Ponte sobre o Rio Pomba |
Embarquei rumo
a Cataguases, nas Minas Gerais, movida por dois amores: por meu pai, nascido lá
há quase 100 anos, e pelo cinema. Meu pai, na verdade, cresceu na vizinha
Leopoldina e, ainda bem jovem, veio para o Rio. Eu não tinha referência alguma
para rastrear as origens do seu Wilson (os velhinhos vão partindo e com eles as
memórias...), mas queria estar naquela cidade, imaginar como teria sido sua
passagem por ali nos primeiros anos de vida.
Vinte anos antes
de meu pai, nascia Humberto Mauro (1897-1983), um gênio do cinema. Merecia todas
as homenagens e poderia ser um grande atrativo para a cidade se os gestores
públicos enxergassem o valor da história, do patrimônio, da cultura para o
turismo. E o valor do turismo para a economia de um município, gerando
empregos, estimulando artesãos e empresários, turbinando negócios. Foi em
Cataguases que Humberto Mauro realizou seus filmes com extrema paixão e
criatividade nas primeiras décadas do século XX.
Para minha
decepção e tristeza, encontrei uma cidade maltratada, como muitas outras por
onde já passei nas minhas andanças por esse Brasil (e o Rio de Janeiro não está
fora disso, apesar das obras olímpicas). Apurei, nas minhas conversas aqui e
ali, que o prefeito havia perdido a reeleição e por isso a cidade estava tão
abandonada. Na verdade, me pareceu que a coisa vem de mais tempo. Seguindo pelo
calçadão rumo à antiga estação de trem, o que encontro é quase caos, muito
lixo, trânsito desordenado, carros ocupando o lugar de pessoas. Gente que
parece estar desamparada, sem trabalho, alguns pedem dinheiro. A poeira aumenta
ainda mais o calor que é forte na região. Triste.
Um antigo vagão
de trem na praça da estação é um ponto de venda de artesanato, mas, devido a
seu mau estado, as peças expostas são frequentemente danificadas pela chuva que
entra pelo teto, me contou uma artesã. Tão pouco seria preciso para ajudar a
essa gente a ganhar dignamente seu sustento com suas artes...
Na Praça Rui
Barbosa, o histórico cine Edgard está fechado e em péssimo estado. O prédio abriga um curso
preparatório. Aos sábados, há na praça uma pequena feira de artesanato, não
havia muito movimento por ali. Uma das artesãs, com quem conversei mais
demoradamente, preserva a memória da cidade em panos de copa com bordados que retratam
pontos característicos, como a ponte de ferro e o santuário de Santa Rita. Ela,
e outras pessoas também, me contou que peças históricas que havia na cidade desapareceram
“misteriosamente”. Devem estar decorando a casa de alguma “autoridade”.
Outra bela
construção, a Fiação e Tecelagem Cataguases, virou o Bahamas Shopping, onde
funciona também um supermercado.
A área nas
imediações do Hotel
Cataguases, na Rua Major Vieira, onde me hospedei, até que está cuidada. Há
uma bonita praça e o belo santuário de Santa Rita, que ostenta um precioso
mural de Djanira na fachada. A ponte de
ferro sobre o Rio Pomba fica a poucos metros.
Paço Municipal |
Santuário de Santa Rita |
Além de
Humberto Mauro, outro atrativo de Cataguases é a arquitetura modernista.
Disseram-me que a cidade recebe estudantes de Arquitetura com frequência. Enquanto
escrevia este artigo, encontrei um site sobre o CATS 2016, um encontro de Arquitetura, Turismo e
Sustentabilidade, realizado na cidade dois meses antes de minha visita. Que
renda bons frutos!
O Hotel
Cataguases denota que já teve um passado mais feliz. Hoje, os sinais de
decadência são evidentes, ainda que guarde o charme dos anos 1950 (a obra foi
concluída em 1951) e a beleza sinuosa dos traços que caracterizam a arquitetura
da época. Os funcionários se esforçam para manter o padrão de melhor hotel da
cidade.
Há vários
outros prédios de interesse arquitetônico, histórico e artístico na cidade,
como o Colégio Cataguases, o Museu da Eletricidade, a casa de Francisco Inácio
Peixoto (projeto de Oscar Niemeyer), a residência Nanzita Salgado, sobre os
quais não consegui informações claras sobre localização e horário de visita. Alguns
fecham nos fins de semana. O que apurei, pesquisando para esta matéria, foi em
sites e blogs.
Nas duas
noites que passei na cidade, fui a dois bares diferentes para comer (o Hotel
não serve refeições). Havia bastante gente e música ao vivo, música boa. Aliás,
o mesmo músico se apresentava, na sexta na Pizzaria D’Angelo (Av. Astolfo
Dutra) e sábado no Confrarias, um bar de estilo roqueiro e com pôster do Che,
na mesma rua do Hotel. Encontrei o jeito acolhedor do mineiro em ambos e a
comida também valeu a pena. Almocei no Girassol, pertinho do Cine Edgard, uma comidinha a quilo honesta,
ainda que sem muitas opções. Todos indicação do Dênis, amável recepcionista do Hotel.
No meio da
agitação e poluição visual da Rua Coronel Vieira, quase escondido, fica o
Centro Cultural Humberto Mauro. Por sorte passei por lá na sexta-feira à tarde,
pois não teria conseguido visitá-lo no sábado, como pretendia. O espaço não
abre nos fins de semana. O segurança, muito solícito, parecia estar feliz por
receber uma visitante, imagino que coisa rara por lá.
Apesar de
algumas decepções, fiquei feliz por ter cumprido esta “missão”. Não sei se
voltarei a Cataguases um dia... talvez. E seria maravilhoso encontrar uma
cidade acolhedora, limpa, com mais acesso ao acervo e à história de Humberto
Mauro. Seu Wilson gostaria, tenho certeza.