Há anos ouvia falar do livro Mulheres que correm com os lobos, da analista junguiana Clarissa Pinkola Estés. Por falta de dinheiro, dúvida sobre se valeria mesmo a pena, preguiça de ler... enfim, fui adiando a compra do livro. Mas há algumas semanas a loba me convenceu e encomendei pela internet. Agora, com toda a matilha na cabeceira, descubro que chegou na hora certa.
Ansiosa e cercada de montanhas de livros e textos xerocados para ler (sou da atribulada tribo dos mestrandos), comecei a leitura, mas logo fui avançando para uma e outra história, pulando páginas. Tudo bem, volto quando necessário e certamente em algum momento o terei lido todo, ainda que leve tempo, afinal são mais de 600 páginas.
Na página 36 ela já me seduz ao dizer que “as histórias conferem movimento à nossa vida interior, e isso tem importância especial nos casos em que a vida interior está assustada, presa ou encurralada. As histórias lubrificam as engrenagens, fazem correr a adrenalina, mostram-nos a saída...”. Penso em Nietzsche, que aposta no movimento. E movimento (e narrativa) é também cinema, onde muitas vezes encontro em filmes especiais indicações dessas saídas. Mas o que me interessa compartilhar hoje é este pequena história que ela conta na página 49 e que me levou a conexões com outras leituras e mesmo com o filme Ondine, comentado no post anterior.
“Os quatro rabinos
Uma noite quatro rabinos receberam a visita de um anjo que os acordou e os levou para a Sétima Abóbada do Sétimo Céu. Ali eles contemplaram a sagrada Roda de Ezequiel.
Em algum ponto da descida do Pardes, Paraíso, para a Terra, um rabino, depois de ver tanto esplendor, enlouqueceu e passou a perambular espumando de raiva até o final dos seus dias. O segundo rabino teve uma atitude extremamente cínica. “Ah, eu só sonhei com a Roda de Ezequiel, só isso. Nada aconteceu de verdade.” O terceiro rabino falava incessantemente no que havia visto, demonstrando sua total obsessão. Ele pregava e não parava de falar no projeto da Roda e no que tudo aquilo significava... e dessa forma ele se perdeu e traiu sua fé. O quarto rabino, que era poeta, pegou um papel e uma flauta, sentou-se junto à janela e começou a compor uma canção atrás da outra elogiando a pomba do anoitecer, sua filha no berço e todas as estrelas do céu. E daí em diante ele passou a viver melhor.
[...]
A história recomenda que a melhor atitude para vivenciar o inconsciente profundo é a do fascínio sem exagero ou retraído, sem excessos de admiração ou de cinismo; com coragem, sim, mas sem imprudência.”
Ansiosa e cercada de montanhas de livros e textos xerocados para ler (sou da atribulada tribo dos mestrandos), comecei a leitura, mas logo fui avançando para uma e outra história, pulando páginas. Tudo bem, volto quando necessário e certamente em algum momento o terei lido todo, ainda que leve tempo, afinal são mais de 600 páginas.
Na página 36 ela já me seduz ao dizer que “as histórias conferem movimento à nossa vida interior, e isso tem importância especial nos casos em que a vida interior está assustada, presa ou encurralada. As histórias lubrificam as engrenagens, fazem correr a adrenalina, mostram-nos a saída...”. Penso em Nietzsche, que aposta no movimento. E movimento (e narrativa) é também cinema, onde muitas vezes encontro em filmes especiais indicações dessas saídas. Mas o que me interessa compartilhar hoje é este pequena história que ela conta na página 49 e que me levou a conexões com outras leituras e mesmo com o filme Ondine, comentado no post anterior.
“Os quatro rabinos
Uma noite quatro rabinos receberam a visita de um anjo que os acordou e os levou para a Sétima Abóbada do Sétimo Céu. Ali eles contemplaram a sagrada Roda de Ezequiel.
Em algum ponto da descida do Pardes, Paraíso, para a Terra, um rabino, depois de ver tanto esplendor, enlouqueceu e passou a perambular espumando de raiva até o final dos seus dias. O segundo rabino teve uma atitude extremamente cínica. “Ah, eu só sonhei com a Roda de Ezequiel, só isso. Nada aconteceu de verdade.” O terceiro rabino falava incessantemente no que havia visto, demonstrando sua total obsessão. Ele pregava e não parava de falar no projeto da Roda e no que tudo aquilo significava... e dessa forma ele se perdeu e traiu sua fé. O quarto rabino, que era poeta, pegou um papel e uma flauta, sentou-se junto à janela e começou a compor uma canção atrás da outra elogiando a pomba do anoitecer, sua filha no berço e todas as estrelas do céu. E daí em diante ele passou a viver melhor.
[...]
A história recomenda que a melhor atitude para vivenciar o inconsciente profundo é a do fascínio sem exagero ou retraído, sem excessos de admiração ou de cinismo; com coragem, sim, mas sem imprudência.”
Em Imagens do Pensamento, um dos capítulos (se é que podemos assim chamar esse agrupamento de histórias, fragmentos, compilados no livro) de Obras Escolhidas, vol.II (Rua de Mão Única), de Walter Benjamin, o alemão fala do Caminho do Sucesso em Treze Teses. Diz ele no item 1:
“Não existe nenhum grande sucesso ao qual não correspondam esforços reais. Seria um erro, no entanto, admitir que esses esforços sejam sua base. Os esforços são a consequência. Consequência da elevada auto-estima e da elevada disposição para o trabalho daquele que se vê reconhecido. Por conseguinte, uma grande exigência, uma hábil réplica e uma feliz transação são os verdadeiros esforços subjacentes aos verdadeiros sucessos.”
Penso então...assim como os rabinos, não basta ter acesso ao conhecimento, é preciso saber decifrá-lo, apreendê-lo, senti-lo, num processo não necessariamente ou puramente racional. Aí recordo um dos diálogos do filme Ondine, onde o sábio padre alerta um assustado Syracuse: ser infeliz é fácil, já a felicidade requer esforços.
Bom para pensar.