quinta-feira, 16 de abril de 2009

SALA ESCURA – SINÉDOQUE, NOVA YORK

Charlie Kaufman já provou que tem uma mente brilhante como roteirista de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (dirigido por Michel Gondry) e Quero ser John Malkovich (de Spike Jonze). Histórias intrincadas, onde real e imaginário se cruzam num labirinto de sensações, é sua marca. E já roteirizou a si próprio em Adaptação (também de Jonze), em que Nicolas Cage, em papel duplo, vive o atormentado roteirista e seu alienado irmão gêmeo.

Era de se esperar, portanto, que Sinédoque, Nova York, que estréia esta semana, fosse um bom filme, ainda que complexo. Mas Kaufman, em seu primeiro (e possivelmente último) trabalho como diretor, erra feio. São duas horas que se arrastam, difíceis de suportar, mesmo para o mais fanático cinéfilo. Se era desconforto, fastio e mesmo nojo que ele pretendia impor à platéia, acertou em cheio.

Philip Seymour Hoffman vive, com a competência habitual, Caden Cotard, um diretor de teatro hipocondríaco, em crise com a mulher – artista plástica – e consigo mesmo, numa atmosfera onde tudo está se degradando, está em decomposição, a começar por seu próprio corpo, acometido das mais variadas enfermidades. Uma metáfora interessante, como os primeiros 15 minutos do filme.

Sinédoque é uma espécie de prima da metonímia, figura de linguagem em que se substitui uma palavra por outra, com a qual guarda alguma relação. Na sinédoque, ensina o dicionário, usa-se o todo pela parte, ou vice versa, como na expressão “ele fugiu nos cascos do cavalo”. Incumbido de escrever sua primeira peça, Cotard mistura sua vida pessoal com a de seus personagens, colocando em cena atores que reproduzem sua patética e angustiada existência. Seu domínio sobre os atores vai se diluindo, como se ele abdicasse da tarefa de tomar decisões, de dar rumos à peça e à sua vida – fugindo à responsabilidade daí decorrente. É uma interminável seqüência de delírios, num misto de pleonasmo com hipérbole, que faz o espectador ansiar pelo desfecho. As partes do todo que Kaufman joga na tela não resultam numa obra com fluidez, ao contrário, dá voltas em si mesma.

O material publicitário do filme revela que Kaufman levou dois anos para concluir o roteiro (que originalmente seria filmado por Jonze) e que costuma incluir em seu trabalho dezenas de ideias, tudo o que pensa e sente. Taí: o mingau desandou, azedou, como o leite que bebem no filme. Nas mãos de outro diretor, a “via crucis” de Cotard renderia um filme interessante, daqueles que surpreendem o espectador a todo o momento. Mas o filme que Kaufman dirigiu, para ser suportável, poderia render, no máximo, um curta de uns 15 minutos.

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