quarta-feira, 19 de outubro de 2011

FESTIVAL DO RIO

O Festival do Rio parece estar mais do nunca antenado com os temas que marcam nosso tempo: intolerância, racismo, preconceito, clandestinidade, imigração ilegal... Na verdade, não são temas novos, mas amplificados e reeditados com roupagem de pós-modernidade, de mundo globalizado.

Inicialmente, eu estava com a sensação de ter escolhido (às vezes por conveniência de horário/local) os filmes mais fraquinhos entre os mais de 400 disponíveis. Mas acabei conseguindo assistir (em alguns casos sem precisar enfrentar longas filas) a alguns filmes que valem a pena. Bem, este é meu balanço até agora:

CHANTRAPAS fala de fazer cinema, de censura, e vem da Geórgia, aquele país que já fez parte da extinta URSS (uma das camisas mais charmosas do futebol, com aquela enigmática sigla CCCP). Tudo isso me despertou interesse. Mas o filme fica aquém do que promete a sinopse. Logo no início a amiga do diretor do filme que existe dentro do filme pergunta se é aquilo mesmo que ele quer mostrar, se não seria melhor eliminar algumas cenas (por conta de problemas com a censura). Bem, me parece que o diretor de Chantrapas sabia o que queria mostrar, mas não teve sucesso na empreitada. São 2 horas que caberiam em 20 minutos, já que, apesar de ter algumas sequências bonitas, a narrativa não flui e fica difícil para o espectador se sensibilizar pela trajetória do cineasta rebelde.

VIAGEM A PORTUGAL é assim meio experimental. Tem uma fotografia em P&B, com o branco estourado, chapado. Em alguns momentos me fez lembrar Alphaville (Godard, 1965) com seus cenários frios, nus, angustiantes. Um tema também interessante: uma bela jovem ucraniana desembarca no aeroporto de Faro (Algarve, Portugal) a fim de passar o réveillon com seu marido, mas acaba detida. O marido, um médico senegalês que aguarda regularizar sua situação em Portugal, vai ao seu encontro e, em vez de solucionar o problema, consegue complicar ainda mais a situação. Tudo em nome de uma política de segurança e de normas e ordens superiores. O diretor e roteirista Sérgio Tréfaut faz um filme nada convencional, mas a “ousadia” por vezes torna-se um fim em si mesma, não garantindo um envolvimento maior do espectador. Um exemplo: ao estilo Gus Van Sant, em Elefante (2003), o mesmo diálogo é repetido em ângulos diferentes, mas o efeito está longe do conseguido pelo diretor norte-americano. Contudo, é uma história que vale a pena ser contada, especialmente por ser baseada em fatos reais. E Tréfaut teve a sensatez de não ultrapassar os 75 minutos de projeção.

O MOINHO E A CRUZ é sem dúvida uma experiência estética bastante forte. Requer paciência, mas a beleza das imagens, apesar de algumas extremamente fortes, prende a atenção. De fato, ver uma pintura flamenga ganhar vida, com todos aqueles detalhes, impressiona. A visão do interior do moinho, com suas imensas engrenagens, é impactante. Ao reproduzir uma tela do século XVI (The Way to Calvaire, de Pieter Bruegel), o filme faz uma reflexão sobre a religião, a opressão, os valores morais. Um filme especialmente interessante para os amantes das Belas Artes.

TIRANOSSAURO – é aquele cinema ao qual estamos acostumados, com roteiro, montagem, diálogos, atuações fortes. Mas isso não o coloca na prateleira das mesmices. Seguindo os passos de Ken Loach, o diretor mostra, sem nenhuma compaixão, toda a violência que pode estar dentro de um ser humano. Acerta ao contrapor dois personagens de vidas opostas, mas que se identificam em sua dificuldade em lidar com a vida, oprimidos por situações passadas ou atuais. Palmas para Peter Mullan (que também atuou em Meu nome é Joe, de Loach) e Olivia Colman, que conseguem colocar em suas atuações doses certas de contenção e raiva.

AS NOVE MUSAS – sou tentada a dizer “prefiro não comentar...”. As boas e literárias intenções do diretor resultam num filme que se arrasta por entediantes 92 minutos. Musas nada inspiradoras...

TERRAFERMA – beleza que explode na tela, afinal é a Itália! Mais um filme sobre a questão de imigrantes ilegais em busca de novas chances para viver. O diretor Emanuele Crialese escorrega aqui e ali ao querer tocar em muitas questões, que acabam não muito bem resolvidas (como a poluição das praias e a mobilização dos pescadores), parecendo deslocadas (talvez, se assistir ao filme por uma segunda vez, eu reveja esta impressão...). De qualquer forma, isso não chega a comprometer a história de uma família que se vê confrontada com a chocante realidade que entra em suas vidas sem pedir licença. É uma bela obra para fazer repensar valores, crenças, opiniões e como o amadurecimento de um jovem ingênuo pode se dar de forma radical e dolorosa, num mundo de instabilidades e desigualdades.

ATÉ A CHUVA – nota dez, bonequinho aplaudindo de pé, 4 ou 5 estrelas, enfim, todos os elogios para esse filmaço que merece uma postagem só para ele.

Hoje, um descanso de temas ásperos: estarei imersa por mais de três horas no mundo de George Harrison, que, aliás, foi um homem preocupado com todas essas questões. Pelas mãos de Martin Scorsese só posso esperar um belo filme, um sensível e competente retrato de um homem que – me perdoem os que negam a existência dos “gênios” – foi dotado de genialidade e sensibilidade. Serei novamente a adolescente Cristina Harrison, beatlemaníaca, agora com a vantagem de saber mensurar melhor o valor de pessoas como George. While my guitar gently weeps...


2 comentários:

Maria Villela disse...

Uma pena o problema na exibição do doc do Scorsese não ter sido resolvido a tempo na 1ª sessão (adiada para hoje, não poderei ir :( ). Parece que a 2ª sessão também foi adiada (para as 21h de ontem).
Dos filmes comentados, só assisti a "O moinho e a cruz", "Tiranossauro" e "Terraferma". Ótimas observações e críticas!
Mas acho que gostei mais de "Terraferma" que a Tecelã: creio ser o grande rival de "Tropa de elite" na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro.

Tecelã disse...

Acho que teria empatado com vc em relação ao Terraferma, mas o Até a Chuva que vi antes levou minha exigência lá em cima! rsrsrs..
Mas ambos são filmes que valem a pena, necessários mesmo.
Valeu o comentário. Bj.