Domingo, 17/09. Últimas
horas na cidade de Pedro. Mesmo com o tempo ruim, arrisquei uma caminhada pelas
redondezas do hotel. Decidi fazer nova tentativa de visitar a Catedral de Santo Isaac, já que no dia anterior a chuva de vento tinha
tornado esta tarefa bem complicada.
Havia filas nas
bilheterias e eu estava um tanto insegura se conseguiria me fazer entender no
guichê. Enquanto decidia se ia ou não visitar o santo, circundei a catedral e dei
uma esticada até uma praça que fica próxima. Lá encontrei Nikolai
Gogol, uma das celebridades da
literatura russa do século XIX.
Nikolai Gógol |
Vista aérea da Catedral de Santo Isaac à noite (foto da internet) |
Voltei decidida a
tentar me comunicar com o caixa, que – aleluia! - entendeu meu inglês. Além de
comprar o ingresso, precisava saber qual o tempo necessário para uma visita,
mesmo básica. Há dois tipos de ingresso para conhecer por dentro a maior
catedral de Petersburgo: um para visitar apenas a igreja propriamente (250
rublos) e outro, completo, que dá acesso às colunatas. A vista lá de cima deve
ser fantástica, mas não havia tempo para subir os muitos degraus e a chuva
também era desanimadora. Enfim, me contentei em conhecer “apenas” os salões. Um
espetáculo de cores e dimensões impressionantes.
Uma coisa que me
chamou a atenção desde que cheguei à Rússia foi a presença de militares circulando
pelas ruas, como esse grupo em visita à Catedral. Não perguntei a respeito,
mas, imagino que, além do fato de o país estar envolvido em ações que demandam
o uso de tropas, como acontece na Síria, por andarem fardados, e não à paisana,
são mais percebidos do que em outras cidades, onde certamente também transitam
militares, mas não os notamos (a não ser quando em operações como a intervenção
militar que acontece no Rio). Detalhes que observamos e, mesmo sem palavras,
muito nos dizem sobre a História de cada país e a relação que mantém com suas
instituições.
No dia anterior,
durante nossos deslocamentos, Natasha nos contou mais sobre a vida, a política,
a História da Rússia. Após o colapso do regime soviético, em 1991 abriu-se o
mercado às companhias estrangeiras. O primeiro McDonalds foi inaugurado em 1993 e provocou enormes filas de gente
curiosa para conhecer essa “maravilha” do mundo capitalista. A década de 1990
foi um período de muita turbulência e propícia aos aproveitadores e golpistas. Surgiram
os novos ricos, oligarcas. Alguns não sobreviveram, acabaram sucumbindo, e os
que permaneceram tiveram de se adequar à nova ordem (evidentemente um processo complexo,
envolvendo poderes dentro e fora da URSS/Rússia. Confira nesta
entrevista).
O historiador Daniel
Aarão Reis, num relato muito interessante, com detalhes que vão do dramático ao
cômico, no livro De
volta à Estação Finlândia nos conta como foi estar na Rússia nesse
período. Meu exemplar, autografado, me acompanhou por toda a viagem (clicado aqui, ao acaso, na cabine do barco Estocolmo-Tallin, com minhas bolinhas de homeopatia e colírios).
Natasha nos conta
que a vida da classe média melhorou nas últimas décadas, com investimentos do
governo em infraestrutura e moradia. Os russos deste estrato social têm menos
recursos e bens materiais do que as pessoas de classe média daqui, contudo, a desigualdade
social não é tão extrema como no Brasil. Pelo que percebi, ouvi e tenho lido, de
modo geral, as pessoas vêm lutando por uma vida com mais conforto, estudando,
buscando oportunidades, abertas ao mundo. Sem luxo ou consumismo excessivo.
Os meses de junho,
julho e agosto são de férias. É o verão russo. O ano letivo começa no dia 1º de
setembro, chamado “Dia do Conhecimento”. De 1º a 10 de janeiro há um longo
feriado, sendo comemorado no dia 7 o Natal, já que, para esta festa religiosa,
seguem o calendário
juliano. A troca de presentes é feita na virada de ano, ou seja, antes do
Natal. Os feriados mais importantes são o 1º de Maio e o Dia
da Vitória, 9 de maio, celebrado com grande e emocionada participação do
povo, que homenageia os 26 milhões de russos/soviéticos mortos durante a 2ª
Guerra Mundial, que chamam de Grande Guerra Patriótica. Em Moscou, dias depois,
eu teria a oportunidade de visitar o Parque da Vitória, uma experiência
impactante.
Cena curiosa que vi algumas vezes: noivas e amigos pela cidade, mesmo sob chuva. |
O maior país do
planeta (dobro do tamanho do Brasil) tem cerca de 145 milhões de habitantes (o
Brasil tem quase 208 milhões). Nos anos 1990 as famílias diminuíram de tamanho,
geralmente com filhos únicos. Atualmente, o governo concede um tipo de Bolsa Família
para quem tem o segundo filho. O valor pode ser usado para moradia, aposentadoria
da mãe ou formação universitária do jovem. A aprovação do governo Putin na
época da minha viagem (cerca 65%) foi confirmada nas recentes eleições. Entre
críticas, acusações, intrigas, aparições de peito nu, mergulhando em águas
geladas, caçando ou cavalgando, o ex-agente da KGB, nascido em Peter, vai dando
à Rússia uma nova cara e colocando seu país numa nova posição no mapa da
geopolítica. O que virá, só a História poderá nos dizer, daqui a alguns anos ou
décadas.
Gostaria de ter entrado, mas só vi da janela do ônibus. |
O famoso Teatro Mariinski. E militares passando. |
Belas cúpulas |
"Troféus" da passagem por Petersburgo |
Hora de ir embora,
desejando muito ficar mais dias. Mas... o SAPSAN (Сапсан),
rumo a Moscou, nos esperava. Na despedida, uma experiência que não pretendo
repetir. O ônibus que nos pegou no hotel nos deixou bem longe da estação e
tivemos de caminhar bastante. Atenta para não me perder, procurei me manter
sempre perto do grupo mas... num breve segundo em que puxei o celular para fazer
uma foto, sem parar de caminhar, cadê todo mundo? Sumiram misteriosamente.
Tentando não entrar em pânico, segui um pouco à frente. Sabia que não podiam
estar longe, contudo não reconhecia ninguém no povaréu à volta. A aflição era
também com nossa guia, que devia estar bem preocupada com a “ovelha brasileira
desgarrada”.
Acontece que
exatamente naquele trecho ficava uma entrada para a estação e, em meio a tanta
gente, eu não percebi. Mas achei uma fila num acesso por onde entravam as
bagagens (os carregadores russos pareciam não gostar nada daquele movimento
ali) e saí perguntando em português e inglês se tinha alguém do grupo da Abreu.
Nada. Por sorte, um rapaz que falava português me aconselhou a ficar naquela fila
mesmo, já que eu estava com o bilhete do trem. Um simpático casal, ele
americano, ela russa, também se solidarizou comigo e, ao saber que era carioca,
falaram da vontade de conhecer o Rio. Relaxei e segui na multidão até a
plataforma onde, de longe, num mar de cabeças, avistei a bandeirinha salvadora
da Abreu. Final feliz, mas o susto foi bem grande. Ainda bem que a foto da
Leningrado, Cidade Heroica, valeu a pena.
Praça Vosstaniya e obelisco "herói cidade" Leningrado |