terça-feira, 10 de março de 2009

SÁBADO NAS ÁGUAS, DOMINGO NA FLORESTA

Fui conferir duas exposições no último fim de semana. Ambas valeram, e muito, a pena. Começarei pela de domingo porque já termina no próximo dia 15 e todos deviam ir vê-la. Era o Dia Internacional da Mulher, mas o personagem que fui visitar é um homem, um homem da floresta. 20 ANOS SEM CHICO MENDES, no Jardim Botânico, é uma tocante viagem pela vida de Francisco Alves Mendes, que aprendeu a ler aos 20 anos e aos 44 foi assassinado por defender a floresta e os seres que nela habitam. Deu visibilidade à luta dos seringalistas, recebeu no Acre agentes as ONU, foi convidado a ir até Washington (EUA) levar suas denúncias contra a devastação da Amazônia e o tratamento desumano dado àqueles que trabalham nos seringais.

A exposição foi montada de modo a conduzir o visitante pelo universo do seringueiro, seus utensílios, sua rotina. Estão lá suas condecorações, a reprodução dos jornais onde ele é a notícia, seus objetos pessoais: carteira de identidade, passaporte, chinelos e toalha que ainda guardam manchas de sangue. Os ruídos da floresta nos acompanham.

Atravessamos imagens da luta de “um homem que precisou morrer para ser conhecido em sua pátria, ele que já era, como escreveu The New York Times, ‘um símbolo de todo o planeta’”, como relata Zuenir Ventura em seu livro Chico Mendes – Crime e Castigo.

Os cenários onde Chico passou seus últimos momentos também estão lá: os cômodos da casa humilde em Xapuri-AC foram reproduzidos, com réplicas ou peças originais, como a máquina de escrever. A atmosfera recriada, aqueles sons, a visão daqueles objetos, a crença da justeza da luta daquele povo enraizado na Amazônia, tudo isso fez transbordar a emoção e deixei aquele espaço mágico com os olhos cheios d’água.



H2O – FÓRMULAS PARA GARANTIR A VIDA

Ah, a água! Quantos litros já desperdicei, por ignorância! Hoje a vejo como um mineral raro, mais valiosa que qualquer pepita de ouro. Por isso, ir ao Arte SESC foi uma ótima opção para a calorenta tarde de sábado.

A casa que, junto a outras construções modernas, abriga o Arte SESC é uma dessas raridades que ainda encontramos pela cidade. Construída em 1912, reina soberana naquele trecho da Rua Marquês de Abrantes. Abandonada durante muitos anos, fantasmagórica, escura e sinistra, cercada por algo que já fora um jardim, tinha lá seu charme: era a casa do Vlad, dizia eu para minha filha, então criança. Mas o SESC espantou os fantasmas que moravam lá e hoje a casa acolhe exposições, ela própria uma peça de arte.

A mostra que ocupa as salas quase centenárias, de piso de madeira e paredes e tetos decorados, é sobre a fonte de toda vida existente nesse nosso maltratado planeta: Água.

Na verdade, trata-se de uma sucessão de experiências sensoriais. Imagens exuberantes, o rumorejar líquido, o gotejar de pingos reais projetados que “escorrem” pelas paredes. Na sala onde é projetado um vídeo, primeiro vemos as imagens, belas, gélidas geleiras, ondas bordadas de espuma balé, sinfonia. Depois, se fechamos os olhos, podemos viajar por sons envolventes, ondas que quebram, murmúrios de bebês.

Dia 22 é o Dia Internacional da Água e a exposição vai até o dia 29/03. Nos dias 23 e 24 haverá um seminário: O Futuro das Águas. Mas, não perca tempo. Suba a bela escadaria e mergulhe nessa experiência.


Vá a ambas, leve as crianças, seja criança!

- 20 Anos sem Chico Mendes: saiba mais em http://www.jbrj.gov.br/
- H20: saiba mais em http://www.sescrio.org.br/ e www.oinstituto.org.br/H20

quarta-feira, 4 de março de 2009

SALA ESCURA - INÚTIL


O título do filme de Jia Zhang-ke bem se aplica ao conteúdo. Não, não é um filme inútil, ao contrário. A proposta é interessante e oportuna, nesses tempos de consumismo e em que o “made in China” está em quase tudo, inclusive naquelas lembrancinhas fofas, “típicas”, que a gente traz de viagem, crente que são feitas pelos nativos. Mas há, sim, muita inutilidade no longa, cenas que se arrastam desnecessariamente e nada acrescentam à história. Merece aplausos a iniciativa de Zhang-ke em mostrar as diferentes faces do vestir, do luxo à pobreza, falta a ele habilidade para costurar – sem trocadilho – os depoimentos, as sequências filmadas. Assim, o filme se torna irregular e perde em vigor e capacidade de sensibilizar o espectador, pelo menos o ocidental.

O diretor faz uma jornada por distintos territórios no mundo da confecção. Inicia numa fábrica em Cantão, onde se produzem roupas em grande escala. Glamour passa longe dali; há muito calor, um trabalho mecânico e repetitivo. Poderia ser uma fábrica de parafusos ou outra coisa qualquer. Em seguida, Jia Zhang-Ke acompanha a estilista Ma Ke em seus preparativos para uma mostra em Paris, na verdade, uma instalação e não um desfile. O nome de sua marca (Wu Yong) é que dá o título ao filme. Finalmente, entra em cena uma China desolada, numa região onde as minas de carvão roubaram dos ateliês os artesãos que antes costuravam. Os que resistem, vivem de pequenos consertos.

Há, sim, humanidade no filme chinês, e espaço para reflexão. Mas a intenção de criar uma atmosfera cult não funciona. Falta maturidade ao realizador. A idéia de fazer um docudrama não ajuda. Cenas montadas inseridas no documentário ficam sobrando, inúteis. Tudo bem que não seja alta costura – afinal, ninguém precisa disso pra ser feliz -, mas podia ser aquela roupinha básica que cai bem, agrada aos sentidos e valoriza a silhueta de quem veste. Vale a pena ir ao cinema, mas é preciso levar, junto com a pipoca, boa dose de paciência. Chinesa.

INÚTIL (USELESS – WUYONG)
Direção: Jia Zhang-ke
China/Hong Kong – 2007
Classificação: 10 anos
Duração: 1h20