terça-feira, 3 de setembro de 2013

ENCONTROS COM BENJAMIN, Walter (3)



MELANCOLIA DE ESQUERDA: A propósito do novo livro de poemas de Erich Kästner



Neste texto de 1930, WB fala de uma camada social que ascendeu economicamente e que gosta de expor essa condição. Trabalham para si mesmos (ao contrário dos magnatas das finanças que trabalham para as famílias) e com perspectivas de curto prazo. WB refere-se a esta essa camada intermediária, encravada entre os despossuídos e os industriais, para fazer uma ácida crítica aos poemas de Kästner*.

Diz WB que aqueles poemas alcançam apenas tal camada intermediária. Seus “acentos rebeldes” não chegam aos despossuídos e nem sua ironia atinge os industriais: “Sua função política é gerar cliques, e não partidos, sua função literária é gerar modas e não escolas, sua função econômica é gerar intermediários e não produtores”.

WB acredita que essa “inteligência de esquerda”, que, desde as duas décadas anteriores, vinha sendo agente de todas as conjunturas intelectuais, não conseguiu alcançar uma significação política consistente, uma vez que converteu os “reflexos revolucionários” em “objetos de distração, de divertimento, rapidamente canalizados para o consumo”.



Para WB, os poemas de Kästner não dão oportunidade à crítica e ao conhecimento, pois estes são “estraga-prazeres” e a intenção do poeta é apenas a autofruição, sendo a luta política esvaziada. Assim, tais poemas encontram seus leitores entre as pessoas de alta renda, “fantoches tristes e canhestros”, que, através de leituras desse tipo, tentam se reconciliar consigo mesmos, gerando assim a identidade entre vida profissional e vida privada que chamam de humanidade. Contudo, para WB esta é uma tarefa impossível, pois, nas condições da época, tal humanidade só poderia existir na tensão entre esses dois pólos, gerando reflexão e ação. Ao contrário de Kästner, Brecht, sim, alcançaria essa dimensão em sua obra.










"Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se esvai na fumaça da representação" (Guy Debord)





Não conheço os poemas de Kästner, nem leio alemão, mas uso aqui a crítica de WB para pensar outra dicotomia, hoje, entre vida pública e vida privada. As fronteiras entre estas duas esferas vêm se diluindo, ou já o fizeram. Contudo, não me parece que isso signifique autenticidade, transparência, o indivíduo expondo ao mundo o que é na sua essência, sem as máscaras que a sociedade impõe ou que adota por conta própria. Ao contrário, a percepção que frequentemente tenho é que essas máscaras, longe de caírem, assumem novos formatos na vida pública/privada e são expostas, especialmente, nas redes sociais. Lembrou de A sociedade do espetáculo, de Guy Debord? É por aí mesmo.



A tensão, por isso, não acontece e, por conseguinte, nem a ação ou a reflexão. Se alguns indivíduos querem apenas exposição, a outros não interessa confrontar sua vivência pessoal e sua atuação social. Seguros de sua sabedoria, esperteza e superioridade, não cogitam a possibilidade de rever conceitos, de abrir-se a novas interpretações do mundo, de ver/ouvir o outro.

Certamente, tal comportamento não é “privilégio” das últimas gerações, mas as novas tecnologias de comunicação, aliadas a um sistema onde as leis de mercado são soberanas, por certo elevaram a altíssima potência a possibilidade de exibição daquelas “inteligências de esquerda” (ou de direita ou de centro ou autodenominadas antipolíticas), raivosas e prontas para desqualificar quem os questione, fechando seus ouvidos e teclados ao diálogo.



* No livro Ein Mann gibt Auskunft.

 





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