quarta-feira, 27 de junho de 2012

CULTURA: acessório ou essencial?


     Pra começar esta conversa, é bom lembrar que o termo “cultura” não se restringe apenas ao campo das artes, sendo hoje utilizado de modo mais amplo. De fato, a cultura perpassa todas as ações do ser humano e é o que lhe confere a condição de “humano”[1].

          Originário do verbo latino colere, o termo cultura carrega os sentidos de “cultivo ou cuidado”. Cleise Campos diz que, de modo abrangente, o termo referia-se ao cuidado com tudo aquilo que estivesse ligado aos interesses do homem, de natureza material ou simbólica. “Para a manutenção desse cuidado era preciso a preservação da memória, e a transmissão de como deveria se processar esse cuidado, daí o vínculo com a educação e o cultivo do espírito”[2].

          Este conceito foi sendo ampliado a partir do século XVIII, acompanhando as transformações histórico-sociais. Jesús Martín-Barbero vê na cultura um campo de batalha política, um cenário que “exige que a política recupere sua dimensão simbólica – sua capacidade de representar o vínculo entre os cidadãos, o sentimento de pertencer a uma comunidade – para enfrentar a erosão da ordem coletiva”[3].
         
          No Brasil, o direito à cultura é garantido pela Constituição de 1988. O artigo 215 prevê que caberá ao Estado garantir a todos “o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. No artigo 216 são listados os itens que compõem o patrimônio cultural brasileiro, tanto de natureza material como imaterial, havendo referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.

          Cleise Campos destaca que as políticas culturais devem trabalhar a cultura como fator de desenvolvimento, estando atentas às múltiplas manifestações clássicas, eruditas, populares, profissionais e experimentais existentes numa mesma sociedade. Deste modo, se favorece a transmissão de conhecimento e se estimula a criatividade coletiva. Felizmente, tem sido cada vez mais frequente a aproximação entre setores populares, movimentos sociais, lideranças comunitárias e o meio acadêmico, artistas e intelectuais, gerando parcerias que buscam a integração das culturas, e não a substituição de umas pela outras. As escolhas dos indivíduos quanto ao que consumir são mais livres e conscientes na medida em que esses indivíduos têm mais informação sobre o acervo existente. Afinal, não se pode gostar e desejar o que não se conhece e não se pode buscar conhecer algo cuja existência se ignora.

          Nesta perspectiva, as ações e políticas culturais assumem um lugar de relevância. Lia Calabre observa que há um movimento de valorização e institucionalização do papel da cultura nas sociedades, de modo global. Este movimento, aliado a um panorama de constantes inovações tecnológicas, demanda ações dos governos na área cultural. Os processos culturais despontam não apenas como geradores de renda, mas também “como elementos fundamentais na configuração do campo da diversidade cultural e da identidade nacional”[4].

          Ao longo da História do Brasil, percebe-se não só a inadequação, mas também a descontinuidade das políticas culturais, desde a chegada da Corte Portuguesa. Nos períodos seguintes, este panorama não se modificou muito, havendo mesmo retração nos investimentos para a área cultural. Na segunda metade do século XX as políticas públicas ganharam força no embate entre sociedade e Estado, sendo “transformadas em locus de exercício do poder social e político”[5]. No Brasil, este protagonismo foi um tanto tardio, fazendo-se notar nos últimos anos, especialmente durante a gestão de Gilberto Gil à frente do Ministério da Cultura. Mas um panorama mais promissor vai se delineando e finalmente temos um Plano Nacional de Cultura[6].

         Num momento em que muito se fala sobre processos de inclusão (e acrescento a socialização e a ressocialização), uma atitude fundamental é repensar as práticas de consumo, privilegiando bens cujo valor simbólico não seja para ressaltar a “distinção”[7] e reforçar as diferenças de classes definidas pelo poder econômico, mas, ao contrário, para que se constituam como capital cultural gerador de conhecimento, ampliando oportunidades de inserção e mesmo protagonismo social. Uma transição que chamo de travessia do shopping center ao centro cultural.


[1] RODRIGUES, J.C. Comunicação e Significado: Escritos Indisciplinares. Rio de Janeiro: Mauad X:Ed.PUC-Rio, 2006
[2] CAMPOS, C. Cultura e Política Cultural. Seminário Permanente de Políticas Públicas de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, (Decult SR3 UERJ & Comcultura), 2010.
[3] MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às mediações. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2009, p.15
[4] CALABRE, L. Políticas Culturais no Brasil: História e contemporaneidade. Coleção Textos Nômades no.02. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2010, p.21
[5] SPOSATI, A. A fluidez da exclusão e da inclusão. Ciência e Cultura, vol.58. São Paulo, 2006. http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252006000400002&script=sci_arttext
[7] BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk, 2008.  http://pt.scribd.com/doc/48995190/BOURDIEU-Pierre-A-distincao-critica-social-do-julgamento

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