sábado, 10 de agosto de 2013

ENCONTROS COM BENJAMIN, Walter (1).





Um dos livros mais citados em bibliografias de textos das áreas de Ciências Sociais e de Humanas é sem dúvida “Obras Escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política” do alemão Walter Benjamin (1892-1940). Lendo e/ou relendo esse clássico, nem sempre de fácil compreensão e por vezes até ambíguo, vou registrando algumas passagens e levantando algumas reflexões.



 “A IMAGEM DE PROUST”-Texto é aquilo se tece. Memórias são tecidas de reminiscências e esquecimento.
Marcel Proust


Neste ensaio, WB se debruça sobre o livro de Marcel Proust “Em busca do tempo perdido” (À la recherche du temps perdu), publicado entre 1913 e 1927 e com mais de 3 mil páginas. A obra está listada em “1001 livros para ler antes de morrer” e, na análise de Céline Suprenant, Proust trabalha o tempo, o espaço e a memória, mesclando inúmeras possibilidades literárias, estruturais e estilísticas. Detalhe importantíssimo: a tradução é de Mário Quintana.

Segundo WB, Proust faz uma “síntese impossível” da absorção do místico, a arte do prosador, a verve do satírico, o saber do erudito e a concentração do mono-maníaco, num texto autobiográfico.

Proust não descreve a vida como foi, mas uma vida lembrada. O acontecimento vivido é finito, fica limitado à esfera do vivido. Ao contrário, a reminiscência, o acontecimento lembrado, não está confinado numa caixa, não conhece fronteiras. Para WB “é uma chave para tudo o que veio antes e depois”.

A própria construção do livro fica sujeita a mudanças, ainda hoje, pois as muitas anotações feitas pelo autor, nos rascunhos, permanecem suscitando novas interpretações. WB vê na obra uma crítica social ao esnobismo da classe alta, que consome, mas ignora aqueles que produzem.



As madeleines
Situações vividas no presente levam o narrador a evocar o passado, trazendo à tona percepções, sensações. Histórias banais (“de cocheiro”) ganham novo significado, novas nuances, ao serem narradas. É clássica a passagem do bolinho (as madeleines) mergulhado no chá. Impossível não lembrar o longa-metragem de animação de 2007, Ratatouille, com aquela cena “redentora” em que o sisudo crítico de gastronomia Anton Ego se desmancha ao provar o singelo prato de legumes, sendo tomado por lembranças de sua infância.



As narrativas – orais ou audiovisuais – têm esse poder de retrabalhar o passado, abrindo janelas que ao mesmo tempo se abrem para melhor se entender o vivido e iluminam o presente.  Em outro famoso texto “O narrador” (que vou abordar num post futuro) WB fala da perda dessa capacidade de narrar. Como isso pode estar afetando nossa percepção do mundo, do outro e de nossas próprias vivências?

Foi a narrativa que fez o cinema ser o que é. A evolução da técnica por si só não teria dado à sétima arte o vigor que ela alcançou. Lentes, câmeras, luz, som alcançam sua razão de ser no cinema quando postos a serviço da narrativa, quando contam uma história.

Flávia Cesarino Costa, num livro muito interessante sobre os primórdios do cinema, diz que, em 1913 já está consolidado um cinema narrativo cuja preocupação principal é contar uma história. A tarefa de ajudar o cinema a contar histórias vinha sendo conduzida até então pela presença do comentador e pelo uso de intertítulos. Ela observa também que a sensação “anárquica” dos primeiros filmes, onde imagens apareciam e sumiam abruptamente, causava impressões contraditórias. Se, por um lado sugeriam irreverência e energia, por outro, traziam uma sensação estranha de morte. Esta sensação, segundo ela, vai desaparecendo à medida que os filmes vão se tornando narrativos, possivelmente graças a “uma certa mágica pacificadora da narrativa”. É interessante registrar também que, segundo a autora, os críticos do primeiro cinema, atacavam exatamente suas formas não narrativas, que estimulariam um “nervosismo insalubre”.


WB vê a obra de Proust como “uma tentativa interminável de galvanizar toda uma vida humana com o máximo de consciência.” O autor francês recorre à consciência e não à reflexão para evocar e interpretar o passado, sua própria existência. O envelhecimento seria uma consequência das perdas, daquilo que deixamos escapar e que não tivemos tempo para recuperar. “As rugas e dobras do rosto são as inscrições deixadas pelas grandes paixões, pelos vícios, pelas intuições que nos falaram, sem que nada percebêssemos, porque nós, os proprietários, não estávamos em casa.”, diz WB.
Numa sociedade onde experiências são fragmentadas, a velocidade é valor maior, a distração é crescente, não estaríamos precisando desacelerar para ouvir mais narrativas, mais contadores de histórias? E assim revisitarmos nossa própria história, sentir novamente o sabor e o cheiro da infância, "voltar para casa" e eventualmente, realinhar o curso de nossas vidas?



BENJAMIN, Walter – Obras Escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política
São Paulo: Brasiliense, 1994 (2010) – pp. 36-49)

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