Em 1968 Sergio
Leone marcou um gol de placa (um deles) na história do cinema ao lançar Era uma vez no Oeste, uma obra-prima que
rende homenagem aos filmes de faroeste. Com fotografia que por vezes lembra uma
pintura renascentista, o longa reúne todos os clichês do gênero: homens
barbudos, sujos e malvados, locomotiva fumegante, cobiça, vingança, duelo ao
sol e Colt 45. Some-se ainda música e
sonoplastia primorosas, mais o auxílio luxuoso de uma Claudia Cardinale
exuberante e os incrivelmente azuis olhos de Henry Fonda, mais frios do que
nunca. E tem mais: o brutamontes mais doce do cinema, Charles Bronson, capaz de
acertar um alvo com precisão de campeão olímpico.
Os trilhos do
VLT avançando pela cidade olímpica parecem uma versão pós-moderna da saga dos
desbravadores do Oeste. Vá lá que em vez de carroças e rochas esculpidas pelo
vento temos prédios e um trânsito de tirar a paciência do mais zen dos
motoristas. Mas estão lá os buracos, poeira, homens trabalhando e,
principalmente, a aura de progresso, aquilo diante do que qualquer sacrifício –
seja de moradores removidos, seja do patrimônio histórico, ou do meio ambiente
– se justifica. E, junto com este conceito de desenvolvimento, o charme do
cosmopolitismo e, é claro, o brilho do ouro que reluz nas grandes obras, não
mais em barras, mas sob a forma de reais, dólares ou euros.
Trocando os figurinos e cenários,
temos uma história atual. No filme de Leone, as terras de Sweetwater, desprezadas por todos, ganham subitamente um valor
inimaginável, graças à chegada dos trilhos que trazem junto, além da estação de
trem, a oportunidade de negócios, de se ganhar dinheiro. É o que hoje
chamaríamos de gentrificação, uma palavrinha (ou palavrão?) que vai se tornando
familiar para quem acompanha as mudanças no cenário urbano. Aquele metro
quadrado que não valia nada pode, de repente, ser valorizado ao extremo e, por
isso, ser disputado avidamente por investidores, seja para construírem saloons, prédios de escritórios ou
estacionamentos.
Interessante que,
sob pedra e asfalto, os operários do VLT encontraram trilhos dos antigos bondes
que cruzaram a cidade e até o calçamento pé de moleque, de fins do século XVIII.
Arqueólogos, historiadores e defensores da memória e da cultura clamam por sua
preservação; as escavadeiras avançam. São camadas e camadas de História, sobrepostas,
num faz-desfaz-faz de novo. Como dizia Marx (o barbudo vermelho, não o
paisagista tupiniquim), tudo que é sólido se desmancha no ar. Ou sob as
máquinas do progresso.
Daqui a uns 200 anos,
as obras do Rio Olímpico talvez sejam olhadas como olhamos hoje a conquista do
Oeste. E no lugar dos trilhos do VLT poderá haver uma cidade de ficção
científica ou uma empoeirada viela de terra. Vai saber?
Mirando num
futuro mais próximo, vemos o VLT chegando triunfal à Av. Rio Branco, onde será
recebido com festa, muitos discursos, fotos. Nosso alcaide “desbravador”,
cercado de autoridades de diversos quilates, ostentará no rosto o sorriso dos
vencedores. E é irresistível imaginar o Prefeito, o Governador, o Presidente do
Comitê Olímpico ou qualquer outra autoridade com aquelas capas compridas, na
(antológica) sequência inicial de Era uma
vez..., atentos à chegada do trem. Pena que Charles Bronson não estará
nele.
Aqui você vê o
trailer de Era uma vez no oeste: https://www.youtube.com/watch?v=MNGQ1hUyx-k#t=33