sexta-feira, 3 de abril de 2009

CORAÇÕES E MENTES*

Sempre que vejo/ouço algo sobre vítimas de violência, um pensamento me vem à cabeça: há uma mãe, na sombra, seja da vítima ou do algoz, com o coração sangrando. O Jornal do Brasil, do domingo 29/03/09, traz na primeira página a manchete: “Uma cidade para corações fortes”. A matéria fala dos traumas físicos e psicológicos que persistem por anos nas pessoas que passam por situações de violência. E eu acrescentaria às situações vividas, aquelas imaginadas, sob o estado de tensão constante em que permanecemos, especialmente quando os filhos estão fora de casa.

A matéria vem a partir de uma pesquisa comandada pela psiquiatra Vera Lemgruber, da Santa Casa de Misericórdia. Sob o nome “Correlação entre transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), luto materno e distúrbios cardiológicos”, o estudo radiografa o corpo de quem suporta tais cargas emocionais, expondo os danos causados à saúde. Entre os sintomas, há os que simulam infarto agudo do miocárdio. Isso acontece, revela a médica, porque as pessoas não apenas relembram aquela situação trágica, mas ela é revivida dentro do próprio corpo. É uma ciranda de dor.

Na véspera (sábado 28/03), fui ao Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF) ver as exposições que estão aí na Agenda da Tecelã. E percebo que uma coisa entra pela outra e pela outra.

. P.A.F. – PERFURAÇÕES POR ARMA DE FOGO


P.A.F. pede corações fortes (a placa na porta avisa que não é indicada para menores de 16 anos). Trata-se de uma instalação, dolorosa, mas de grande delicadeza, sobre a juventude interrompida por disparos de arma de fogo, fato tão comum nessa cidade de São Sebastião, ele também perfurado, não por balas, mas por flechas (os projéteis do século III). Lendo a matéria de Leonardo Lichote, do dia 12/03/09, em O Globo, ficamos sabendo como surgiu o interesse da fotógrafa francesa Aude Chevalier-Beaumel pelo tema e das dificuldades – com traficantes e polícia – que enfrentou para realizar o trabalho: fotos e depoimentos sobre as vítimas, que, em forma de texto, integram a exposição.

A primeira imagem é a reprodução de um cartão postal com a foto de uma menina no leito de morte, um costume das famílias francesas para noticiar o falecimento de alguém. A partir da descoberta deste costume, e convivendo com as notícias diárias de mortes de jovens no Rio, Aude buscou contato com as famílias vitimadas pela violência, ainda na porta do Instituto Médico Legal (IML).

Para alguns, parecerá mórbido ou de mau gosto, mas há leveza, doçura e respeito no trabalho de Aude. Melodias de ninar tentam nos consolar, como se aqueles jovens estivessem apenas dormindo. As fotos de seus rostos, emoldurados por flores, tocam fundo no coração, chamam lágrimas guardadas, mas são um tributo a esses meninos e meninas pobres, anônimos, levados por esse turbilhão de insanidade que varre nossas cidades.

A autora – e certamente quem visita aquela sala imersa na penumbra, com fios de pérolas pendendo do teto – pretende que autoridades passem por ali. Talvez aquela atmosfera os leve a repensar suas políticas públicas.

. ABI – 100 ANOS DE LUTA PELA LIBERDADE



No andar térreo, uma exposição que pode fazer rir: charges de mestres como Aroeira, os irmãos Caruso, Veríssimo, o menino João e muitos outros celebram os 100 anos da ABI. Traços certeiros sobre a eterna busca pela liberdade de imprensa. Aparentemente opostas, as duas exposições, na verdade, falam de coisas semelhantes.
Uma imprensa amordaçada pela censura ou subjugada pelo poder econômico é um órgão doente no corpo da sociedade, tal como é a política de extermínio, o sistema penal apodrecido, a educação deficiente, o estímulo ao consumismo sem limites, ao egocentrismo e ao culto do corpo como finalidade máxima da existência humana.

Todos são ingredientes para uma receita que envenena, mata. Vemos uma parcela da juventude crescer à margem dos direitos básicos (saúde, educação, lazer, apoio, segurança de um lar) ou aquela imbecilizada pelos meios de comunicação, incapaz de desenvolver qualquer senso crítico e, assim, promover qualquer transformação na sociedade.

Deste modo, os artistas criadores das charges que nos fazem rir, ainda que um riso amargo, miram com seus lápis e pincéis na liberdade de expressão e acertam em cheio no direito à vida que os jovens de P.A.F. não tiveram.

. CCJF - CENTRO CULTURAL DA JUSTIÇA FEDERALA vantagem de ir a esses locais é que, mesmo se as exposições não tocarem nossos sentidos, o espaço já vale a visita. Para dar um respiro em tema tão forte, fotos do CCJF. Desejando que haja sempre CULTURA, que haja sempre JUSTIÇA.



*Hearts and Minds – é um documentário de Peter Davis (EUA-1974), que tem um olhar questionador e de denúncia sobre a participação norte-americana na guerra do Vietnã (1965-1973), dando inclusive voz aos vietnamitas. Veja mais em: http://www.adorocinema.com.br/filmes/coracoes-e-mentes/coracoes-e-mentes.asp




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