sábado, 13 de dezembro de 2008

O HOMEM QUE REINVENTOU, NAS TELAS, A LITERATURA



 Por Vidas Secas, o cineasta Nelson Pereira dos Santos já seria imortal. Mas ele foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em março de 2006 e, assim, virou imortal na casa de Machado também. Nada mais justo! Nelson adaptou para o cinema várias obras literárias, transpondo para telas a vida impressa, latente, nos livros, transformando palavras em imagens. No dia 1º, a ABL fez uma homenagem ao mestre do cinema, por seus 80 anos, completados em outubro.

Amor à primeira vista, assim Cícero Sandroni, Presidente da casa, definiu a relação de Nelson com a ABL. A seu lado, Cacá Diegues, bastante emocionado (aliás, todos estavam) exaltou o homenageado não apenas pelo que ele fez, mas pelo que ele fez os outros fazerem. Cacá voltou a seus 15 anos, a um ato de protesto do movimento estudantil, durante o qual foi exibido Rio 40 Graus. O filme havia sido vetado pelo chefe de polícia porque “no Rio nem faz 40 graus”. Foi uma experiência marcante, era o contato com o Brasil real, disse ele.

Cacá Diegues contou ainda como NPS exercia um misto de compaixão e complacência aos assistir aos curtas que ele e outros aspirantes a cineasta faziam e levavam para o mestre avaliar. Para Cacá, a importância de Nelson no cinema nacional é tamanha, que, desde Rio 40 Graus, não se faz no Brasil um fotograma sequer sem que Nelson esteja presente nele.

“Cinema é o verdadeiro elixir da longa vida”, declarou Luiz Carlos Barreto. Para ele, Nelson é um alquimista e feiticeiro, que lida com o racional e o emocional de modo único. Contou que, sem jamais ter operado uma câmera, foi designado por NPS para ser o diretor de fotografia de Vidas Secas e lembrou a cena em que a cachorra Baleia é morta. A cena ficou tão real que rendeu protestos de entidades defensoras dos animais, em Cannes, onde o filme foi exibido. Para LCB, o projeto de Nelson sempre foi o cinema brasileiro, e não seu prestígio pessoal.

Walter Salles não é apenas um belo homem, bom de se ver, é também um prazer ouvi-lo. Para falar de NPS, Walter evocou o escritor argentino Jorge Luis Borges (não sei se era ao poema abaixo que ele se referia, mas pode ser...), dizendo que, no cinema nacional, Nelson deu nome ao que não havia sido ainda nomeado. Ele afirmou que, depois de Rio 40 Graus, nada seria como antes na cultura brasileira. “Ele incorporou o não dito [...] abrindo janelas [...] e revelando a identidade brasileira.” WS lembrou que o processo de florescimento das artes no Brasil foi interrompido em 1964/68. Citou o livro O Chão da Palavra - em que José Carlos Avellar esmiúça a relação do cinema com a literatura, que teria inventado o cinema para que este pudesse reinventá-la -, dizendo que NPS vai mais além.

Sobre a dificuldade de transpor para o cinema obras literárias, Walter Salles contou a historinha dos 2 ratinhos que, numa cinemateca, roíam um rolo de filme. Até que um vira para o outro e diz: “O livro era muito melhor”. Muito boa!

Disse ainda que NPS soube falar de todos os cárceres que herdamos (numa referência a Memórias do Cárcere, livro de Graciliano Ramos, filme de NPS). E ressaltou o lado humanista do cineasta, lembrando seus documentários. Só fez uma “reclamação”: por conta do chá das 5 da Academia, Nelson não aparece mais na produtora de Walter. “Mas pelo menos se sabe que ele agora é imortal”, concluiu.

Com a alegria de um garoto, Sandroni contou que, com o cineclube criado por Nelson na ABL, eles voltaram à juventude, ao tempo de cineclubistas.
Foi uma cerimônia bonita, alegre, emocionada, descontraída. Coroada com a exibição de Rio 40 Graus. Nelson Pereira dos Santos merece tudo isso e o que mais vier de homenagens a esse homem, feiticeiro do cinema, reinventor da literatura.
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O Sul
Jorge Luis Borges

De um de teus pátios ter olhado
as antigas estrelas,
do banco da sombra
ter olhado
essas luzes dispersas
que minha ignorância não aprendeu a nomear
nem a ordenar em constelações,
ter sentido o círculo da água
na secreta cisterna,
o odor do jasmim e da madressilva,
o silêncio do pássaro adormecido,
o arco do saguão, a humidade
- essas coisas, acaso, são o poema.

2 comentários:

Paulo Tamburro disse...

NÃO TENHO A MENOR DÚVIDA.

Paulo Tamburro disse...

OBRIGADO PELO APOIO E VISITAS AO MEU BLOG, FIQUE COM DEUS, FELIZ NATAL E NOS ENCONTRAREMOS.