sábado, 30 de março de 2013

Sala Escura: CÉSAR DEVE MORRER




Os irmãos Paolo e Vittorio Taviani têm no currículo obras de inegável qualidade artística e de abordagem corajosa diante de temas espinhosos, como A noite de São Lourenço (1982) e Pai Patrão (1977).


Com mais de 80 anos de vida, os irmãos italianos ainda surpreendem o público e a crítica com um filme não apenas bem realizado, mas ousado no formato. Partindo da peça de Shakespeare, “Julius Caesar”, que está sendo ensaiada por internos da penitenciária de segurança máxima Rebibbia, nas proximidades de Roma, sob a orientação do diretor teatral Fabio Cavalli, os Taviani transformam os presos transformados em atores de teatro, em atores de cinema.


Transitando entre o documental e o ficcional, com uma suavidade que conduz o espectador com maestria ao longo dos precisos 76 minutos de narrativa oral e visual, o filme permite entrelaçar fatos históricos com o tempo presente, de modo que homens encarcerados são ao mesmo tempo presos condenados, vivendo o século 21, e membros do senado romano no século 44 a.C.



Os dramas, as questões éticas se repetem. Há disputa pelo poder, há dúvida quanto à lealdade e ao dever. Tolhidos da liberdade – alguns estão sentenciados à prisão perpétua -, eles experimentam, encenando o texto de Shakespeare, o poder de tomar decisões, de interferir na História e, ao mergulharem nos personagens que interpretam, mergulham fundo em si mesmos.

Enquanto se apresentam ao diretor da peça para escolha do elenco, apresentam-se também ao público, com suas histórias verdadeiras, seus crimes, suas singularidades, suas diferentes origens e dialetos, desvelando o que há por baixo do uniforme que os iguala, quebrando estigmas.



Libertos pela arte de sua rotina, da monotonia que os consome física e emocionalmente, ao retornarem para suas celas, num ritual filmado com a simplicidade e a economia que caracteriza os mestres, a cela apequena-se, as grades se estreitam. Aqueles homens sentem-se mais encarcerados do que antes e uma das falas finais resume bem o que vivenciam: “Depois que descobri a arte, esta cela transformou-se numa prisão”.  



Os irmãos Taviani, ao optarem pelo desvio, pelo que costumeiramente fica escondido, relegado às sombras, ao optarem por filmar atrás das grades de um presídio, trazem à luz delitos, crimes hediondos, sentimentos mesquinhos, as fraquezas humanas, mas também sua grandeza e a possibilidade de se construir novos caminhos.



E então a gente se pergunta: O quanto a arte, o teatro, o cinema, a pintura, a música, a fotografia, o artesanato poderiam fazer pela população carcerária, por menores infratores? Estaríamos contabilizando cada vez mais crimes, violência, pessoas encarceradas, se tivéssemos políticas públicas mais voltadas para a educação e a cultura? E se tivéssemos menos shopping centers e mais bibliotecas, museus, centros culturais, cinemas, teatros, circos? Menos estacionamentos e mais praças e jardins? 

Cinema como o feito por Paolo e Vittorio Taviani nos fazem refletir sobre o que podemos fazer do lado de cá das grades para que haja cada vez menos gente do lado de lá.







CÉSAR DEVE MORRER (Cesare deve morire)

Italia, 2012, 76min

Direção: Paolo e Vittorio Taviani

Roteiro: William Shakespeare (peça), Paolo e Vittorio Taviani

sexta-feira, 22 de março de 2013

NA PÁSCOA, UM CHOCOLATE ESPECIAL

Todo mundo, ou quase, sabe que aqueles que fazem alguma forma de arte, nesse nosso Brasil, têm de fazer uma verdadeira peregrinação em busca de meios para viabilizar seus projetos. 

A indústria cultural não privilegia aqueles que não se contentam em reproduzir as fórmulas de sucesso criadas e mantidas pela mídia. Sem celebridades globais, peças de teatro, filmes, literatura, têm de suar a camisa para conseguir visibilidade e recursos. E tudo o que um verdadeiro artista quer é que sua obra chegue ao público,  comunique-se com ele.

Para quem quer fazer parte desta rede de amor à arte, a nossa cultura, o ANJO DE CHOCOLATE de Clementino Jr. é uma excelente oportunidade. 

Clique sem medo de ser feliz e fazer gente feliz.

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sábado, 16 de março de 2013

Sala Escura: LINHA DE AÇÃO

 Linha de ação não é uma linha reta. É um novelo com muitas voltas e reviravoltas. Ainda que um tanto exaustivas, têm sua coerência.

