domingo, 7 de dezembro de 2008

RIO DE PAZ, POSSÍVEL AINDA? (2)


Os últimos 20 anos
Outro oficial da PM esteve no encontro: o Coronel Ubiratan Ângelo, ex-comandante geral da PM-RJ. Ele começou sua fala remontando ao Império, quando a média era de 30 assassinatos por ano (1808), mas observou que até hoje a “Corte” escolhe quem é cidadão. Para o coronel – que trocou o vestibular para matemática pelo ingresso na polícia, por oferecer possibilidade de emprego em prazo mais curto - os policiais vêm tendo de se adaptar a mudanças em seu treinamento, em função das diferentes visões políticas. Os sucessivos governos exigem do policial comportamento contraditório. Ele, por exemplo, foi formado para lutar contra a guerrilha e ensinado que porta se abre não com chave, mas com o pé. Lembrou também o tratamento dado pela mídia às ocorrências criminosas, o tratamento jocoso das rádios, em programas sensacionalistas onde a Baixada Fluminense e os negros (como ele) eram sempre os protagonistas.

O ex-comandante da PM destacou a atuação do Coronel Nazareth Cerqueira, que mudou a filosofia da polícia (Ubiratan era tenente na época), a ordem passou a ser “tirar o pé da porta”, trocar a força pelo serviço. Ele seguiu, traçando um panorama da época: surgiram as idéias de polícia comunitária e dentro da corporação houve resistência, por conta de desconhecimento, falta de informação. As ONGs ainda não estavam estruturadas como hoje e ninguém entrava nos batalhões. O Governo Brizola (1983-87) foi o responsável por essa mudança, mas logo começou a ser atacado pela mídia e em 1987, com a eleição de Moreira Franco, volta o “pé na porta” e todo um trabalho de arejamento e humanização da polícia é perdido. Brizola e Cerqueira voltam em 1991 e vários projetos, articulações com lideranças comunitárias, contatos com mídia, academia, são feitos. Mas em 1995, com a eleição de Marcelo Alencar, generais voltam a ocupar postos na polícia é criado o prêmio faroeste. O profissional policial era um mero cumpridor de ordens, sem questionar. Sua motivação passa a ser a recompensa financeira. A sociedade começou a clamar por mudanças.

No período 1999/2002 o governo Garotinho mistura diferentes profissionais na segurança: militares + acadêmico (Luiz Eduardo Soares) + comandante PM. Para o Coronel Ubiratan, mudou apenas o cenário, mas não a filosofia; a gratificação faroeste continuou (Luiz Eduardo deixou a equipe). De 2003 para cá, entram em cena os delegados da Polícia Federal e nesse período todo, destacou o coronel, nunca tivemos uma política pública sequer para a segurança. “É fácil achar o culpado, é só trocar o comandante da PM”, disse Ubiratan. Segundo ele, a mídia mostra diariamente a atuação da polícia, não a do governo. “Em todo o mundo a política atua sobre as polícias, mas a participação social pode minimizar isso”, afirmou ele. Ele revela que no seminário A Polícia que Queremos, 11 eixos temáticos eram voltados para a PMERJ, e apenas um abordava a visão do cliente.

Paulo Roberto, pai do menino João Roberto, morto pela polícia em julho, questionou o coronel sobre a não expulsão dos PMs culpados, perguntando se isso não seria corporativismo. Ubiratan não defendeu a ação dos policiais, e afirmou que eles devem, sim, ser punidos, mas pergunta: em que condições eles atuam? Eles devem ser julgados, mas quem os faz agir assim também deveria ser, afirmou ele. Ele já havia mencionado, num outro momento de sua palestra, que o número de suicídios e separações de casais é grande na corporação.
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Toda vez que um justo grita,
um carrasco o vem calar.
Quem sabe não presta, fica vivo,
quem é bom, mandam matar.
(Cecília Meireles - Romanceiro da Inconfidência)

O Coronel Nazareth Cerqueira foi assassinado no centro do Rio em 1999. Era negro, de origem humilde. Alguns depoimentos publicados na revista Isto É, na ocasião de seu enterro:

"Ele atualmente fazia trabalhos teóricos sobre criminalidade, não andava armado e nem usava seguranças" - Nilo Batista.

"A grande obra do coronel foram suas idéias" - Rubem César Fernandes, coordenador do Movimento Viva Rio.

"Ele lutou contra a discriminação e, numa sociedade preconceituosa como a nossa, sempre encontrou barreiras. Quem sabe sua morte não chama atenção para suas teorias?" - Coronel Jorge da Silva, que ocupou a chefia do Estado-Maior da PM no tempo de Cerqueira.

Há quase dez anos...

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