O
porteiro me entrega uma caixa. Acho estranho, não havia feito nenhuma
encomenda. O nome e o endereço do remetente não me dizem nada. Desconfiada, vou
abrindo o pacote com o selo dos Correios.
De
dentro dele sai um canudo (e aí eu já começava a suspeitar qual sua origem), do
canudo sai uma folha de papel, no papel, um desenho. Um desenho e muito mais.
As mãos de uma criança, a centenas de quilômetros do Rio de Janeiro, traçaram
aquelas linhas, criaram formas, escolheram os lápis de cor, coloriram, deram
nome às figuras. Está assinado e datado.
A
essa altura as lágrimas já me escorriam dos olhos e eu só sentia uma imensa
vontade de abraçar, bem apertadinho, aquela criança africana. Muito mais do que
um desenho infantil saiu daquele canudo. Algo que nem a internet, nem uma
fotografia, nem a Xerox poderiam me dar. O que veio junto com as formas e as
cores foi uma energia, uma vibração. Mais do que um pedaço de papel, chegou-me
pelos Correios a aura daquela obra de arte. Arte do traço, da cor, da forma e,
acima de tudo, a arte do carinho, da alegria, do desejo de conexão, de encontro com o Outro.
O
pequeno liberiano Marcus provavelmente não sabe quem é o alemão Walter
Benjamin, mas, na época da reprodutibilidade técnica elevada a altíssima potência,
desafiou o texto(1) do famoso sujeito. A cópia democratiza a arte, mas, nem a
morte da aura é a morte da arte - como alerta Jesús Martin-Barbero(2) - nem as
reproduções invalidam a magia da aura, que só o original pode conter.
Obrigada,
Marcus.
A ESCOLA DE BAMBU
Escola
de Bambu é um belo documentário que mostra de maneira sensível e competente um
dos lados mais perversos da guerra: destruir o futuro das crianças, suas
esperanças e sonhos. Mas, revela também a força daqueles que não desistem da
vida.
Assisti
ao filme durante a 15ª Mostra do Filme Etnográfico, em 2011, como jurada pela
ABDeC, a convite do documentarista Clementino Jr. Fiquei comovida. Aderi à
campanha, naquela ocasião, adquirindo DVDs e alguns materiais. Mais
recentemente, participei do movimento de crowdfunding
que o projeto lançou para avançar na construção da escola.
Recebi por e-mail notícias e doces mensagens de carinho e a informação de que eu receberia o original de um desenho. Passaram-se alguns meses e ele enfim chegou.
Direção:
Vinicius Zanotti (Brasil, 2011, 15’)
Sinopse:
Uma escola na periferia de Monróvia, na Libéria, com paredes de bambu e teto de
zinco acolhe crianças e jovens vítimas da guerra civil. Na escola, 140 alunos
são alfabetizados, têm aulas de ciências, matemática, inglês, geografia e
história.
1) A obra de arte na época de sua
reprodutibilidade técnica. In: Obras Escolhidas. Vol.I. Brasiliense, 1994
2)
Martín-Barbero aponta uma distorção acerca da interpretação do famoso texto de
Walter Benjamin sobre a morte da aura, afirmando que ele, “reduzido a umas
tantas afirmações sobre a relação entre arte e tecnologia, tem sido convertido
falsamente em um canto ao progresso tecnológico no âmbito da comunicação ou
tem-se transformado sua concepção da morte da aura na da morte da arte.” (Dos
meios às mediações. Ed. UFRJ, 2009, p.81).