domingo, 26 de setembro de 2010

Sala Escura: AS MÚMIAS DO FARAÓ


Múmias com dinossauros: parece samba do crioulo pré-histórico doido. Mas Luc Besson não é bobo e fez um filme divertido, levando para as telas a personagem de quadrinhos Adèle Blanc-Sec (criada por Jacques Tardi), com doses certas de suspense, fantasia, aventura e humor, temperadas com alguma ironia.

Impossível não lembrar de Parque dos Dinossauros ou de Uma noite no museu. Mas, em relação ao primeiro, Besson leva grande vantagem, pois não oscila entre o filme bobo demais para adultos ou violento demais para crianças. Quanto ao segundo, o francês ganha no charme, no humor sutil, além de contar com caprichada reconstituição de época (não a dos dinossauros ou dos faraós, mas da Paris do começo do século XX).



Com bela fotografia, acompanhamos as aventuras de Adèle, uma espécie de Amélie Poulain apimentada. Vivida pela bela Louise Burgoin, a moça é uma destemida (ou abusada?) repórter que enfrenta homens malvados e muita areia no Egito a fim de sequestrar a múmia de um médico egípcio, que supostamente poderá, depois de ressuscitado pelos poderes de um velho cientista, salvar a irmã da heroína, gravemente doente.

Enquanto isso, um pterodáctilo recém-nascido sobrevoa Paris e leva pânico à população e põe o governo em cheque. Daí, começa um jogo de empurra, numa sequência de “passadas de bola”: o Presidente passa para o Ministro, que chuta para o Governador, que cruza para o Chefe de Polícia... Diversão inteligente, com uma turminha de múmias super simpáticas.

AS MÚMIAS DO FARAÓ (Les aventures extraordinaires d’ Adèle Blanc-Sec)
Direção : Luc Besson (França, 2010)
Classificação : 10 anos
Estreia prevista: 15 de outubro


ESPORTE FINO: Neto, Neymar e a educação


HÁ VIDA INTELIGENTE NOS PROGRAMAS ESPORTIVOS

Domingo passado, TV aberta. Programação abaixo do nível da pobreza. Parei na Bandeirantes, programa de esportes, Milton Neves à frente. Até aí, nada de novo no front, a arrogância de sempre dos comentaristas que “se acham”: se acham mais do que inteligentes ou bons conhecedores do mundo esportivo, especialmente o futebol. Uma fogueira de vaidades onde muitos (há exceções, claro) acreditam ser o ungido dos deuses do gramado para dizer o que é certo e errado.

O que me chamou a atenção, entre os comentários sobre o “bola da vez” Neymar (o garoto do Santos, de cabelo e ego arrepiados) foi o ex-jogador Neto, corintiano roxo, dizer que o que esses jovens ídolos precisam é de educação, de estudo, de uma ocupação que os faça crescer intelectualmente. Precisam de uma orientação que os faça ver que existe muito mais na vida além das quatro linhas do gramado (ele não disse exatamente isso, mas acho que era esse o sentido).

Neto comentou que nas horas de lazer, esses garotos se limitam aos videogames, ao papo na internet. E provavelmente também ao twitter, o novo brinquedinho tecnológico. Neto citou o Cruzeiro, clube que está atento ao que seus jogadores fazem quando não estão correndo atrás da bola. E lamentou que ele mesmo não tivesse tido, quando ainda jogador, acesso a mais estudo. Bacana o comentário do Neto, um cara que fala o que pensa, certamente tem muitos desafetos, mas, ao que parece, não sucumbe à vaidade desmesurada comum no meio esportivo.

domingo, 12 de setembro de 2010

Sala Escura: ANTES QUE O MUNDO ACABE

Um filme com a cara da Casa de Cinema de Porto Alegre. Não, isso não é demérito, ao contrário, o pessoal de POA, Jorge Furtado à frente, tem nos dado ótimos trabalhos. O filme de Ana Luiza Azevedo não chega a ser surpreendente, mas de modo algum desagrada. Deve-se sentar para vê-lo como sentamos (refiro-me aos adultos e já maduros como eu) para conversar com um adolescente. É preciso paciência, tolerância, generosidade. Uma pitada de senso crítico, sim, mas também devemos estar preparados para algumas surpresas, algumas respostas inesperadas.

