Visitei a exposição “Picasso e a Modernidade Espanhola”,
no CCBB-Rio, logo nos primeiros dias. Nas exposições, passeio pelas salas e corredores
esperando ser capturada. E algumas das obras que mais me tocaram naquela mostra
não eram do famoso pintor andaluz.
Uma delas foi a tela “Náufragos”, do também espanhol
Aurelio Arteta (1879-1940), pintada no começo dos anos 1930.
Um crítico de arte faria comentários e observações
muito mais pertinentes do que os meus. Poderia discorrer sobre detalhes que me
escapam, sobre escolas de arte, referências, influências, datas e nomes, luzes
e sombras.
Mas meus olhos amadores e descompromissados também
enxergam além da tinta, do suporte, da moldura. O frio, o medo, o abandono, está
tudo ali, nas cores pálidas, nas formas angulosas. Os pés do homem à frente se
prendem à terra, firme e, talvez, salvadora. Mas também se encrespam, como se
não soubessem para onde ir, onde buscar refúgio. Uma cena que me comoveu
profundamente, mais do que eu poderia supor.
A imagem que marcou nossa semana neste começo de
setembro – imagem tão insuportável que, ao vê-la pela primeira vez, duvidei que
fosse algo real – me trouxe à lembrança aquela obra. Não faço ideia do que levou Arteta a pintar
esses homens, perdidos em algum lugar, 80 anos atrás.
Os deslocamentos migratórios acompanham os homens
desde seu aparecimento, como tal, neste planeta. Forçados por condições
climáticas, guerras, disputas, ameaças de predadores, ou em busca de algo novo,
de natureza material ou não. Hoje, a mídia nos diz que desde a 2ª Guerra não
havia um fluxo tão intenso como agora. São milhares de pessoas buscando uma
terra onde firmar os pés, pousar a cabeça, plantar seus sonhos.
Não se deve julgar a História, já disse alguém,
sabiamente. Há tantos tons entre o preto e o branco, entre as verdades, razões
e versões de cada um... e cada tempo histórico tem suas particularidades. Mas
não julgar não significa ignorar.
O corpo do pequeno Aylan não é o único a chegar às
praias do Mediterrâneo, nessa odisséia insana que testemunhamos virtualmente. Mas
encarna aquele momento onde se atinge o limite do suportável, o inadmissível, o
que nos faz pensar que a experiência da espécie humana sobre a Terra fracassou.
O homem que carrega o menino tem o corpo curvado, como se levasse nos braços um
peso imenso, muito maior do que os poucos quilos de uma criança, quase bebê. Que
sentimentos terão atravessado aquele homem? Dor, pena, indiferença? Não sei e
não tento adivinhar. Ele também me comove.
O frio, o medo, o abandono. A camisa vermelha da
criança síria parece gritar que, ou mudamos de rumo, ou seremos todos
náufragos, num mar de cegueira, insensatez, falta de compaixão.Fico pensando o que e como pintaria o artista
espanhol, hoje, sob o título de “Náufragos”.