quarta-feira, 27 de julho de 2016

CRÔNICAS PERUANAS (3) – Valle Sagrado de los Incas, parte II



Barriguinha cheia, deixamos o Tunupa e voltamos à estrada. O que veio a seguir me surpreendeu e encantou: o sítio arqueológico de Ollamtaytambo. Sabia que estava no roteiro, mas, com o pensamento voltado para Machu Picchu, não tinha pesquisado sobre esse povoado onde se ergue uma imponente construção pré-colombiana. O templo de Ollamtaytambo foi usado como fortaleza durante a resistência ao colonizador e é a única cidade originária do Império Inca ainda habitada pelos seus descendentes.






Quando a guia – Maria, uma cusqueña pequetita e adorável – propôs que subíssemos aquela escadaria, achei que não daria conta. Mas... como desperdiçar uma oportunidade como esta? Reuni toda a coragem, mais o orgulho nacional verde-amarelo-rubro-negro, e lá fui eu.





O chão pedregoso exige muita atenção. Apenas umas cordinhas delimitam a trilha. Não há grades para proteção e evitar quedas. Seria mesmo uma agressão estética colocar grades num local como aquele. Então, subir com cuidado, parando para tomar fôlego e admirar a paisagem. 



Ali também a engenhosidade inca se mostra, na precisão do encaixe dos blocos de pedra e quanto à incidência dos raios de sol, como nesta abertura por onde jorra água.




Valeu cada segundo de esforço, tanto pela vista, pela emoção de estar num lugar carregado de história, como pela superação do medo de cair daquela altura (além do esforço pela altitude) e de ter um piripaque. Agradecer à Pachamama o privilégio de estar ali, tocando aquelas rochas seculares. 


Cumprida a missão, orgulhosa, fiz pose para o pau de selfie da Irma, com nossos companheiros chilenos ao fundo.



Há uma feirinha aos pés da fortaleza, onde não pudemos nos deter por muito tempo, pois tínhamos de prosseguir até Yucay. Por um momento me perdi da guia, quase entrei em pânico. Logo ia escurecer e me vi sozinha no meio daquelas montanhas. Mas a pequenina grande Maria logo me resgatou naquela profusão de cores e sotaques. 




De volta à estrada, rumamos para o Hotel Posadas Del Inca, em Yucay. Na beira da estrada, os nativos exibem os pobres cuys espetados na ponta de uma vara, convidando os turistas para uma refeição.

Passamos por este belo monumento, que marca o Museo Inkariy. Não o visitamos, mas vale a pena dar uma olhada nesse link que achei na internet: https://www.youtube.com/watch?v=E9cSuX86acs


O Hotel Sonesta Posadas del Inca, em Yucay, é um capítulo à parte. Instalado num antigo mosteiro, é um oásis na aridez do deserto. Grandes espaços, jardins exuberantes. Lamentei ter chegado ao final do dia e ter de sair na manhã seguinte, cedinho. Senti-me em Sevilha, cidade onde estive em 2007 e que meu coração cigano gostaria de revisitar.

Além da Irma, a mexicana do pau de selfie, conversei bastante com o simpático casal chileno, muito interessado nas coisas do Brasil, super gentis. Trocamos informações, ideias e, maravilha!, demos boas risadas. Fiquei muito prosa porque todos elogiavam meu espanhol. Acho que foi o efeito do pisco e da magia daquele lugar...
Da janela do meu quarto





A noite gelada termina com uma boa conversa com a funcionária da cafeteria do hotel (uma fofa), sopinha pra aquecer, música peruana na recepção do Hotel e um céu estrelado. Ver o Cruzeiro do Sul no coração dos Andes inspira e aquece a alma desta viajante que desde menina está sempre mirando o céu em busca de respostas (e às vezes só encontra perguntas).

