domingo, 10 de junho de 2018

CRÔNICAS RUSSAS (4) - São Petersburgo: um rolezinho, Santo Isaac e um susto na despedida


Domingo, 17/09. Últimas horas na cidade de Pedro. Mesmo com o tempo ruim, arrisquei uma caminhada pelas redondezas do hotel. Decidi fazer nova tentativa de visitar a Catedral de Santo Isaac, já que no dia anterior a chuva de vento tinha tornado esta tarefa bem complicada. 



Havia filas nas bilheterias e eu estava um tanto insegura se conseguiria me fazer entender no guichê. Enquanto decidia se ia ou não visitar o santo, circundei a catedral e dei uma esticada até uma praça que fica próxima. Lá encontrei Nikolai Gogol, uma das celebridades da literatura russa do século XIX.



Nikolai Gógol





Vista aérea da Catedral de Santo Isaac à noite (foto da internet)

Voltei decidida a tentar me comunicar com o caixa, que – aleluia! - entendeu meu inglês. Além de comprar o ingresso, precisava saber qual o tempo necessário para uma visita, mesmo básica. Há dois tipos de ingresso para conhecer por dentro a maior catedral de Petersburgo: um para visitar apenas a igreja propriamente (250 rublos) e outro, completo, que dá acesso às colunatas. A vista lá de cima deve ser fantástica, mas não havia tempo para subir os muitos degraus e a chuva também era desanimadora. Enfim, me contentei em conhecer “apenas” os salões. Um espetáculo de cores e dimensões impressionantes. 















Uma coisa que me chamou a atenção desde que cheguei à Rússia foi a presença de militares circulando pelas ruas, como esse grupo em visita à Catedral. Não perguntei a respeito, mas, imagino que, além do fato de o país estar envolvido em ações que demandam o uso de tropas, como acontece na Síria, por andarem fardados, e não à paisana, são mais percebidos do que em outras cidades, onde certamente também transitam militares, mas não os notamos (a não ser quando em operações como a intervenção militar que acontece no Rio). Detalhes que observamos e, mesmo sem palavras, muito nos dizem sobre a História de cada país e a relação que mantém com suas instituições. 

No dia anterior, durante nossos deslocamentos, Natasha nos contou mais sobre a vida, a política, a História da Rússia. Após o colapso do regime soviético, em 1991 abriu-se o mercado às companhias estrangeiras. O primeiro McDonalds foi inaugurado em 1993 e provocou enormes filas de gente curiosa para conhecer essa “maravilha” do mundo capitalista. A década de 1990 foi um período de muita turbulência e propícia aos aproveitadores e golpistas. Surgiram os novos ricos, oligarcas. Alguns não sobreviveram, acabaram sucumbindo, e os que permaneceram tiveram de se adequar à nova ordem (evidentemente um processo complexo, envolvendo poderes dentro e fora da URSS/Rússia. Confira nesta entrevista).  

O historiador Daniel Aarão Reis, num relato muito interessante, com detalhes que vão do dramático ao cômico, no livro De volta à Estação Finlândia nos conta como foi estar na Rússia nesse período. Meu exemplar, autografado, me acompanhou por toda a viagem (clicado aqui, ao acaso, na cabine do barco Estocolmo-Tallin, com minhas bolinhas de homeopatia e colírios).  

Natasha nos conta que a vida da classe média melhorou nas últimas décadas, com investimentos do governo em infraestrutura e moradia. Os russos deste estrato social têm menos recursos e bens materiais do que as pessoas de classe média daqui, contudo, a desigualdade social não é tão extrema como no Brasil. Pelo que percebi, ouvi e tenho lido, de modo geral, as pessoas vêm lutando por uma vida com mais conforto, estudando, buscando oportunidades, abertas ao mundo. Sem luxo ou consumismo excessivo.



Os meses de junho, julho e agosto são de férias. É o verão russo. O ano letivo começa no dia 1º de setembro, chamado “Dia do Conhecimento”. De 1º a 10 de janeiro há um longo feriado, sendo comemorado no dia 7 o Natal, já que, para esta festa religiosa, seguem o calendário juliano. A troca de presentes é feita na virada de ano, ou seja, antes do Natal. Os feriados mais importantes são o 1º de Maio e o Dia da Vitória, 9 de maio, celebrado com grande e emocionada participação do povo, que homenageia os 26 milhões de russos/soviéticos mortos durante a 2ª Guerra Mundial, que chamam de Grande Guerra Patriótica. Em Moscou, dias depois, eu teria a oportunidade de visitar o Parque da Vitória, uma experiência impactante.






Cena curiosa que vi algumas vezes: noivas e amigos pela cidade, mesmo sob chuva.



O maior país do planeta (dobro do tamanho do Brasil) tem cerca de 145 milhões de habitantes (o Brasil tem quase 208 milhões). Nos anos 1990 as famílias diminuíram de tamanho, geralmente com filhos únicos. Atualmente, o governo concede um tipo de Bolsa Família para quem tem o segundo filho. O valor pode ser usado para moradia, aposentadoria da mãe ou formação universitária do jovem. A aprovação do governo Putin na época da minha viagem (cerca 65%) foi confirmada nas recentes eleições. Entre críticas, acusações, intrigas, aparições de peito nu, mergulhando em águas geladas, caçando ou cavalgando, o ex-agente da KGB, nascido em Peter, vai dando à Rússia uma nova cara e colocando seu país numa nova posição no mapa da geopolítica. O que virá, só a História poderá nos dizer, daqui a alguns anos ou décadas.




Gostaria de ter entrado, mas só vi da janela do ônibus.

O famoso Teatro Mariinski. E militares passando.

Belas cúpulas


"Troféus" da passagem por Petersburgo
 Hora de ir embora, desejando muito ficar mais dias. Mas... o SAPSAN (Сапсан), rumo a Moscou, nos esperava. Na despedida, uma experiência que não pretendo repetir. O ônibus que nos pegou no hotel nos deixou bem longe da estação e tivemos de caminhar bastante. Atenta para não me perder, procurei me manter sempre perto do grupo mas... num breve segundo em que puxei o celular para fazer uma foto, sem parar de caminhar, cadê todo mundo? Sumiram misteriosamente. Tentando não entrar em pânico, segui um pouco à frente. Sabia que não podiam estar longe, contudo não reconhecia ninguém no povaréu à volta. A aflição era também com nossa guia, que devia estar bem preocupada com a “ovelha brasileira desgarrada”.



Acontece que exatamente naquele trecho ficava uma entrada para a estação e, em meio a tanta gente, eu não percebi. Mas achei uma fila num acesso por onde entravam as bagagens (os carregadores russos pareciam não gostar nada daquele movimento ali) e saí perguntando em português e inglês se tinha alguém do grupo da Abreu. Nada. Por sorte, um rapaz que falava português me aconselhou a ficar naquela fila mesmo, já que eu estava com o bilhete do trem. Um simpático casal, ele americano, ela russa, também se solidarizou comigo e, ao saber que era carioca, falaram da vontade de conhecer o Rio. Relaxei e segui na multidão até a plataforma onde, de longe, num mar de cabeças, avistei a bandeirinha salvadora da Abreu. Final feliz, mas o susto foi bem grande. Ainda bem que a foto da Leningrado, Cidade Heroica, valeu a pena.

Praça Vosstaniya e obelisco "herói cidade" Leningrado