terça-feira, 22 de outubro de 2013

Sala Escura: SERRA PELADA



Assistir ao filme Serra Pelada é, de certa forma, garimpar. O longa de Heitor Dhalia tem seus méritos, inclusive o de resgatar um episódio, digamos, cinematográfico da história do país. É uma produção esmerada, que evidencia um trabalho sério de pesquisa. Mas nem tudo é ouro, tem algum cascalho.



A entrega dos atores a seus personagens, a reconstituição do garimpo (numa pedreira em São Paulo), o cuidado com cenografia, figurinos e a fotografia não escondem falhas no roteiro (de Dhalia e Vera Egito). Quando a história projetada na tela não está sendo bem contada, os sintomas são o desconforto na cadeira do cinema e a vontade de olhar o relógio com frequência. Foi assim que assisti ao filme, especialmente a partir da metade da projeção.



A transição de Juliano (Juliano Cazarré) que, cego de ambição, passa por cima da amizade com Joaquim (Júlio Andrade) para conquistar dinheiro e poder, funcionaria melhor se fossem economizadas, ou inseridas na trama de modo mais eficiente, as cenas de sua relação com a prostituta Tereza (Sohpie Charlotte). O ritmo da narrativa cai quando foca nestes dois personagens e suas repetidas cenas de tapas e beijos, de olhares e DR.



Sobram também algumas cenas no vilarejo Trinta, onde os homens vão em busca de prazeres e disputas, dando ao filme um certo tom “didático” sobre o estilo de vida dos milhares de homens-formiga, seus patrões e todos que gravitavam em torno daquele mundo movido pela ânsia de “bamburrar”.
  
Quando o clima de faroeste (no site IMDb o filme é classificado como western) se sustenta e aposta na tensão, inclusive nos movimentos de câmera, o filme ganha fôlego e prende melhor a atenção do espectador.


Se roteiro e edição não alcançam o vigor de “O cheiro do ralo” (Dhalia, 2006), em seu conjunto, Serra Pelada é um filme que tem seu lugar na cinematografia nacional e vale a pena ser prestigiado pelo público. E Wagner Moura, sem demérito para os demais atores, é um caso à parte, ouro que brilha no fundo da peneira. 

SERRA PELADA
Direção: Heitor Dhalia
Roteiro: Heitor Dhalia, Vera Egito
Brasil, 2013, 104 min, 14 anos

sábado, 12 de outubro de 2013

DESCOBRIMENTOS



Quando somos crianças
nos mostram um pátio
onde podemos correr.
E este pátio é sempre
pequeno demais
            para nossos desejos
estreito demais
            para nossos sonhos.
Mas, dizem eles, é tudo o que temos,
e do que precisamos,
e de seus limites
não podemos passar.

Mas o tempo,
que desfaz todas as mentiras,
corre veloz
e acabamos descobrindo,
por nós mesmos
ou por imposição da vida,
que muita coisa há fora dos limites
do pátio de nossa infância.
Muita coisa...
Algumas delas conquistamos sem dor
mas há outras que estão além
dos muros cobertos de arame farpado
e cacos de vidro.
E nos ferimos ao cruzá-los.
E sangramos.
Mas percebemos que, apesar da dor,
mais vale ultrapassar
as fronteiras do pátio
do que viver
sem dor
uma vida
            pequena.


sábado, 5 de outubro de 2013

Sala Escura: MATO SEM CACHORRO



Existe vida inteligente na comédia nacional.



O ritmo é de cachorro novo, ágil, sapeca, imprevisível. Um retrato do Rio de Janeiro sem recorrer a estereótipos, ou melhor, usando os estereótipos com esperteza, sem a preguiça que costuma contaminar algumas produções do gênero.


Pedro Amorim (irmão dos também cineastas Vicente e João Amorim) e o roteirista André Pereira acertam na mão. Doses certas de romantismo, fofura, deboche, humor. E, felizmente, não recuam diante do politicamente correto. Mas nem por isso soam grosseiros, agressivos, baixo nível ou sexistas. Há nudez, mas não apelo ao erotismo (marca registrada de 9 entre 10 produções nacionais), afinal Danilo Gentili pelado não é exatamente  “conteúdo erótico”.


Deco (Bruno Gagliasso) é um produtor musical, sem noção, que vive com fones de ouvido, fora da realidade. Um dos muitos adolescentes tardios que se recusam a virar gente grande. Carioca, divide o apartamento com, Leléo, o primo 100% paulista (Danilo Gentili). Deco faz inusitadas mashups, misturas sonoras juntando parceiros improváveis. A trilha sonora do filme explora de modo eficiente esta característica do personagem.



Um cachorrinho fujão provoca o encontro de Deco e Zoé (Leandra Leal), após um quase atropelamento. O cãozinho, que sofre de narcolepsia e desmaia sempre que fica animado, vai formar com o casal uma típica família feliz. Por dois anos. Cansada dos vacilos de Deco, Zoé, uma radialista dinâmica e batalhadora, parte para outro relacionamento, com o impagável misto de atleta-guru-terapeuta zen vivido por Enrique Diaz. Deco fica sem a namorada e sem Guto, agora um cachorrão.



Usar o recurso do “filme caseiro” para mostrar a passagem de tempo entre o encontro inicial dos protagonistas – rapaz, moça e cachorro – até a separação, dois anos depois, funciona muito bem, na duração certa. Contudo, quanto à duração, o filme poderia enxugar alguns de seus mais de 120 minutos, limando algumas piadas definitivamente dispensáveis ou encurtando algumas cenas.


Um ponto forte é a multiplicidade de referências. Nada passa despercebido. Cenografia, trilha sonora, diálogos, e muitas, muitas referências a filmes, piadas, canções, e até a certa beldade, avessa à depilação, que já mereceu as páginas de uma revista masculina.



Pode haver certo excesso no elenco recheado de nomes conhecidos - Elke Maravilha, Marcelo Tas, Rafinha Bastos, Fausto Fawcett, Sidney Magal – mas não dá pra dizer que se trata de forçar uma barra para encher um filme vazio. A cantora Sandy entra na história e serve de mote pra discutir (va lá, nem tanto) a questão do direito de imagem. Acredite, até uma versão de Zé Pequeno comparece.


Gabriela Duarte está impagável como a mulher liberada, desbocada e que bebe todas, e Letícia Isnard também dá seu recado com competência.  A fotografia, como a música, vai traduzindo os momentos dos personagens, revelando uma Copacabana ora ensolarada ora nublada, céu carregado. E não falta a crítica bem humorada, mas nem por isso menos pertinente, sobre o universo canino e seus excessos, como o Spa para quatro patas. Hilário. E, claro, na trilha não pode faltar o velho e bom Waldick Soriano, que não é cachorro não.


Enfim, são inúmeros detalhes (como o Toddynho e o pão doce colegial), referências, que se encaixam, harmonizam e compõem um filme gostoso de assistir. Até o merchandising de comida pra cachorro desce sem arranhar a garganta do espectador. Tenha você cachorro ou não.



Mato Sem Cachorro (2012, 122 min)

Direção: Pedro Amorim

Roteiro: André Pereira

12 anos (conteúdo sexual, linguagem imprópria)