quarta-feira, 3 de novembro de 2010

NARRADORES, LOBOS E SABEDORIA



Há anos ouvia falar do livro Mulheres que correm com os lobos, da analista junguiana Clarissa Pinkola Estés. Por falta de dinheiro, dúvida sobre se valeria mesmo a pena, preguiça de ler... enfim, fui adiando a compra do livro. Mas há algumas semanas a loba me convenceu e encomendei pela internet. Agora, com toda a matilha na cabeceira, descubro que chegou na hora certa.

Ansiosa e cercada de montanhas de livros e textos xerocados para ler (sou da atribulada tribo dos mestrandos), comecei a leitura, mas logo fui avançando para uma e outra história, pulando páginas. Tudo bem, volto quando necessário e certamente em algum momento o terei lido todo, ainda que leve tempo, afinal são mais de 600 páginas.

Na página 36 ela já me seduz ao dizer que “as histórias conferem movimento à nossa vida interior, e isso tem importância especial nos casos em que a vida interior está assustada, presa ou encurralada. As histórias lubrificam as engrenagens, fazem correr a adrenalina, mostram-nos a saída...”. Penso em Nietzsche, que aposta no movimento. E movimento (e narrativa) é também cinema, onde muitas vezes encontro em filmes especiais indicações dessas saídas. Mas o que me interessa compartilhar hoje é este pequena história que ela conta na página 49 e que me levou a conexões com outras leituras e mesmo com o filme Ondine, comentado no post anterior.

Os quatro rabinos
Uma noite quatro rabinos receberam a visita de um anjo que os acordou e os levou para a Sétima Abóbada do Sétimo Céu. Ali eles contemplaram a sagrada Roda de Ezequiel.

Em algum ponto da descida do Pardes, Paraíso, para a Terra, um rabino, depois de ver tanto esplendor, enlouqueceu e passou a perambular espumando de raiva até o final dos seus dias. O segundo rabino teve uma atitude extremamente cínica. “Ah, eu só sonhei com a Roda de Ezequiel, só isso. Nada aconteceu de verdade.” O terceiro rabino falava incessantemente no que havia visto, demonstrando sua total obsessão. Ele pregava e não parava de falar no projeto da Roda e no que tudo aquilo significava... e dessa forma ele se perdeu e traiu sua fé. O quarto rabino, que era poeta, pegou um papel e uma flauta, sentou-se junto à janela e começou a compor uma canção atrás da outra elogiando a pomba do anoitecer, sua filha no berço e todas as estrelas do céu. E daí em diante ele passou a viver melhor.

[...]
A história recomenda que a melhor atitude para vivenciar o inconsciente profundo é a do fascínio sem exagero ou retraído, sem excessos de admiração ou de cinismo; com coragem, sim, mas sem imprudência.”


Em Imagens do Pensamento, um dos capítulos (se é que podemos assim chamar esse agrupamento de histórias, fragmentos, compilados no livro) de Obras Escolhidas, vol.II (Rua de Mão Única), de Walter Benjamin, o alemão fala do Caminho do Sucesso em Treze Teses. Diz ele no item 1:

“Não existe nenhum grande sucesso ao qual não correspondam esforços reais. Seria um erro, no entanto, admitir que esses esforços sejam sua base. Os esforços são a consequência. Consequência da elevada auto-estima e da elevada disposição para o trabalho daquele que se vê reconhecido. Por conseguinte, uma grande exigência, uma hábil réplica e uma feliz transação são os verdadeiros esforços subjacentes aos verdadeiros sucessos.”

Penso então...assim como os rabinos, não basta ter acesso ao conhecimento, é preciso saber decifrá-lo, apreendê-lo, senti-lo, num processo não necessariamente ou puramente racional. Aí recordo um dos diálogos do filme Ondine, onde o sábio padre alerta um assustado Syracuse: ser infeliz é fácil, já a felicidade requer esforços.

Bom para pensar.

3 comentários:

Anônimo disse...

Li esse livro faz muito tempo, logo depois de ser lançado. Na verdade, li uns 80%, depois parei. Vai ver ainda retomo um dia. Foi um livro muito especial na minha vida, me trouxe uma outra dimensão. Faça bom proveito dele...
bjs

Bia

Tecelã disse...

Sim, Bia. Esse é sem dúvida um daqueles livros que mudam alguma coisa dentro da gente. Pra melhor!
Bjs.

eli disse...

fiquei curiosa para ler este livro. como você, também já estive com ele nas mãso várias vezes e adiei a compra, a leitura... você me instigou...
eli