domingo, 8 de novembro de 2015

ERA UMA VEZ NO SUDESTE


Em 1968 Sergio Leone marcou um gol de placa (um deles) na história do cinema ao lançar Era uma vez no Oeste, uma obra-prima que rende homenagem aos filmes de faroeste. Com fotografia que por vezes lembra uma pintura renascentista, o longa reúne todos os clichês do gênero: homens barbudos, sujos e malvados, locomotiva fumegante, cobiça, vingança, duelo ao sol e Colt 45. Some-se ainda música e sonoplastia primorosas, mais o auxílio luxuoso de uma Claudia Cardinale exuberante e os incrivelmente azuis olhos de Henry Fonda, mais frios do que nunca. E tem mais: o brutamontes mais doce do cinema, Charles Bronson, capaz de acertar um alvo com precisão de campeão olímpico.

 
Av. Rio Branco, domingo, 01/11/15
Os trilhos do VLT avançando pela cidade olímpica parecem uma versão pós-moderna da saga dos desbravadores do Oeste. Vá lá que em vez de carroças e rochas esculpidas pelo vento temos prédios e um trânsito de tirar a paciência do mais zen dos motoristas. Mas estão lá os buracos, poeira, homens trabalhando e, principalmente, a aura de progresso, aquilo diante do que qualquer sacrifício – seja de moradores removidos, seja do patrimônio histórico, ou do meio ambiente – se justifica. E, junto com este conceito de desenvolvimento, o charme do cosmopolitismo e, é claro, o brilho do ouro que reluz nas grandes obras, não mais em barras, mas sob a forma de reais, dólares ou euros.



Trocando os figurinos e cenários, temos uma história atual. No filme de Leone, as terras de Sweetwater, desprezadas por todos, ganham subitamente um valor inimaginável, graças à chegada dos trilhos que trazem junto, além da estação de trem, a oportunidade de negócios, de se ganhar dinheiro. É o que hoje chamaríamos de gentrificação, uma palavrinha (ou palavrão?) que vai se tornando familiar para quem acompanha as mudanças no cenário urbano. Aquele metro quadrado que não valia nada pode, de repente, ser valorizado ao extremo e, por isso, ser disputado avidamente por investidores, seja para construírem saloons, prédios de escritórios ou estacionamentos.



Interessante que, sob pedra e asfalto, os operários do VLT encontraram trilhos dos antigos bondes que cruzaram a cidade e até o calçamento pé de moleque, de fins do século XVIII. Arqueólogos, historiadores e defensores da memória e da cultura clamam por sua preservação; as escavadeiras avançam. São camadas e camadas de História, sobrepostas, num faz-desfaz-faz de novo. Como dizia Marx (o barbudo vermelho, não o paisagista tupiniquim), tudo que é sólido se desmancha no ar. Ou sob as máquinas do progresso.



Daqui a uns 200 anos, as obras do Rio Olímpico talvez sejam olhadas como olhamos hoje a conquista do Oeste. E no lugar dos trilhos do VLT poderá haver uma cidade de ficção científica ou uma empoeirada viela de terra. Vai saber?



Mirando num futuro mais próximo, vemos o VLT chegando triunfal à Av. Rio Branco, onde será recebido com festa, muitos discursos, fotos. Nosso alcaide “desbravador”, cercado de autoridades de diversos quilates, ostentará no rosto o sorriso dos vencedores. E é irresistível imaginar o Prefeito, o Governador, o Presidente do Comitê Olímpico ou qualquer outra autoridade com aquelas capas compridas, na (antológica) sequência inicial de Era uma vez..., atentos à chegada do trem. Pena que Charles Bronson não estará nele.



Aqui você vê o trailer de Era uma vez no oeste: https://www.youtube.com/watch?v=MNGQ1hUyx-k#t=33

4 comentários:

Bia Martins disse...

Muito bom, Teresa.

Infelizmente, é isso mesmo. Vale tudo pelo "progresso"...

Parabéns pelo belo texto!

bjs

Bia

Tecelã disse...

Obrigada, Bia. Infelizmente esse modelo de "desenvolvimento" a qualquer preço, sem uma visão mais ampla e responsável sobre a relação custo x benefício social/ambiental, está tomando conta mesmo das cidades do interior.
Beijo!

Unknown disse...

Parabéns pela ousadia e sutileza..será? das comparações entre o novo, a locomotiva ,VLT, e o velho herói..cauboy, "PROGRESSO", que está chegando ao fim deste tempo...lendo o teu texto me confirmo no sentimento..era uma vez...

Tecelã disse...

Valeu pela visita e comentário, Virgilio. Mais do que críticas, queixas, estas questões levantam reflexão. Como diz o sábio Pepe Mujica, a política está muito precisada de filosofia. Bj.