Pezinhos aquecidos, descansar. Amanhã, Machu Picchu. 

quinta-feira, 21 de julho de 2016

CRÔNICAS PERUANAS (3) – Valle Sagrado de los Incas, parte I



Começa o terceiro dia de viagem. É dia de San Juan, nosso querido São João. A Festa do Sol (Inti Raymi) que acontece nesta data em Cusco era originalmente celebrada no solstício de inverno, 21 de junho. Com a chegada dos espanhóis, foi mudada para o dia do santo católico. Não consegui reserva para este dia, assim, peguei a estrada rumo ao Valle Sagrado de los Incas. Nada de aeroportos desta vez, felizmente! Mais uma turma de turistas de várias nacionalidades: coroas como eu, outros mais jovens, vários casais. Todos com aquela cara de estudante em passeio da escola.



Nosso roteiro é extenso e muito promissor. Temos várias paradas pelo caminho, montanha abaixo. Em alguns trechos, uma vista panorâmica do Valle Sagrado. Lá está o rio Urubamba, poderoso. A paisagem é totalmente diferente daquela a que estamos acostumados no Brasil, com nossa exuberância tropical, Mata Atlântica, Serra da Mantiqueira... O deserto tem sua própria beleza e segredos.



A primeira parada é em Awana Kancha, um projeto privado que reúne 14 comunidades nativas. Uma parte adorável do passeio, para quem ama os animais, como eu. Uma breve aula sobre os camelídeos ou camélidos – (Camelidae é o nome de família destas elegantes senhoras llamas). E não é que elas vêm da América do Norte? Seus parentes camelos e dromedários foram para a África e elas, com os primos alpacas, vicunhas e guanacos, ficaram pela América do Sul. A grande sensação é dar comidinha para estas fofas, uns galhinhos verdes que elas disputam vorazmente. A “criançada” (inclusive eu, claro) se diverte!


  

Aprendemos também um pouco sobre o trabalho de maravilhosas tecelãs (tecem, como eu!) e como a confecção das peças requer não apenas habilidade, mas muito trabalho, daí o valor mais alto quando comparado com o das peças feitas com fio sintético, facilmente encontradas nas lojas e barraquinhas. Muitas vezes, há apenas uma lañadura (tosa) por ano e o colorido tanto é o natural do pelo do animal, como pode vir de pigmentos, como o da cochinilla, um inseto. A tecelã sacrifica uma dupla para nos mostrar como retiram o pigmento. Pobres coitados.. mas foi por uma boa causa e viverão ainda por muitos e muitos anos embelezando as tramas de alguma peça.




Lá podemos conhecer também as muitas variedades de milho e batata dos Andes.



Em meio aos camelídeos, cochinillas e tecelãs, este encanto de criança. Pedi licença à mãe (?)... avó(?) e fotografei.

 

Há uma loja no local, mas não cheguei a comprar nada ali, pois o tempo é curto e há muita coisa para se olhar. Os preços fazem jus às explicações recebidas. Não são baratos. Depois do pipi de praxe, mais uma inspeção ao redor, conferir a paisagem, e de novo embarcamos em nosso ônibus.
 


Fomos então ao Mercado de PISAC, uma festa de formas e cores, contrastando com as montanhas ao fundo. A guia nos ensina um cumprimento em quéchua: Imaynalla (imaináia), algo semelhante ao nosso “Como estás?”. E assim vamos saudando os nativos.



Em Pisac não podemos deixar de experimentar a empanada recém saída do forno (4 Soles). Num canto, gaiolinhas onde são criados os cuys. Podem chamar de hipocrisia, já que não sou vegetariana, mas não olhei muito para eles (pensei no corredor da morte). Comemos a empanada (deliciosa), mas dispensamos o cuy. 



Não pude explorar muito o mercado (pena!) porque me demorei na Joyería Paty, loja de pratas indicada por nossa guia. As peças são lindíssimas. Novamente uma aulinha para diferenciar a prata pura das falsas pratas. Aí, sim, fiz umas comprinhas... difícil escolha. A variedade é enorme. A paciência das vendedoras também.

Seguimos para um almoço num local encantador, cercado de flores: o Tunupa (uma das divindades dos povos ancestrais), à beira do Urubamba. Um pisco sour de boas vindas, comida boa e um cenário de castelo espanhol que fez eu me sentir a própria rainha Isabel de Castela.







 
O Rio Urubamba corre junto ao Tunupa

Nossa expedição pelo Valle Sagrado continua na próxima postagem. Até lá!


Dicionário quéchua e aymara: http://www.katari.org/diccionario/diccionario.php