômico, permitindo que se
perpetuem atos contra todo tipo de vida, em nome do desenvolvimento ou de uma
suposta paz.
Eu não sou Charlie quando o politicamente correto é violado por
vaidade, preconceito, arrogância e pessoas são ridicularizadas porque seus
valores são considerados ultrapassados ou menos importantes.
Eu sou Charlie quando o politicamente correto é indevidamente
invocado para defender posições sectárias, petrificadas e convenientes, ou
quando reclama direitos legítimos, mas desproporcionais, na hora ou lugar
errado. Ou quando é apenas disfarce da hipocrisia.
Eu não sou Charlie quando pessoas são classificadas em diferentes
escalas de valores de acordo com sua religião, etnia, aparência, gênero, conta
bancária, popularidade, moradia, nível de instrução, origem, sobrenome,
nacionalidade, de modo que o assassinato de uns seja considerado mais criminoso
que de outros.
Eu sou. Tu és. Ele é. Nós somos. Vós sois. Eles
são.
Seres vivos,
frutos de milhões de anos de mutações, adaptações. Pequenos, complexos e
maravilhosos organismos dispersos sobre um planeta que gira no espaço, em meio
a outros infinitos corpos celestes. Um planeta de águas, matas, bichos e solos
que matamos e contaminamos com bombas, motosserras, agrotóxicos, lixo. Um planeta concebido
para ser casa e não matadouro.
Ilustração:
Obra do argentino Liniers – “Eu, que sou fanático em não
ser fanático”.
2 comentários:
Mais um belo post da tecelã das palavras. Saudades!
Vou tecendo... sem muita constância, mas com cuidado no trançar dos pontos. Abraço, caro Gaulia.
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