sábado, 25 de abril de 2009

CAMINHANDO, PEDALANDO E PENSANDO


Sábado, sol, pós e pré-feriados. Tenho algumas resenhas de filmes para fazer e postar aqui, mas, esses dias iluminados de abril são bem propícios para uma caminhada, olhar em volta, observar as pequenas coisas que nos escapam no dia a dia. Quem tem o parque do Flamengo como vizinho – categoria de mortais na qual me incluo -, é um privilegiado. Antigamente eu caminhava, mas depois realizei o sonho antigo e, já na casa dos 40, comprei minha primeira bicicleta. Vou pedalando, vendo e ouvindo.

A aventura ciclística tem seus problemas, já que por algum motivo obscuro, são muitas as pessoas que só andam na contramão, param para conversar na ciclovia, largam seus totós sem coleira e eu, que não sou e nunca fui atleta, tenho de apelar pro jogo de cintura – e de pedais – para não atropelar ninguém. Xingo um pouco, esbravejo um pouco, dou uns conselhos, e vou em frente. Bebo a água de coco do flamenguista Mota e lá vou eu, cuidando de corpo e mente. É tanta beleza em torno, que me vem à lembrança aquele menino do conto de Eduardo Galeano, que, diante da imensidão do mar, nunca visto antes, pede ao pai: “Me ajuda a olhar”.

Assim, para nos ajudar a ver, reuni aqui algumas frases que me chegam por diferentes caminhos, algumas colhidas em textos que leio, outras enviadas por generosos amigos. Bom proveito! Boa caminhada! Boas pedaladas!

“Quando estiver fazendo planos, não esqueça de avisar aos teus pés, são eles que caminham.”
Sergio Vaz, Vira-lata da literatura, segundo ele próprio (está bem vivo!)

"A ambição universal dos homens é viver colhendo o que nunca plantaram."
Adam Smith (economista escocês 1723-1790)

"Os dias prósperos não vêm acaso; são granjeados, como as searas, com muita fadiga e com muitos intervalos de desalento".
Camilo Castelo Branco (escritor português 1825-1890)

"Precisamos sempre mudar, renovarmo-nos, rejuvenescer; caso contrário, endurecemos. Saber não basta, devemos aplicar. Desejar não basta, devemos fazer. Se cada um de nós varresse a frente do nosso lugar, o mundo todo seria limpo."
Goethe (escritor alemão 1749-1832)

"Até hoje, os grandes problemas da humanidade nunca foram resolvidos por decretos coletivos, mas somente pela renovação da atitude do indivíduo."
Jung (psiquiatra suíço – 1875-1961)

"Um livro tem que ser um machado para o mar congelado dentro de nós. A literatura só é digna desse nome quando descongela o sangue de quem lê."
Franz Kafka (escritor tcheco 1883-1924)

quinta-feira, 16 de abril de 2009

SALA ESCURA – SINÉDOQUE, NOVA YORK

Charlie Kaufman já provou que tem uma mente brilhante como roteirista de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (dirigido por Michel Gondry) e Quero ser John Malkovich (de Spike Jonze). Histórias intrincadas, onde real e imaginário se cruzam num labirinto de sensações, é sua marca. E já roteirizou a si próprio em Adaptação (também de Jonze), em que Nicolas Cage, em papel duplo, vive o atormentado roteirista e seu alienado irmão gêmeo.

Era de se esperar, portanto, que Sinédoque, Nova York, que estréia esta semana, fosse um bom filme, ainda que complexo. Mas Kaufman, em seu primeiro (e possivelmente último) trabalho como diretor, erra feio. São duas horas que se arrastam, difíceis de suportar, mesmo para o mais fanático cinéfilo. Se era desconforto, fastio e mesmo nojo que ele pretendia impor à platéia, acertou em cheio.

Philip Seymour Hoffman vive, com a competência habitual, Caden Cotard, um diretor de teatro hipocondríaco, em crise com a mulher – artista plástica – e consigo mesmo, numa atmosfera onde tudo está se degradando, está em decomposição, a começar por seu próprio corpo, acometido das mais variadas enfermidades. Uma metáfora interessante, como os primeiros 15 minutos do filme.

Sinédoque é uma espécie de prima da metonímia, figura de linguagem em que se substitui uma palavra por outra, com a qual guarda alguma relação. Na sinédoque, ensina o dicionário, usa-se o todo pela parte, ou vice versa, como na expressão “ele fugiu nos cascos do cavalo”. Incumbido de escrever sua primeira peça, Cotard mistura sua vida pessoal com a de seus personagens, colocando em cena atores que reproduzem sua patética e angustiada existência. Seu domínio sobre os atores vai se diluindo, como se ele abdicasse da tarefa de tomar decisões, de dar rumos à peça e à sua vida – fugindo à responsabilidade daí decorrente. É uma interminável seqüência de delírios, num misto de pleonasmo com hipérbole, que faz o espectador ansiar pelo desfecho. As partes do todo que Kaufman joga na tela não resultam numa obra com fluidez, ao contrário, dá voltas em si mesma.

