sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

ANCELMO GOIS x Ансельмо Гойс

Prédio onde funcionou a KGB, conhecido como Lubianca (Лубянка), nome da praça onde está edificado, em Moscou. Clicado em setembro 2017 durante viagem à Rússia.


Uma das vantagens de “ser jovem há mais tempo” é que a gente tem é história pra contar, pelo menos enquanto a memória não nos abandona. E a vida é feita de histórias. Como diz a escritora Clarice P. Estés, “As histórias conferem movimento à nossa vida interior, e isso tem importância especial nos casos em que a vida interior está assustada, presa ou encurralada”. Bem adequado a esses tempos.

Esta semana, um dos temas que agitaram as redes sociais teve origem numa nota do Ministério da Educação, em resposta à nota publicada pelo jornalista Ancelmo Gois. O pessoal do MEC foi buscar uma entrevista que Gois deu ao jornal da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) em 2009, na qual ele fala de dos primórdios de sua carreira, das pessoas que o influenciaram, de sua militância política, do Golpe de 1964 e da repressão durante o regime militar. Conta ainda sobre sua passagem pela URSS, ainda muito jovem, fugindo da perseguição política, onde (óbvio) estudou teorias de Marx e Lenin.


Vendo, meio incrédula - ainda que esteja cada vez mais difícil a gente se espantar com alguma coisa neste país - as postagens sobre a conexão Ancelmo Gois e a KGB, me lembrei de um seminário a que assisti, no longínquo 2008, onde o veterano jornalista deu uma palestra. O local, acredite, era o Forte Duque de Caxias, no Leme.

 
Entrada do Forte onde funciona o Centro de Estudos de Pessoal


Na ocasião daquele seminário, fiz um texto para este, então iniciante, blog. O link vai lá embaixo, mas, para facilitar, copio a postagem aqui, fazendo as adaptações que a reforma ortográfica exigiu.

Gostei de relembrar aquele dia, mas deu uma pontinha de tristeza.

ANCELMO GÓIS E O GENERAL (postagem de 26/10/2008)

Descobri na última terça-feira, dia 21, algumas coisas bem interessantes. O Exército mantém um Centro de Estudos de Pessoal (CEP) no Forte Duque de Caxias, no Leme. Eu não sabia disso. O CEP (www.ensino.eb.br) é uma escola dedicada às ciências humanas e promoveu, durante a semana que acabou, um Seminário de Comunicação Social. Ponto para o pessoal de verde-oliva. Neste tempo de celebração das disciplinas tecnológicas, de educação-adestramento (falei disso no post do dia 2/10, citando o escritor Alcione Araújo) é bom saber que as da área de Humanas também têm seu espaço.


O primeiro palestrante convidado foi o veterano jornalista Ancelmo Gois. Mais um ponto para os organizadores. Como o evento é aberto à comunidade não-fardada, ou seja, gente como eu, lá fui, interessada tanto no que o Ancelmo ia dizer, como em conhecer a organização militar (como eles chamam “quartel”) plantada naquele belíssimo recanto do Rio de Janeiro.

Pois o saldo foi mais positivo do que isso. Foi muito bom ouvir o Ancelmo, à vontade, sem hipocrisia, dizer, por exemplo, que não é imparcial, nem na profissão, nem na vida pessoal. Para ele, é impossível ser imparcial, pois o ser humano é feito de emoção e, assim, estamos sempre tomando partido, aqui e ali.


A princípio fiquei meio decepcionada com essa afirmação, afinal me esforço para agir com imparcialidade. E a regra é dizer que a imprensa deve ser imparcial. Mas o calejado jornalista está muito certo. Afinal, o problema não é tomar partido – se vemos uma injustiça não podemos nos omitir –, é ser desonesto. Tomar partido não pressupõe caluniar, confundir certo e errado, mentir, omitir, lançar falsas verdades, como se vê frequentemente na mídia. (Se o texto fosse de 2018 eu estaria falando em “fake news”).

E Ancelmo Góis falou por boa parte da manhã sobre a imprensa e o direito de ampla defesa, sobre a tecnologia, o acesso das pessoas à informação, respondeu a perguntas, contou passagens de sua extensa carreira de jornalista. Sobre o direito de resposta, afirmou que “a imprensa não pede desculpas, xinga o sujeito na manchete e dá o espaço de resposta na seção de cartas”. E foi além: ao dizer que o Brasil é um país que não pede desculpas, incluiu aí, o Exército. E apontou a Justiça como base dos problemas com os quais o Brasil ainda convive. Como exemplo, citou a absolvição de Fernando Collor da acusação de improbidade administrativa.

A informalidade do sergipano, 40 anos de Rio de Janeiro, recorrendo a algumas inocentes expressões populares - que os mal-humorados poderiam chamar de palavras de baixo calão - deu um toque pitoresco àquele auditório, lotado de homens e mulheres fardados. Esta também uma surpresa para mim, na minha ignorância sobre as atividades do CEP: pensei encontrar lá apenas jovens universitários, já que havia visto o cartaz do Seminário na UFRJ. Até havia alguns, além de senhoras de cabelos brancos que, imagino, são frequentadoras do Forte. Mas a maioria da plateia era composta pelos militares, do Rio, de outras cidades e até do exterior, inclusive dois bolivianos. Mais um ponto para o CEP.


Apesar do inevitável ritual, como o bater de continências, e de um tom mais formal na abertura e encerramento, o clima do encontro foi agradavelmente descontraído, especialmente graças ao General Sérgio Tavares Carneiro (Diretor de Pesquisa e Estudos de Pessoal), um jovem senhor sorridente (ou os generais são mais jovens do que sempre imaginei ou eu estou mesmo ficando velha...). Foi com franqueza e simpatia que ele contou como se aproximou de Ancelmo. O jornalista publicou uma nota de denúncia, sem checar, sobre uma suposta violação ao meio ambiente, numa unidade do Exército. Depois de algumas tentativas frustradas, o General conseguiu ardilosamente chegar ao famoso jornalista e a partir daí tudo se esclareceu. Um almoço, uma boa conversa e, mais tarde, o convite para a palestra.

Ancelmo contou que esteve preso por 30 dias durante o regime militar, mas admitiu que, desde então, aprendeu muito. E enfatizou a importância do Exército Brasileiro para a preservação ambiental, lembrando que é graças aos militares que algumas áreas verdes da cidade – como a Restinga de Marambaia e morros – resistem à devastação. Bonito ver a aproximação destes dois brasileiros de trajetórias tão distintas e amizade, talvez, improvável.

Saí do Forte Duque de Caxias para o dia azul, o mar de Copacabana luzindo ao sol, com a sensação de estar mais confiante na possibilidade de entendimento entre os seres humanos.





Link para entrevista com Ancelmo Gois, jornal da ABI: http://www.abi.org.br/entrevista-ancelmo-gois-2/












Citação de Clarice Pinkola Estés tirada do livro “Mulheres que correm com os lobos – mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem”. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p. 36

 


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