O cinema americano tem exposto nas telas a banda podre da polícia, da política, dos negócios, da justiça. Como em A Negociação (Nicholas Jarecki, 2012) e mesmo na história não recente, caso de Conspiração Americana (Robert Redford, 2010).

O filme de Allen Hughes vai por este caminho, jogando com questões éticas, conflitos pessoais, culpa, passando também por preconceito, seja em questões de raça, gênero ou preferência sexual. Sobretudo, Linha de Ação fala de causa e consequência, de como o caminho escolhido hoje pode desembocar, anos depois, num lugar onde não desejaríamos estar.

O policial Billy Taggart (Mark Wahlberg) mata um jovem acusado de ter estuprado uma adolescente, num bairro de classe baixa, em Nova Iorque, Village Bolton. Ele se safa da condenação e sete anos depois tem uma agência de investigação para flagrar adúlteros e vai levando sua vidinha, ao lado da namorada latina, aspirante a atriz (Natalie Martinez).

No melhor estilo “nem tudo é o que parece”, o esperto e esquentado Taggart é contratado pelo maioral da política novaiorquina (Russel Crowe), regiamente pago, para realizar uma investigação de adultério.

Na cola da bela Catherine Zeta-Jones, a investigação tomará rumos imprevisíveis. No centro de tudo, fervilhando como um caldeirão, a campanha eleitoral para prefeito da Big Apple, eleição apimentada pela discussão sobre a desapropriação de um bairro pobre – aquele lá do começo. Melhoria para o povo ou especulação imobiliária? Preocupação social ou alta jogada de políticos com magnatas da construção civil?

(Parêntesis: A esta altura, o espectador já estará farejando semelhanças com o país que sediará grandes eventos esportivos nos próximos anos.)

Drogas, lícitas e ilícitas, podem ser o estopim para um cara que não sabe lidar com suas emoções. E há uma cidade agressiva, embalada por sirenes que soam noite e dia (como são as metrópoles, cada vez mais). Na verdade, a cidade de Nova York é personagem do filme (Broken City é o título original) e a câmera explora bem seus ângulos, como se fosse um tabuleiro de xadrez onde se movem, perigosamente, peças insuspeitas.

De fato, um dos pontos fortes do filme são os movimentos de câmera que mantêm o espectador em permanente conexão com a trama, mesmo quando o roteiro comete excessos e ainda que falte charme a este filme policial, que peca em alguns momentos pela obviedade.

Uma opinião interessante na crítica de Marcelo Hessel em:
http://omelete.uol.com.br/linha-de-acao/cinema/linha-de-acao-critica/

Trailer: http://www.imagemfilmes.com.br/imagemfilmes/principal/filme.aspx?filme=103654


LINHA DE AÇÃO (Broken City)
EUA, 2012
Direção: Allen Hughes
Roteiro: Brian Tucker
109 min, 14 anos

quinta-feira, 14 de março de 2013

DIA DA POESIA

Bem, definiram que hoje, 14 de março, é Dia Nacional da Poesia. As criaturas humanas gostam muito de datas, rótulos, nomes. O que não é de todo mau. Serve para nos lembrar do que anda esquecido, adiado, engavetado.



Mas essa boa intenção perde o sentido quando vira um modismo e aí todos têm de, naquele dia, fazer isso ou aquilo. Aliás, Ou isto ou aquilo é um belo poema de Cecília Meireles. Belo e útil, pois nos traz de volta ao chão quando estamos... digamos, viajando na maionese.

Maionese não sei se dá ou já deu poesia. Pode ser. Viajar, com certeza.

Então, mesmo que a poesia esteja por aí todos os dias, escancarada ou camuflada, inocente, doce, sensual, contundente, denunciando ou ninando, aí vai um poema escrito há alguns anos por esta tecelã, que anda precisando tecer versos com mais frequência.

POÉTICA

Há coisas que são poéticas por si só
Um trem na neblina
Um guarda-chuva aberto que encobre alguém
Um vaso com avencas
Ou samambaias



Um par de luvas femininas
Réstia de sol pela fresta da janela
Pezinhos de bebê ao sol



Boca carnuda
Dorso masculino
Nuca de mulher



Vento nas árvores
Cheiro de maresia
                 Navio ao longe


Fechando o post com o link para um dos meus preferidos do poeta português que sacudiu minha vida, quando ainda adolescente. E nunca mais me deixou.

Dá a surpresa de ser – Fernando Pessoa
http://www.citador.pt/poemas.php?op=10&refid=200809030031