Em geral, o filão “filme adolescente” – na verdade não apenas os filmes, mas a sociedade, publicidade à frente – imbeciliza o jovem. Com o quê ele é identificado? Consumir, beijar na boca, comer junk food, matar aula, passar horas no computador, ao celular, etc... etc... Daí este filme é uma boa surpresa, pois vai mais fundo, oferece e pede mais a essa turma entre os 12 e... bem, não se sabe mais quando a adolescência acaba.

O jovem Daniel, personagem de Pedro Tergolina (excelente, fiquem de olho nele), mora numa pequena cidade gaúcha e periga viver uma vida sem grandes emoções. Entretanto, as palavras do pai desconhecido, que lá dos confins do mundo passa a mandar-lhe cartas e fotos instigantes, o conduzirão na sua travessia pelas peripécias comuns na vida de um estudante: confusões na escola, uma namorada que o deixa pelo amigo, o primeiro porre... e também a relação com a família. A sensibilidade do garoto faz a diferença. Ele consegue vencer a desconfiança provocada por aquele estranho que tem nome igual ao seu. E o que está latente nele – a capacidade de ver mais longe, de enxergar o mundo – desabrocha.

Em sua trajetória de amadurecimento, Daniel e seus amigos defrontam-se com questões como ética, amizade, compreensão, honestidade, responsabilidade. Sem caretice, apenas com autenticidade. Atuações sinceras, bom roteiro, fotografia competente e um bonito retrato não apenas de jovens rumo à idade adulta, mas de um Brasil com cores, linguagens e sotaques que não vemos com frequência nas telas de cinema e menos ainda nas de TV. Não tem data de estreia ainda, mas quando estrear, vá ver antes que acabe. Sabemos que filmes brasileiros – especialmente se não forem da Globo Filmes – não duram nas telas nacionais.


ANTES QUE O MUNDO ACABE
Direção: Ana Luiza Azevedo


terça-feira, 7 de setembro de 2010

CINEMA – TEORIZANDO A MAGIA (I)


“Teorizar o cinema é buscar como ele é imagem, como representa o mundo, veridicamente ou não; é preocupar-se com sua ação social e com a maneira como modela os espíritos...” (Jacques Aumont)

Desde sua invenção, há mais de um século, o cinema tem suscitado as mais diversas interpretações, especulações, desconfianças e defesas apaixonadas. Cineastas, filósofos, pesquisadores desenvolveram conceitos e teorias a seu respeito. Mesmo a primeira exibição pública do cinema – e por extensão, sua invenção - atribuída aos irmãos Lumière e datada em 1895, é motivo de controvérsias e tem um valor simbólico. Inúmeras experiências antecederam a projeção realizada pelos Lumière, em Paris.

Conceitos e teorias sobre o cinema, sejam elaborados por cineastas ou não, são feitos de uma matéria fluida, nem sempre se pode apreendê-los, aplicá-los. Mas apontam caminhos que trazem o cinema para mais perto, para um lugar mais íntimo dentro daquele que estuda ou simplesmente assiste aos filmes, e ajudam a entender sua ação sobre corações e mentes. Não os tomamos como definitivos, verdades absolutas, mas sem dúvida nos levam a reflexões e a desenvolver novos olhares sobre as obras cinematográficas. Podemos assim melhor inseri-las em seu contexto histórico e social e também melhor vivenciá-las, seja pelo prazer ou pelo estranhamento.

Leo Charney, no texto Num instante: o cinema e a filosofia da modernidade, fala da experiência sensorial vivida no cinema e aborda concepções de pensadores do século XIX, como Walter Pater e suas reflexões sobre o “instante”, Martin Heidegger e o “momento da visão”, e, já entrando no século XX, cita Walter Benjamin e seu conceito de “choque”: a intensidade imediata seguida da diminuição imediata.