terça-feira, 5 de julho de 2016

CRÔNICAS PERUANAS (2) - Cusco, Cuzco, Kosko, Qosqo



Mais um dia de pássaro madrugador. Vamos nós de volta ao aeroporto Jorge Chávez (nada a ver com venezuelano Hugo, alerta o guia), agora para um voo nacional. Não imaginava que saíam tantos voos para Cusco. A sala de embarque está apinhada (há, obviamente, voos para outras cidades), uma Babel de idiomas conhecidos e desconhecidos. Captei até russo.

Depois de longa espera, embarcamos rumo às montanhas. Do nível do mar para os 3.400m de altitude. Já vou praticando exercícios respiratórios no avião (será que ajuda?) e mastigando balinhas coca. A meu lado, uma simpática costarriquenha (alguém conhece um nativo da Costa Rica?) e na janelinha um cusqueño autêntico. Entusiasmado, vai apontando as belezas dos Andes e faz as vezes de meu personal fotógrafo aéreo. Uma hora de voo e a chegada a Cusco, com bastante emoção, raspando os telhados das casas cor de barro. 














A chegada não chega a ser um acontecimento, a cidade que se mostra não é exatamente bonita ou convidativa. Novamente procurar a plaquinha da Viajes Pacífico (super competentes) com meu nome, embarcar na van, seguir para o Hotel San Augustin El Dorado. Junto comigo vai Irma, uma bonita mexicana, visual caprichado, muito animada. Passaríamos vários momentos e emoções juntos: eu, ela e seu pau de selfie.

Logo a guia nos alerta que a cidade está em festa (não é apenas no dia 24, o Inti Raymi, como eu imaginava) e várias ruas fechadas para desfiles, inclusive a Av. El Sol, no trecho de nosso hotel. Ou seja, aquela regrinha básica de chegar a Cusco e descansar já está prejudicada: teríamos de andar alguns quarteirões, subindo. A pobre da guia foi arrastando nossas malas. 


Aí a pessoa dá aquele furo (ah, a ignorância...). Desfiles e a cidade de ponta a ponta enfeitada com bandeiras do arco-íris, a pergunta sai espontânea: vai ter parada gay? Não, criatura, aquelas bandeiras são símbolo da cidade de Cusco. Ou foi uma coincidência ou a comunidade gay copiou a bandeira, que não é patenteada. Enfim, vamos em frente, isto é, depois de uma leve sensação de desmaio ao chegar à porta do hotel. Sol, calor. Muita gente nas ruas, uma explosão de cores na cidade de casas sem cor.  

Instalada na habitación, fome saciada, esperar pelo City Tour. Olhando o movimento na porta do hotel me deparo com uma señora com um bebê peludo no colo, chapeuzinho de flores na cabeça. Sorridente, me seduz a tirar uma foto, claro em troca de alguns Soles. E a danadinha até fala inglês, deve ter achado que sou gringa. Claro que não resisti. Fotografei a cusqueña e depois tomei coragem e peguei a alpaquinha Paulina no colo. Veria muitas outras depois pela cidade. Fiquei com um misto de carinho pelas mulheres simples, que tentam ganhar algum dinheiro, e dó dos bichinhos. Aliás, o assédio de ambulantes é enorme. Vêm atrás de você ... “mamita”... “mamita”... querem vender tudo e são por vezes até inconvenientes. Mas nada que não possamos levar com jeito e calma, sem perder a paciência. Afinal, estamos em CUSCO, cara!



Vamos caminhando para o City Tour, que nem pôde ser completo devido à aglomeração de pessoas e às ruas fechadas. O bando de turistas do qual faço parte tem canadenses, chilenos, argentinos, mexicanos, portugueses... O pau de selfie da Irma vai, firme e forte, como um periscópio.

Os ingressos, no meu caso, já estão incluídos no pacote que comprei na Abreu, mas podem ser adquiridos em qualquer agência da cidade. Visitamos o espetacular Convento de Santo Domingo, construído sobre o QoriKancha (que palavra maravilhosa!), recinto ou templo do ouro, em quéchua, principal edificação do império Inca. Ouro, aliás, é o que não faltava nas construções, revestindo as paredes. Muito foi levado pelos espanhóis, deslumbrados com tanta riqueza, mas há uma profusão de dourado na Catedral de Cusco, uma monumental construção que se divide em três partes, dos séculos XVIII, XVII e XVI. Não por acaso Cusco é Patrimônio da Humanidade.




Nestes locais há muitas belezas, curiosidades e detalhes que possivelmente escapariam ao visitante, não fossem as explicações detalhadas dos guias: o Cristo Negro, a Virgem embarazada (grávida), a representação da Santa Ceia onde o prato servido é um cuy (pequeno roedor muito consumido na região, nosso porquinho da Índia) e Judas com o rosto de Pizarro. A cultura pré-colombiana se mescla à cultura cristã, como os santos e anjos nas Missões Jesuíticas do Brasil, Argentina e Paraguai, que têm as feições dos índios Guaranis. Na catedral nada pode ser fotografado, claro, mas há muitas imagens na internet, como esta:


A argamassa usada pelos Incas continha clara de ovos e tudo era recoberto por ouro. A posição do sol era milimetricamente calculada em relação a determinadas aberturas, de modo que os raios incidissem com precisão em certos pontos dos templos, indicando o solstício de inverno (21 de junho). Os construtores levavam em conta também a atividade sísmica da região, dispondo as enormes pedras de tal forma que suportassem os tremores, com encaixes e inclinações sabiamente calculados. Senti profunda vergonha alheia das obras do século XXI que se esfacelam ou mesmo desabam na atual cidade olímpica. 
 
Ângulos e encaixes precisos


 A volta para o hotel ficou por nossa conta. A esta altura, as ruas já estavam abarrotadas de gente. São desfiles que se sucedem, de grupos, trabalhadores, associações... Muita comilança, pelas calçadas mesmo. É a festa do povo de Cusco para sua cidade.  




Onde está Irma? (e seu pau de selfie)
Depois de uma feroz batalha abrindo caminho entre aqueles guerreiros de rostos morenos, olhos levemente puxados e nariz típico, cheguei ao hotel, já perdida da Irma e seu companheiro, que ficaram em algum lugar pelo caminho.

Resumo: a última coisa que fiz em Cusco neste primeiro dia foi descansar para me adaptar à altitude. Uma dor de cabeça chatinha apareceu à noite, mas até então tudo estava sob controle.

Ah, o céu dos Andes é um caso à parte. Poluição zero. 

 A temperatura cai como um viaduto (com licença, Aldir). A festa rola solta lá fora, até tarde. Sopinha quente. Banho. Arrumar mala (de novo!). Té de manzanilla. Cama. TV. Conferir as fotos. Dormir.

Na manhã seguinte, adivinha? Pular cedinho da cama para seguir pro Valle Sagrado. Por ter decidido a viagem em cima da hora, tive de alterar o roteiro e deixar Cusco no dia de Inti Raymi, a Festa do Sol.  Mas...  I’ll be back.









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