Os irmãos Paolo e Vittorio Taviani têm no currículo
obras de inegável qualidade artística e de abordagem corajosa diante de temas
espinhosos, como A noite de São Lourenço (1982) e Pai Patrão (1977).
Com mais de 80 anos de vida, os irmãos italianos ainda
surpreendem o público e a crítica com um filme não apenas bem realizado, mas
ousado no formato. Partindo da peça de Shakespeare, “Julius Caesar”, que está
sendo ensaiada por internos da penitenciária de segurança máxima Rebibbia, nas
proximidades de Roma, sob a orientação do diretor teatral Fabio Cavalli, os
Taviani transformam os presos transformados em atores de teatro, em atores de
cinema.
Transitando entre o documental e o ficcional, com uma
suavidade que conduz o espectador com maestria ao longo dos precisos 76 minutos
de narrativa oral e visual, o filme permite entrelaçar fatos históricos com o
tempo presente, de modo que homens encarcerados são ao mesmo tempo presos
condenados, vivendo o século 21, e membros do senado romano no século 44 a.C.
Os dramas, as questões éticas se repetem. Há disputa
pelo poder, há dúvida quanto à lealdade e ao dever. Tolhidos da liberdade –
alguns estão sentenciados à prisão perpétua -, eles experimentam, encenando o
texto de Shakespeare, o poder de tomar decisões, de interferir na História e, ao
mergulharem nos personagens que interpretam, mergulham fundo em si mesmos.
Enquanto se apresentam ao diretor da peça para escolha
do elenco, apresentam-se também ao público, com suas histórias verdadeiras, seus
crimes, suas singularidades, suas diferentes origens e dialetos, desvelando o
que há por baixo do uniforme que os iguala, quebrando estigmas.
Libertos pela arte de sua rotina, da monotonia que os
consome física e emocionalmente, ao retornarem para suas celas, num ritual
filmado com a simplicidade e a economia que caracteriza os mestres, a cela
apequena-se, as grades se estreitam. Aqueles homens sentem-se mais encarcerados
do que antes e uma das falas finais resume bem o que vivenciam: “Depois que
descobri a arte, esta cela transformou-se numa prisão”.
Os irmãos Taviani, ao optarem pelo desvio, pelo que
costumeiramente fica escondido, relegado às sombras, ao optarem por filmar
atrás das grades de um presídio, trazem à luz delitos, crimes hediondos,
sentimentos mesquinhos, as fraquezas humanas, mas também sua grandeza e a
possibilidade de se construir novos caminhos.
E então a gente se pergunta: O quanto a arte, o
teatro, o cinema, a pintura, a música, a fotografia, o artesanato poderiam
fazer pela população carcerária, por menores infratores? Estaríamos contabilizando
cada vez mais crimes, violência, pessoas encarceradas, se tivéssemos políticas
públicas mais voltadas para a educação e a cultura? E se tivéssemos menos shopping
centers e mais bibliotecas, museus, centros culturais, cinemas, teatros, circos? Menos estacionamentos e mais
praças e jardins?
Cinema como o feito por Paolo e Vittorio Taviani nos fazem refletir sobre o que podemos fazer do lado de cá das grades para que haja cada vez menos gente do lado de lá.
Cinema como o feito por Paolo e Vittorio Taviani nos fazem refletir sobre o que podemos fazer do lado de cá das grades para que haja cada vez menos gente do lado de lá.
No IMDb: http://www.imdb.com/title/tt2177511/
No críticos.com: http://criticos.com.br/?p=2437&cat=1
CÉSAR DEVE MORRER (Cesare deve morire)
Italia, 2012, 76min
Direção: Paolo e Vittorio Taviani
Roteiro: William Shakespeare (peça), Paolo e Vittorio
Taviani