O material publicitário do filme revela que Kaufman levou dois anos para concluir o roteiro (que originalmente seria filmado por Jonze) e que costuma incluir em seu trabalho dezenas de ideias, tudo o que pensa e sente. Taí: o mingau desandou, azedou, como o leite que bebem no filme. Nas mãos de outro diretor, a “via crucis” de Cotard renderia um filme interessante, daqueles que surpreendem o espectador a todo o momento. Mas o filme que Kaufman dirigiu, para ser suportável, poderia render, no máximo, um curta de uns 15 minutos.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

CORAÇÕES E MENTES*

Sempre que vejo/ouço algo sobre vítimas de violência, um pensamento me vem à cabeça: há uma mãe, na sombra, seja da vítima ou do algoz, com o coração sangrando. O Jornal do Brasil, do domingo 29/03/09, traz na primeira página a manchete: “Uma cidade para corações fortes”. A matéria fala dos traumas físicos e psicológicos que persistem por anos nas pessoas que passam por situações de violência. E eu acrescentaria às situações vividas, aquelas imaginadas, sob o estado de tensão constante em que permanecemos, especialmente quando os filhos estão fora de casa.

A matéria vem a partir de uma pesquisa comandada pela psiquiatra Vera Lemgruber, da Santa Casa de Misericórdia. Sob o nome “Correlação entre transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), luto materno e distúrbios cardiológicos”, o estudo radiografa o corpo de quem suporta tais cargas emocionais, expondo os danos causados à saúde. Entre os sintomas, há os que simulam infarto agudo do miocárdio. Isso acontece, revela a médica, porque as pessoas não apenas relembram aquela situação trágica, mas ela é revivida dentro do próprio corpo. É uma ciranda de dor.

Na véspera (sábado 28/03), fui ao Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF) ver as exposições que estão aí na Agenda da Tecelã. E percebo que uma coisa entra pela outra e pela outra.

. P.A.F. – PERFURAÇÕES POR ARMA DE FOGO


P.A.F. pede corações fortes (a placa na porta avisa que não é indicada para menores de 16 anos). Trata-se de uma instalação, dolorosa, mas de grande delicadeza, sobre a juventude interrompida por disparos de arma de fogo, fato tão comum nessa cidade de São Sebastião, ele também perfurado, não por balas, mas por flechas (os projéteis do século III). Lendo a matéria de Leonardo Lichote, do dia 12/03/09, em O Globo, ficamos sabendo como surgiu o interesse da fotógrafa francesa Aude Chevalier-Beaumel pelo tema e das dificuldades – com traficantes e polícia – que enfrentou para realizar o trabalho: fotos e depoimentos sobre as vítimas, que, em forma de texto, integram a exposição.

A primeira imagem é a reprodução de um cartão postal com a foto de uma menina no leito de morte, um costume das famílias francesas para noticiar o falecimento de alguém. A partir da descoberta deste costume, e convivendo com as notícias diárias de mortes de jovens no Rio, Aude buscou contato com as famílias vitimadas pela violência, ainda na porta do Instituto Médico Legal (IML).

Para alguns, parecerá mórbido ou de mau gosto, mas há leveza, doçura e respeito no trabalho de Aude. Melodias de ninar tentam nos consolar, como se aqueles jovens estivessem apenas dormindo. As fotos de seus rostos, emoldurados por flores, tocam fundo no coração, chamam lágrimas guardadas, mas são um tributo a esses meninos e meninas pobres, anônimos, levados por esse turbilhão de insanidade que varre nossas cidades.

A autora – e certamente quem visita aquela sala imersa na penumbra, com fios de pérolas pendendo do teto – pretende que autoridades passem por ali. Talvez aquela atmosfera os leve a repensar suas políticas públicas.

. ABI – 100 ANOS DE LUTA PELA LIBERDADE



No andar térreo, uma exposição que pode fazer rir: charges de mestres como Aroeira, os irmãos Caruso, Veríssimo, o menino João e muitos outros celebram os 100 anos da ABI. Traços certeiros sobre a eterna busca pela liberdade de imprensa. Aparentemente opostas, as duas exposições, na verdade, falam de coisas semelhantes.
Uma imprensa amordaçada pela censura ou subjugada pelo poder econômico é um órgão doente no corpo da sociedade, tal como é a política de extermínio, o sistema penal apodrecido, a educação deficiente, o estímulo ao consumismo sem limites, ao egocentrismo e ao culto do corpo como finalidade máxima da existência humana.

Todos são ingredientes para uma receita que envenena, mata. Vemos uma parcela da juventude crescer à margem dos direitos básicos (saúde, educação, lazer, apoio, segurança de um lar) ou aquela imbecilizada pelos meios de comunicação, incapaz de desenvolver qualquer senso crítico e, assim, promover qualquer transformação na sociedade.

Deste modo, os artistas criadores das charges que nos fazem rir, ainda que um riso amargo, miram com seus lápis e pincéis na liberdade de expressão e acertam em cheio no direito à vida que os jovens de P.A.F. não tiveram.

. CCJF - CENTRO CULTURAL DA JUSTIÇA FEDERALA vantagem de ir a esses locais é que, mesmo se as exposições não tocarem nossos sentidos, o espaço já vale a visita. Para dar um respiro em tema tão forte, fotos do CCJF. Desejando que haja sempre CULTURA, que haja sempre JUSTIÇA.



*Hearts and Minds – é um documentário de Peter Davis (EUA-1974), que tem um olhar questionador e de denúncia sobre a participação norte-americana na guerra do Vietnã (1965-1973), dando inclusive voz aos vietnamitas. Veja mais em: http://www.adorocinema.com.br/filmes/coracoes-e-mentes/coracoes-e-mentes.asp