domingo, 26 de outubro de 2008

ANCELMO GÓIS E O GENERAL



Descobri na última terça-feira, dia 21, algumas coisas bem interessantes. O Exército mantém um Centro de Estudos de Pessoal (CEP) no Forte Duque de Caxias, no Leme. Eu não sabia disso. O CEP (www.ensino.eb.br) é uma escola dedicada às ciências humanas e promoveu, durante a semana que acabou, um Seminário de Comunicação Social. Ponto pro pessoal de verde-oliva. Neste tempo de celebração das disciplinas tecnológicas, de educação-adestramento (falei disso no post do dia 2/10, citando o escritor Alcione Araújo) é bom saber que as da área de Humanas também têm seu espaço.

O primeiro palestrante convidado foi o veterano jornalista Ancelmo Góis. Mais um ponto pros organizadores. Como o evento é aberto à comunidade não-fardada, ou seja, gente como eu, lá fui, interessada tanto no que o Ancelmo ia dizer, como em conhecer a organização militar (como eles chamam os quartéis) plantada naquele belíssimo recanto do Rio de Janeiro.

Pois o saldo foi mais positivo do que isso. Foi muito bom ouvir o Ancelmo, à vontade, sem hipocrisia, dizer, por exemplo, que não é imparcial, nem na profissão, nem na vida pessoal. Para ele, ser imparcial é tarefa impossível, pois o ser humano é feito de emoção e, assim, está sempre tomando partido, aqui e ali.

A princípio fiquei meio decepcionada com essa afirmação, afinal me esforço para agir com imparcialidade. E a regra é dizer que a imprensa deve ser imparcial. Mas o calejado jornalista está muito certo. Afinal, o problema não é tomar partido – se vemos uma injustiça não podemos nos omitir –, é ser desonesto. Tomar partido não pressupõe caluniar, confundir certo e errado, mentir, omitir, lançar falsas verdades, como se vê freqüentemente na mídia.

E Ancelmo Góis falou por boa parte da manhã sobre a imprensa e o direito de ampla defesa, sobre a tecnologia, o acesso das pessoas à informação, respondeu a perguntas, contou passagens de sua extensa carreira de jornalista. Sobre o direito de resposta, afirmou que “a imprensa não pede desculpas, xinga o sujeito na manchete e dá o espaço de resposta na seção de cartas”. E foi além: ao dizer que o Brasil é um país que não pede desculpas, incluiu aí, o Exército. E apontou a Justiça como base dos problemas com os quais o Brasil ainda convive. Como exemplo, citou a absolvição de Fernando Collor da acusação de improbidade administrativa.

A informalidade do sergipano, 40 anos de Rio de Janeiro, recorrendo a algumas inocentes expressões populares - que os mal-humorados poderiam chamar de palavras de baixo calão - deu um toque pitoresco àquele auditório, lotado de homens e mulheres fardados. Esta também uma surpresa para mim, na minha ignorância sobre as atividades do CEP: pensei encontrar lá apenas jovens universitários, já que vi o cartaz do Seminário na UFRJ. Até havia alguns, além de senhoras de cabelos brancos que, imagino, são freqüentadoras do Forte. Mas a maioria da platéia era composta pelos militares, do Rio, de outras cidades e até do exterior, inclusive dois bolivianos. Mais um ponto para o CEP.

Apesar do inevitável ritual, como o bater de continências, e de um tom mais formal na abertura e encerramento, o clima do encontro foi agradavelmente descontraído, especialmente graças ao General Sérgio Tavares Carneiro (Diretor de Pesquisa e Estudos de Pessoal), um jovem senhor sorridente (ou os generais são mais jovens do que sempre imaginei ou eu estou mesmo ficando velha...). Foi com franqueza e simpatia que ele contou como se aproximou de Ancelmo. O jornalista publicou uma nota de denúncia, sem checar, sobre uma suposta violação ao meio ambiente, numa unidade do Exército. Depois de algumas tentativas frustradas, o General conseguiu ardilosamente chegar ao famoso jornalista e a partir daí tudo se esclareceu. Um almoço, uma boa conversa e, mais tarde, o convite para a palestra.

Ancelmo contou que esteve preso por 30 dias durante o regime militar, mas admitiu que, desde então, aprendeu muito. E enfatizou a importância do Exército Brasileiro para a preservação ambiental, lembrando que é graças aos militares que algumas áreas verdes da cidade – como a Restinga de Marambaia e morros – resistem à devastação. Bonito ver a aproximação destes dois brasileiros de trajetórias tão distintas e amizade, talvez, improvável.

Saí do Forte Duque de Caxias para o dia azul, o mar de Copacabana luzindo ao sol, com a sensação de estar mais confiante na possibilidade de entendimento entre os seres humanos.

3 comentários:

Paulo Tamburro disse...

Realmwente, as coisas mudam.E como mudam.Lembra-se da época que o Forte Duque de Caxias era mão única para civis "subversivos"?Concordo com você: a democracia é o único regime que consegue conviver coms as diferenças, respeitar as minorias e zelar pelo estado de direito.Pena que alguns ainda confundam, liberdade com libertinagem!Mais, nós já fomos muito piores!

Tecelã disse...

Em meio a tanta desinformação é bom ver alguma luz no fim do túnel de vez em quando, não é?
Estamos sempre aprendendo e, se quisermos podemos ser muito melhores. Fernando Pessoa diz num poema "É melhor do que tu..."
abçs.

Tecelã disse...

o verso correto é: "És melhor do que tu..."